A AGÊNCIA antidrogas dos EUA (DEA) só identificou os cartéis colombianos em 1984. Com pontos eletrônicos em barris de éter, aviões de observação descobriram que a cocaína era refinada em usinas, e não mais artesanalmente.
Em seguida, identificou as estruturas empresariais do tráfico de drogas com aviões, navios de carga, lançamento em alto mar, recolhimento por iates de luxo, corredores que se formavam em portos e aeroportos, a interação com Peru e Bolívia... O atraso foi de pelo menos seis anos. Os dois mercados básicos eram, e são, EUA e Europa, neste caso, pela substituição parcial de heroína por cocaína.
Os corredores de exportação para os EUA eram rotas diretas, por ar e por mar, da grande plataforma atual, via cartéis mexicanos. Mas, no caso da Europa, sempre foram necessárias plataformas intermediárias em outros países. No caso do Brasil, nas cidades com aeroporto ou porto internacional, como o Rio, em especial, que tem os dois, e São Paulo, Santos, Vitória e Recife. Os corredores de exportação de cocaína desenvolvem um mercado interno de sustentação, um varejo de drogas. O atacado fica por conta de esquemas externos de muito maior sofisticação.
Infeliz coincidência. No início dos anos 80, ocorre a transição democrática no Brasil. Os primeiros governadores eleitos pelo voto direto, em Estados como Rio, São Paulo e Pernambuco, haviam enfrentado a ditadura e vinham com seus compromissos sociais e o desmonte das máquinas repressivas de suas polícias. Sem nenhuma informação sobre a estrutura empresarial existente, que nem o DEA conhecia até 1984, os orçamentos foram pendendo para a área social, contra a segurança pública.
Até ali, as polícias militares eram parte do Exército, e seus recursos contavam com um orçamento federal adicional. Passaram a depender dos orçamentos locais.
Constrói-se com rapidez o varejo interno de cocaína, cujo desenho fundador foi carioca, por ser o corredor mais importante. Aos poucos, foi sendo "exportado" para outras grandes cidades.
O narcovarejo eliminou a ideia do traficante separado do usuário, e a violência associada a ele avançou a taxas crescentes, com a vida banalizada. A cocaína como um objeto de delito de consumo social prazeroso e de alto poder de corrupção avançou como mercado.
A dinâmica inicial do narcovarejo operado por moradores das comunidades desapareceu, e a violência ganhou imagens de terror.
As armas pesadas vieram para ataque/defesa de "territórios". E para a oferta, sempre elástica, de drogas e de armas. Um nó de complexo desatamento. Uma equação que exige muito mais do que vontade para ser resolvida.
sábado, outubro 31, 2009
CESAR MAIA Narcovarejo
CELSO MING - O preço eleitoral
O ESTADO DE S PAULO,
O Banco Central (BC) confirmou ontem a forte deterioração das contas públicas anunciada no dia anterior pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. O Tesouro se restringira a divulgar os números do governo federal. O BC incorporou a eles os números dos outros níveis da administração pública: os dos Estados e os dos municípios. Mas o resultado qualitativo não muda muito. É muito ruim. É o pior mês de setembro dos últimos 12 anos. O Banco Central não pode dizer exatamente a mesma coisa porque começou a série estatística apenas em dezembro de 2001.
Nas justificativas para o descarrilhamento fiscal, o secretário do Tesouro apresentou pelo menos uma abobrinha. Disse que esse foi um resultado já esperado em consequência da opção pela política anticíclica colocada em marcha pelo governo. No entanto, a gastança a que se atirou o governo federal não tem nada a ver com esse tipo de política. Tem a ver com jogada eleitoral.
O maior economista do século 20, o inglês John Maynard Keynes, ensinou que política anticíclica não se faz com despesas permanentes, como o forte aumento dos salários do funcionalismo público e dos benefícios dos aposentados. Ela se faz com investimentos em infraestrutura ou com aplicações que possam ser revertidas tão logo mude o ciclo econômico, da recessão para o crescimento. O que há é que o governo federal aumentou as despesas correntes em nada menos que 16,5%, num ano em que o avanço do PIB mal chegará a 1,0%.
A queda da arrecadação, de 1,9% nos nove primeiros meses de 2009, não é apenas consequência da queda da atividade econômica e das renúncias fiscais do governo federal (redução de impostos para veículos, aparelhos domésticos, etc.). Também tem a ver com a desorganização, que se espera seja temporária, na Receita Federal, por ocasião da administração da auditora Lina Vieira.
