domingo, outubro 25, 2009

Adeus, macroeconomia ELI NOAM

Folha de S Paulo


ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

ESTAMOS no meio de uma severa crise econômica, a segunda em cerca de uma década no caso da Ásia e a terceira no da América Latina. Parece que as economias cuja base é a informação são voláteis. Isso se deve em parte à deflação fundamental de preços em alguns dos principais produtos e serviços de informação e em parte à velocidade muito mais elevada das transações, que superam a capacidade das instituições tradicionais para controlá-las.
Mas será que a mesma tecnologia poderia também oferecer novas ferramentas de estabilização?
As oscilações cíclicas da economia são tão velhas quanto a humanidade. A Bíblia nos relata sobre sete anos de fartura no Egito, seguidos por sete de escassez. Cada sistema econômico dispõe de instrumentos de política econômica que lhe permita enfrentar essas oscilações.
No Egito antigo, os alertas de José levaram à criação de silos para grãos. Na era feudal, as ferramentas eram o controle sobre a composição das moedas e as severas restrições ao uso da terra e à liberdade da força de trabalho. Essas políticas terminaram por se tornar obsoletas quando chegou a era industrial, na qual a meta era estimular a demanda agregada por meio de tributação e gastos públicos, controle da base monetária e manipulação das taxas de juros.
Assim, quando a atual crise econômica eclodiu, os governos decidiram enfrentá-la da maneira tradicional, por meio de amplos gastos públicos de estímulo e de alterações nas taxas de juros. Mas ainda não se pode saber ao certo se essas soluções criadas na era industrial funcionaram.
A demanda não é o principal problema, na economia da informação. As pessoas consomem mais bits e mais minutos que nunca. O problema são os preços, acompanhados pela incapacidade da economia para monetizar muitas das atividades relacionadas à informação. Isso gera expansões iniciais excessivas, com o objetivo de conquistar mercado, e subsequentes contrações.
E o ritmo das respostas macroeconômicas tampouco é adequado à velocidade cada vez maior da economia da informação. Quando as verbas de emergência forem enfim integralmente desembolsadas, é provável que já estejamos fora da recessão, e elas poderiam estimular a inflação.
O novo tipo de problema, em contraste, é o imenso fluxo de atividades econômicas baseadas na computação que vêm se tornando cada mais impenetráveis à interpretação e a qualquer reação. No entanto os proponentes das ferramentas tradicionais se incomodaram mais quando os novos elementos da economia solaparam suas ferramentas tradicionais.

Diferenciação
Com o surgimento do dinheiro eletrônico, os simpósios passaram a ser ocupados por multidões de professores de macroeconomia e dirigentes de bancos centrais que lamentavam a dificuldade de controlar essa nova forma de base monetária. Em outras palavras, a eficiência da economia avançada tinha de servir à eficiência da política monetária, e não o oposto.
Em lugar de supressão, de que maneira as novas tecnologias poderiam criar ferramentas de governo?
O mais importante aspecto é a capacidade da nova tecnologia para se diferenciar e adaptar. Na internet, cada pacote de dados é identificado em termos de emissor e receptor. O que significa que se torna possível identificar os usuários, e os usos. E aquilo que pode ser identificado pode ser diferenciado.
Isso é um recurso muito poderoso. A macroeconomia tradicional tendia a funcionar com grandes agregados. Era essa a sua essência. Os motivos eram dois: para os teóricos, era mais fácil escrever equações dessa maneira. E, em termos de implementação de políticas, era difícil, em termos administrativos bastante práticos, desagregar os muitos agentes econômicos que operam em uma sociedade.
Mas agora dispomos de ferramentas que permitem diferenciar. Com a devida autorização legal, um banco central poderia cobrar diferentes taxas de overnight para diferentes bancos ou variar os requisitos de reserva de capital. Os impostos sobre as vendas e outros tributos poderiam ser variados seletivamente para diferentes produtos, regiões ou usuários. Os créditos tributários poderiam ser vinculados aos gastos, para usos determinados. As verbas de estímulo poderiam ser dirigidas a gastos ou investimentos que fiquem acima do nível do ano anterior.

Individualização
Para oferecer uma analogia próxima: no passado, as rodovias com pedágio cobravam dos motoristas de maneira quase indistinta. Mas agora, com os serviços automatizados de cobrança e os serviços de pagamentos eletrônicos, preços diferentes podem ser cobrados de acordo com horários, frequência de uso, características do motorista, características do veículo e proximidade entre a residência do motorista e serviços de transporte público.
Em resumo, dispomos de uma ferramenta muito mais refinada do que no passado para estimular e deprimir a demanda por transporte e fazê-lo com menor custo devido à capacidade de desenvolver incentivos dirigidos. Seria preciso, é claro, lidar com certas implicações.
Uma delas se refere à privacidade pessoal. Para diferenciar entre as necessidades, é necessário saber muito. Mas esse problema poderia ser resolvido por meio de um sistema de pseudônimos e intermediários confiáveis. Um segundo problema é o comércio internacional. Basicamente, um governo poderia diferenciar em favor de seu povo? As regras da OMC (Organização Mundial do Comércio) dizem que não. Mas elas também provavelmente se tornarão uma relíquia da era industrial.
A era industrial foi a idade da massificação. Produção em massa. Consumo em massa. Mídia de massa. Publicidade de massa. Mas isso acabou. Vemos em torno de nós a tendência à personalização, à individualização.
A atividade macroeconômica dos governos inevitavelmente seguirá esse caminho e vai se tornar uma política econômica que opera abaixo dos grandes agregados. Economistas, tecnólogos e analistas políticos deveriam trabalhar para desenvolver essas ferramentas.


ELI NOAM é professor de Finanças e Economia na Universidade Columbia.
Tradução de PAULO MIGLIACCI