O governo está fazendo contorcionismos fiscais para apresentar um resultado melhor. Avançou sobre os recursos do Fundo de Garantia e em pelo menos R$ 5,3 bilhões em depósitos judiciais. E tentou fazer caixa com os recursos do contribuinte, correspondentes ao que foi recolhido em excesso pelo Imposto de Renda e que já deveria ter sido devolvido.
Para enfeitar a contabilidade pública, o governo inventou eufemismos contábeis. Desembolsos da Petrobrás, do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) passaram a ser considerados investimentos e não mais despesas. O resultado desse truque é poder apresentar números finais que parecem mais favoráveis.
O Brasil tem uma longa história de déficits orçamentários. Nenhum deles terminou bem. Não dá para dizer que o desastre seja inevitável porque ainda há tempo para reverter o placar adverso.
No entanto, a parada eleitoral do governo será a dureza que se conhece porque o presidente Lula já decidiu apresentar como candidata à sua sucessão a ministra-chefe da Casa Civil, que nunca na vida disputou uma eleição. E, nessas condições, já se pode ter uma boa ideia de como o governo federal pretende convencer o eleitor. Decididamente não será com a volta de superávits fiscais.
Confira:
V, W ou WWW - O avanço de 3,5% do PIB americano no terceiro trimestre levou o mercado à euforia na quinta-feira, mas ontem foi dia de ressaca.
Parece ter prevalecido a percepção de que a recuperação está excessivamente apoiada no despejo de recursos públicos não só pelo Tesouro, mas também pelo Fed (o banco central dos Estados Unidos).
Os analistas se revezam nas projeções de recuperação em V, W ou WWW. Não há ainda clareza sobre o formato do que virá. Enquanto não se souber se a retomada é sustentável, os mercados continuarão voláteis, como na semana que passou.
Dora Kramer A praxe do colegiado
O ESTADO DE S PAULO,
O presidente da Câmara, Michel Temer, é professor de direito constitucional, foi secretário estadual de Justiça em São Paulo, almejou o cargo de ministro da área, teve seu nome citado em listas de indicações para o Su premo Tribunal Federal; quando o assunto é lei, o deputado sabe do que se trata.
Portanto, percebe perfeitamente bem qual o objetivo dos deputados que agora propõem a aprovação de uma emenda à Constituição acabando com o foro especial de Justiça para autoridades: atrasar ao máximo o fim do processo de julgamento dos acusados de participar da organização – qualificada de “criminosa” na denúncia do Ministério Público – que articulou a distribuição de verbas a partidos cooptados para fazer parte da maioria governista no Congresso Nacional.
Há dois anos em tramitação no Supremo Tribunal Federal, desde que foi aceita a denúncia do ex-procurador-geral da Re pública Antônio Fernando de Souza, o processo do chamado “mensalão” encontra-se na fase de coleta de depoimento de testemunhas, devendo ir a julgamento daqui a dois anos, segundo a expectativa do ministro-relator, Joaquim Barbosa.
Julgamentos no STF não aceitam recursos.
O que o tribunal decidir estará decidido, quem for condenado terá de cumprir a pena sem direito a apelação. Ou seja, ao contrário do que insinua a expressão corriqueira, o foro especial não significa a garantia de privilégio. Busca evitar a ingerência das circunstâncias políticas e do poder local na Justiça de primeira instância.
Há quem considere, de qualquer forma, na existência de prerrogativa especial uma distorção e defenda mudanças no procedimento. Ocorre que não é essa a motivação dos que agora pressionaram para a inclusão da proposta de emenda constitucional na pauta da Câmara.
O que eles pretendem é uma chicana de caráter preventivo, um casuísmo. Aprovada a emenda, o processo do mensalão passaria à Justiça de primeira instância. Voltaria tudo à estaca zero, com novos interrogatórios, coleta de provas e, daí, mais não se sabe quanto tempo até o julgamento que, uma vez concluído, poderia ser contestado pelos advogados dos réus mediante recursos.
O presidente da Câmara tem a palavra final sobre o que entra ou não na pauta de votações. Trabalha, é claro, junto com o chamado colégio de líderes, mas, quando quer e se empenha, tem poder para fazer valer sua posição.
Ainda mais quando o presidente é um parlamentar apontado como o mais influente da Casa, como mostrou recente pesquisa em relação a Michel Temer. Quando quis fazer uma modificação no rito das medidas provisórias, Temer usou de suas qualidades profissionais, esmiuçou a Constituição e viu que havia margem para restringir o trancamento da pauta do Legislativo aos projetos de lei ordinária.
Virou, mexeu e conseguiu a aprovação de sua tese pelo Supremo Tribunal Federal. Precisou da concordância dos líderes, mas não dependeu dela para tomar a iniciativa. Agora, em relação à ladina proposta de extinção do foro especial não precisa, como tem dito que fará, “dividir” com os líderes dos partidos a decisão de levá-la ou não à votação. Socializar essa decisão significa apoiá-la, uma vez que é de interesse da maioria deles fazer com que o processo do mensalão retroceda ao ponto zero.
Com todo seu conhecimento de causa, o presidente da Câmara sabe que se trata de um caso de legislação em causa própria. Cabe a ele resolver se vai se conduzir em atenção ao interesse público ou se lavará as mãos a pretexto de atender à praxe do colegiado.
Linha justa
Dois exemplos a serem observados pelo Palácio do Planalto e adjacências: a demissão do Re lações Públicas da Polícia Militar do Rio e a declaração de impedimento do novo ministro do Tri bunal de Contas da União no jul gamento das contas do Pan-Ame ricano, cujos gastos fi nais foram 800% a mais que o previsto no orçamento.
Cabral demitiu o major Ordilei Santos por ter dito que os policiais que negaram socorro a uma vítima de assalto e ainda ficaram com o produto do roubo seriam investigados por “desvio de conduta”, não podendo ser tratados como criminosos.
O ex-ministro da Articulação Política José Múcio Monteiro abriu mão da relatoria do processo do Pan para não “gerar suspeição” decorrente de sua antiga função. Não fizeram mais que a obrigação, mas, nesses tempos que em tudo se justifica, nada tem importância, os ritos são ignorados, a lei menosprezada e se aceita o império do vale-tudo, são casos raros e por isso exemplos caros.
Prazo há
O prazo de filiação partidária para quem quer concorrer às eleições do ano que vem para os mortais venceu no início deste mês. Para os magistrados, só vence em abril. Nenhuma ilação, apenas uma constatação.
MERVAL PEREIRA - Ecologia, saída ou escape?
O GLOBO
No Cairo, a cidade mais poluída do mundo, o tema seria inevitável, assim como as divergências. Durante a XX Conferência da Academia da Latinidade, a questão da ecologia entrou de contrabando na discussão sobre o conflito de civilizações, ainda que como consequência do debate sobre o relacionamento dos países desenvolvidos com os emergentes
Ecoando o debate que se desenvolve dentro do governo, para a definição da proposta brasileira de redução de emissão de CO2 na reunião de Copenhague, em dezembro, houve uma acalorada discussão sobre a importância da questão ecológica na agenda dos partidos de esquerda na América Latina, a partir também do caso brasileiro, em que a dissidência verde da senadora Marina da Silva coloca em xeque a candidatura oficial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, justamente a representante da ala “desenvolvimentista” do governo na definição do compromisso brasileiro.
O seminário aconteceu durante dias em que a poluição podia ser “vista”, e não apenas sentida, com a chamada “nuvem asiática” cobrindo a cidade, responsável por doenças respiratórias e cardiovasculares que provocam a morte de cerca de cinco mil pessoas na região do Cairo todos os anos, segundo estudo atribuído ao Serviço de Toxicologia do Centro Hospitalar Universitário de Kasr el Aïni.
Formada por partículas decorrentes de várias fontes de poluição, urbana e industrial, essa nuvem é um fenômeno recorrente no Cairo nesta época do ano devido ao crescente fluxo de automóveis, grande parte deles de modelos antigos e poluidores, e à falta de normas industriais.
O nome reflete um problema que atinge megacidades asiáticas como Shangai, a segunda cidade mais poluída do mundo, segundo o Centro de Informações e Pesquisa Atmosférica de Londres, Dhaka (Bangladesh), e Karachi (Paquistão).
Regiões metropolitanas com população superior a 10 milhões — a grande Cairo tem hoje cerca de 18 milhões de habitantes — passaram de apenas três em 1975 para cerca de 20 hoje.
O sociólogo Candido Mendes, secretário-geral da Academia da Latinidade, começou sua crítica à atuação da esquerda pelo governo de Hugo Chávez na Venezuela, que classificou como um ditador que tenta controlar os demais poderes e a imprensa para impor sua vontade.
Candido Mendes criticou o estímulo à delação instituído pelo governo de Chávez, e classificou o modelo chavista como uma esquerda ultrapassada.
Ele já havia chamado a atenção, em sua palestra, para o perigo de “paradas sutis” e até mesmo regressões no processo democrático com o “conflito crescente entre a democracia representativa e a plebiscitária”.
No entanto, assumiu também a crítica à ecologia, como sendo uma fuga de certa parte da esquerda, que teria transformado o tema em um fetiche, sem levar em conta a necessidade de desenvolvimento dos países emergentes.
Para Candido Mendes, não há dados cientificamente comprovados em que se basear para a definição de políticas que entravem o desenvolvimento de países como o Brasil, que precisam crescer economicamente e produzir empregos.
As contestações partiram de um uruguaio radicado no Brasil, Enrique Larreta, que preside o Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes, e do venezuelano radicado nos Estados Unidos Fernando Coromil, professor de antropologia, presidente do Centro de Graduação da City University de Nova York.
Larreta, que está fazendo pesquisas sobre o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e tem passado períodos na China, relatou os avanços chineses nesse setor, demonstrando que não é incompatível com o crescimento econômico a preocupação com a ecologia, e Coronil, a partir da experiência venezuelana, chamou a atenção para a falta de entendimento da esquerda latinoamericana do que seja a preocupação com a preservação da natureza.
Para ele, a ecologia deveria ser um tema importante para a esquerda da América Latina, mas lamenta que seja um tema importante apenas para grupos minoritários.
“Há grupos que têm uma visão puramente econômica da ecologia, e não a vinculam com o social e o político”, analisa Coronil, para quem o que mais preocupa é que esse não seja um tema para governos progressistas, “ou que se dizem progressistas”, e que “as ações” não sejam “coerentes com as proclamações”.
Coronil diz que a visão deveria ser “não apenas de proteger a natureza, mas de proteger a sociedade dos danos à natureza. Se trata de relacionar o ecológico com o social”, esclarece, na mesma linha de melhorar o nível de bem-estar da população.
Dada a situação da economia, Coronil avalia, quase todos os governos sentem a necessidade de promover o desenvolvimento econômico para resolver problemas sociais. “A vantagem comparativa que a América Latina tem sobre os demais países emergentes como a China não é a mão de obra barata, mas os recursos naturais”, mas os governos, mesmo que tenham boa vontade, “acabam promovendo políticas econômicas que de alguma forma ficam dependentes desses produtos, seja gás, petróleo, cobre, ou os agrícolas”.
Coronil defende que o dinheiro desses recursos naturais, especialmente no caso do petróleo em abundância na Venezuela e no Brasil, deveria ser investido na modernização das políticas energéticas, com a integração dos setores produtivos.
Mas, na sua análise, uma “lógica per versa” acaba aprofundando os danos ecológicos.
Para Fernando Coronil, “o petróleo é um caso típico”.
Ele escreveu um livro, “O Estado Mágico”, em 1997 onde relata os equívocos que foram cometidos devido à abundância do petróleo em seu país.
(Amanhã, o gato verde chinês)
Miriam Leitão Sinais de Honduras
O acordo em Honduras ainda precisa enfrentar o teste da verdade: a volta de Zelaya ao governo e o respeito dele aos compromissos. Ele não é o vencedor; teve que desistir do ponto do conflito, a consulta popular sobre reeleição do presidente. Mas Micheletti é o derrotado. Os EUA inauguram uma nova era na relação com a América Latina. O uso político de nossa embaixada foi um erro.
Honduras é um caso emblemático por vários motivos.
Mostrou a reação mundial contra um golpe de estado na AL. Exibiu a nova face da diplomacia americana.
Explicitou mais um caso de tentativa de mudanças das regras do governante no poder. Estará tudo bem, se terminar tudo bem: com a volta de Manuel Zelaya para concluir seu mandato, com a submissão dele à Constituição do país, com eleições livres e alternância de poder.
O enviado especial do Departamento de Estado americano para resolver o problema, Thomas Shannon, fala português e espanhol e conhece a região. Sua ação, ao contrário de outros tempos, foi para restabelecer a ordem democrática e não para apoiar os golpistas. A ação firme americana em nada lembra o triste período em que os Estados Unidos patrocinaram ditaduras na América Latina.
Se tudo acabar bem, e tomara que sim, nem por isso estará legitimada a atabalhoada ação do Brasil. A diplomacia brasileira fez certo em ser tão irredutível a favor do presidente eleito.
Se foi mesmo apanhada de surpresa com a “materialização” do presidente deposto, em frente à embaixada, tinha sim que o abrigá-lo, do contrário, ele estaria com a vida em risco, naquele momento de radicalização. Mas nada justifica o uso da embaixada como centro de agitação política. Negociar de lá com os governantes está correto; promover manifestações, fazer os discursos que fez, e falar até em morte a partir da embaixada brasileira é inaceitável. E sempre será. O fim não legitima o que foi feito no meio desse processo.
Desde o dia 24 de março, quando Manuel Zelaya convocou — para junho — um referendo sobre a reforma constitucional que poderia levar a um novo mandato para ele, Honduras começou a seguir o caminho que poderia levar a um novo caso de chavismo na região. A consulta, como todos já sabem a essa altura, era inconstitucional.
O Supremo não autorizou.
O Congresso ficou contra. O general Romeo Vasquez se recusou a cumprir a ordem de levar adiante a execução do plebiscito e foi preso por Zelaya.
Nada disso torna aceitável o que aconteceu na madrugada de 28 de junho, quando soldados entraram na casa do presidente e o mandaram de pijamas para a Costa Rica. Fala-se muito do pijama, mas mesmo que estivesse em seu melhor terno — e chapéu — seria golpe despachar um presidente para outro país.
Já no dia 30 de junho, a Assembléia Geral da ONU pediu aos seus 192 membros que só reconhecessem o governo de Zelaya. No dia primeiro de julho, a OEA deu 72 horas para o governo interino devolver o poder a Zelaya. Não foi atendida.
Mas o que ficou claro foi que as instituições multilaterais não estavam mais dispostas a conviver com ditaduras feitas à velha moda na América Latina. Falta agora saber como a OEA reage às novas ditaduras.
O método chavista é o de implodir a democracia — atuar por dentro, corroer as instituições, revestir tudo com um discurso supostamente progressista, dizer que fala em nome dos pobres, atacar a imprensa e disseminar o conflito interno.
Contra a morte lenta da democracia, mascarada com a manutenção do ritual das eleições periódicas, os organismos multilaterais não sabem o que fazer. O final de tudo isso não será bonito. Isso ficou mais claro depois da decisão de armar as milícias.
Ontem, ao defender o terceiro mandato para o presidente Lula, Chávez fez uma pergunta: por que um presidente popular tem que sair do governo? Ora, porque a democracia pressupõe alternância de poder.
Ele não entende isso. Lula entende, tanto que não levou adiante as tentativas de mais um mandato. Mas o presidente brasileiro frequentemente repete gestos e palavras de Chávez, coisa que deveria evitar. Na quintafeira mesmo, em São Paulo, numa cerimônia com três mil catadores de lixo, Lula criticou a imprensa, falando diretamente aos jornalistas, que foram vaiados pelos presentes. Esta é uma típica cena venezuelana que ele deveria evitar. Lá terminou mal.
A volta de Zelaya terá que passar pelo Congresso e pelo Supremo, exatamente os poderes que ele subestimou no episódio que levou ao conflito institucional. Essa volta não será simples, mas de qualquer maneira, o grande derrotado foi Roberto Micheletti.
Ele era presidente do Congresso, assumiu um governo que foi reconhecido por apenas meia dúzia de governos ao redor do mundo, enfrentou uma unanimidade contra no continente, tentou provar que o que comandara não era golpe, mas acabou tendo que ceder e negociar.
O país de pouco mais de sete milhões de habitantes mobilizou todo o continente e continuará prendendo a atenção. As eleições estão marcadas para daqui a menos de um mês, e, se voltar ao poder, Zelaya terá que deixar a presidência em 29 de janeiro do ano que vem.
Carlos Vereza Pacifista às avessas
Há poucos meses, Lula foi agraciado com um prêmio, por seus esforços a favor da paz.
Vejamos uma sucinta biografia deste bravo “pacifista”. Na campanha presidencial de 2002, Luiz Inácio, em encontro com militares, declarou ser contra o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
Imediatamente após sua eleição, o então ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, obviamente avalizado pelo presidente da República, declarou ser urgente a fabricação de uma bomba atômica.
José Dirceu, à época chefe da Casa Civil, propôs a criação de uma força armada latinoamericana. É evidente que não falou sem uma superior autorização.
Lula, muito antes do ditador Hugo Chávez, organizou com outros objetivos sua tropa de choque, o MST — as SS dos trópicos, financiadas pelo governo federal.
Esses facínoras depredaram o Congresso Nacional, invadem propriedades privadas, cometem assassinatos, sempre sob a leniência do Grande Timoneiro.
Quando da campanha pela reeleição, o PCC, “coincidentemente”, promoveu verdadeiros atos de terrorismo em São Paulo, com a finalidade de desmoralizar Geraldo Alkmim, que disputava com Lula a presidência da República. Dossiês apócrifos foram fartamente distribuídos, afirmando que, no caso de uma vitória de Alkmim, seria dissolvido o Bolsa Família.
Ainda sobre o PCC: seus membros, anteriormente, ordenaram a seus parentes que votassem em José Genoíno para deputado.
Esclarecedor, não? Agora, recentemente, o vice-presidente, José Alencar, retomou o tema da fabricação da bomba atômica, sob o pretexto de defender o présal, que começará, ou não, a produzir resultados daqui a quinze ou vinte anos, quando, com certeza, combustíveis alternativos substituirão, em grande escala, o petróleo.
Desnecessário frisar que José Alencar não se pronunciou de moto próprio.
Lula não consegue disfarçar sua simpatia por esbirros autoritários, como o já citado Chávez, Morales, Lugo, Zelaya, Ahmadinejad, Kadafi, Ortega e outros menos votados.
Eis aí a grotesca geopolítica bolivariana, que mal consegue disfarçar o ressentimento antiamericano.
E pensar que existe um lobby para que esse “pacifista” receba o Prêmio Nobel da Paz... Socorro!
Villas-Bôas Corrêa Catadores de papel e formadores de opinião
Passei algumas horas no Palácio Tiradentes, antiga sede da Câmara dos Deputados até a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, e ocupada pela Assembleia Legislativa, para prestar um depoimento para a TV Câmara sobre a reportagem política do meu tempo e os hábitos e costumes dos deputados federais.
Por uma hora e meia, esperamos que fosse encontrada a chave para abrir a porta para o plenário. E cutucado pela saudade perambulei pelos corredores e gabinetes, com as muitas modificações de meio século, em que o mundo parece que virou de cabeça para baixo.
No texto impecável do saudoso e brilhante deputado Oscar Dias Corrêa, aqui relembrado no dia 18, a diferença entre o velho Congresso e o da mudança para Brasília deve ter surpreendido e vexado os senadores atolados na série de escândalos e os deputados de uma Câmara que gira em torno de vantagens, regalias, passagens para os fins de semana nas bases eleitorais e assessores de gabinetes individuais para coisa nenhuma.
A cobertura do Congresso acompanhou a mudança para o Legislativo da bagunça. Da reabertura do Congresso, depois da ditadura do Estado Novo, até a recaída na ditadura militar dos 21 anos do rodízio dos cinco generais-presidentes, a democracia viveu a época de ouro, acompanhada pelo interesse da população, que estava farta de ditadura. As galerias lotavam todos os dias da semana de sessões de segunda a sexta-feira, e às vezes aos sábados, atraídas pelos debates entre os grandes oradores de todos os partidos: Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Gustavo Capanema, Flores da Cunha, Milton Campos, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, Oscar Dias Corrêa, Vieira de Melo, Nereu Ramos, Leonel Brizola, para ficar em alguns exemplos.
E a reportagem política ajustou-se ao novo tempo e à cobrança da população, que tinha à escolha os matutinos Correio da Manhã, Diário de Notícias, O Jornal, Diário Carioca, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio, além dos vespertinos, para leitura no bonde e no ônibus na volta para casa, Globo, Notícia, Diário da Noite.
A cobertura do plenário da Câmara e do Senado tinha seu espaço cativo nos matutinos, com repórteres que acompanhavam as sessões da tribuna de imprensa da Câmara, localizada abaixo da Mesa Diretora e com acesso à terra de ninguém, espaço entre a mesa e as bancadas. Outra equipe cobria as comissões, com destaque para a de Constituição e Justiça e a de Finanças.
E, afinal, os repórteres políticos que acompanhavam o jogo do poder, com a cobertura de uma área sem fronteiras, dos plenários, gabinetes do Senado e da Câmara, os gabinetes de ministros, especialmente o da Justiça, as reuniões partidárias, as crises, intrigas e acertos. A turma que me acolheu, repórter deslumbrado e chucro, com seis meses de aprendizado na escola de A Notícia, de Silva Ramos, tinha o seu líder natural no maior repórter político de todos os tempos, o Castelinho, Carlos Castelo Branco, além de Odylo Costa Filho, Heráclio Salles, Benedito Coutinho, Murilo Marroquim, Doutel de Andrade, Otacílio Lopes, o Cara de Onça, Osvaldo Costa, Murilo Mello Filho, Haroldo e Tarcísio Holanda, Carlos Chagas, Fernando Pedreira.
Muitos mudaram para Brasília, e uma nova geração tenta remontar um modelo para a cobertura de um Congresso caricato e desmoralizado.
Sem conhecer nada deste enredo resumido, o presidente Lula, entre as muitas atividades e viagens da campanha antecipada da candidatura da ministra Dilma Rousseff, sem outro assunto para o improviso para 1.500 catadores de papel reciclável, que confundiu com papel de jornal, na abertura do Expocatador pediu aos repórteres presentes que esquecessem “a pauta dos seus editores” e entrevistassem os catadores de papel. E deu a sua aula de leitor bissexto aos embasbacados repórteres: “Vocês vão compreender por que a figura do formador de opinião pública, que antes decidia as coisas neste país, já não decide mais. É que o povo não quer mais intermediários”.
Lula embarcou à tarde para a Venezuela. E os que seguirem os sábios conselhos do presidente esqueçam os jornais e tratem de fazer amizade com um catador de papel.
Eliane Cantanhêde Massacre na TV
BRASÍLIA - Daqui a um ano, em 31 de outubro de 2010, um domingo, será realizado o segundo turno da eleição presidencial -caso nenhum candidato tenha obtido pelo menos 50% mais um dos votos válidos na primeira rodada.
Com tanto tempo pela frente, é impossível e uma irresponsabilidade prever resultados. Em todas as eleições presidenciais brasileiras recentes só havia incógnitas 12 meses antes do pleito.
Feita a ressalva, vale registrar a consolidação crescente do condomínio lulo-petista a favor de Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, vai ficando emparedada a oposição com a trinca PSDB, Democratas e PPS.
No terceiro pelotão das composições eleitorais estão as candidaturas isoladas de Ciro Gomes (PSB) e de Marina Silva (PV). Hoje, Dilma teria a seu favor PT, PMDB, PDT, PR, PRB e PC do B.
Com essa configuração, a candidatura petista ao Planalto já garante 50% a mais de tempo de rádio e de TV do que o seu opositor direto, seja ele José Serra ou Aécio Neves.
O eleitor brasileiro ainda se informa de maneira geral pela TV ou rádio. A mídia impressa é para a elite. A internet permanece em fase de crescimento. Em resumo, ter mais tempo no horário eleitoral não garante vitória a ninguém. Mas é um obstáculo grande ficar sem um espaço confortável nessa janela de comunicação direta com os cidadãos.
Esse é o ponto principal a nortear toda a estratégia de alianças comandada por Lula e pelo PT.
Em eleições anteriores, sempre algum candidato presidencial teve prevalência em relação aos demais no tempo de TV. A diferença em 2010 é que a superioridade de um dos lados tende a ser avassaladora como nunca se viu.
Nas contas do PT, Dilma Rousseff terá de 60% a 70% do horário eleitoral. É um rolo compressor, embora não se saiba como a candidata de Lula usará tanto tempo assim na frente dos brasileiros.
Veja Carta ao leitor
Uma chance para Chávez
O jornalista Duda Teixeira, de VEJA, foi à Venezuela ver de perto como funciona a economia de estado do novo sócio. Seu relato, que começa na página 74, pode ser resumido em um único e estarrecedor conjunto de dados. Desde que, há cinco anos, começou a cubanização da economia, a produção nas empresas venezuelanas estatizadas caiu 40%, enquanto o número de funcionários subiu entre 40% e 150%. Chávez não pode ser acusado de ter enganado o público. Em 2004, ele disse: "Produtividade e rentabilidade são conceitos do malvado capitalismo e do neoliberalismo". Se forem essas as contribuições práticas e teóricas da Venezuela, o mais acertado mesmo seria dar ao regime de Chávez um sonoro não. Ocorre que Chávez não é a Venezuela. Como não há mal que dure para sempre, um dia o país vizinho vai retomar o caminho do progresso social e material. Desde que não se permita que aconteça o impensável – deixar o ditador venezuelano bolivarizar o Mercosul –, pertencer ao clube pode apressar a chegada desse dia. As regras democráticas do bloco criam um óbvio constrangimento para Chávez. Nesse cenário otimista, o ditador descobrirá que melhor seria nunca ter entrado para um clube que o aceitasse como sócio. |
Sucessão Marqueteiros já moldam o discurso de Dilma
A reconstrução da ministra
O governo e os marqueteiros moldam o novo perfil de Dilma Rousseff
a ser apresentado aos eleitores: mineira, simpática, afável, de discurso
simples e antenada com temas ambientais
Otávio Cabral e Alexandre Oltramari
Montagem sobre foto Sergio Dutti/AE e Ed Ferreira/AE |
À IMAGEM DO CHEFE |
Depois de ser derrotado em três eleições, Lula reapareceu com a imagem remodelada na eleição de 2002. Passou a usar ternos bem cortados, cuidou da aparência e, principalmente, deixou de lado o discurso radical que assustava parte do eleitorado. A ministra Dilma Rousseff, candidata do governo à Presidência, está no mesmo laboratório operando sua transformação. Nos sete anos de ministério, Dilma ficou conhecida pela austeridade, inclusive no trato com auxiliares e colegas, pela falta de tato político, o que já lhe rendeu brigas e desafetos dentro do próprio partido, o PT, e pela dificuldade em se comunicar. Parecem problemas intransponíveis para quem deseja enfrentar com a mínima possibilidade de êxito uma campanha eleitoral que promete ser uma das mais acirradas dos últimos anos. A metamorfose já mostra os primeiros sinais. Na semana passada, durante a inauguração dos estúdios de uma emissora de TV, Dilma brincou de atriz com o presidente Lula, que manejava uma câmera. Depois, em um jantar com parlamentares do PP, fez questão de ir à cozinha cumprimentar os funcionários da casa. Em outro evento, em São Paulo, abraçou e beijou catadores de lixo que participavam de uma feira de reciclagem. Por fim, a ministra, que nunca teve muita afinidade com questões ambientais, tem revelado inédita preocupação ecológica, a ponto de ser nomeada para chefiar a delegação brasileira que vai participar de uma conferência da ONU sobre o clima.
"Dilma está mais simpática, mais sorridente e consciente do que se deve fazer em uma campanha", afirma um membro de seu staff. Exemplo disso é que, há duas semanas, a ministra esteve em um almoço com correligionários do governador Eduardo Campos (PSB-PE) e, na chegada, cumprimentou apenas as autoridades presentes à mesa. Foi, depois, advertida pela falha. "Dá para perceber que é difícil para ela cumprir esse papel de candidata, mas ela tem se esforçado." Os discursos e as opiniões da ministra também passaram a seguir um roteiro preestabelecido. Os discursos devem ser simples e carregados de metáforas de fácil entendimento, como os do presidente Lula. As opiniões emitidas sobre os temas de governo e de campanha também não podem divergir das defendidas pelo presidente. Nos últimos dias, Dilma foi criticada por estar antecipando a campanha eleitoral, o que é ilegal. Indagada sobre o assunto, a ministra se disse vítima de preconceito pelo fato de ser mulher. Ninguém entendeu o que uma coisa tem a ver com a outra, mas Dilma conseguiu, ao menos momentaneamente, safar-se da polêmica – exatamente como foi ensaiado com sua equipe de campanha, integrada por políticos, publicitários e jornalistas.
A ministra se reúne uma vez por semana com o "estado-maior" de sua campanha, como é chamado o grupo do qual fazem parte os ministros Franklin Martins (Comunicação Social) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, o deputado Antonio Palocci, o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel e o marqueteiro João Santana. Nesses encontros são discutidos os temas que serão abordados pela candidata-ministra e como ela deve tratá-los em suas aparições. Também são definidos a agenda de viagens e pontos da estratégia política da campanha. Nos fins de semana, Dilma reserva um dia, às vezes o sábado, às vezes o domingo, para se dedicar integralmente ao treinamento e à preparação da "candidata ideal". Ao lado de João Santana e de sua equipe de marqueteiros, a ministra é submetida a sessões de entrevistas, debates simulados e pronunciamento para programas de TV. A postura, o tom de voz, o modo de encarar as câmeras e até a melhor roupa para cada ocasião são experimentados à exaustão. "Esse treinamento é normal para todo candidato em campanha. No caso da Dilma, porém, isso precisa ser intensificado porque ela não tem nenhuma experiência eleitoral. Estamos saindo do zero, fabricando um candidato", explica um dos envolvidos na operação.
Beto Barata /AE |
PALANQUE TECNOLÓGICO |
Em breve, o perfil de Dilma Rousseff ganhará o reforço de um detalhe desconhecido pela maioria dos eleitores. A ministra terá enfatizada sua condição de "candidata mineira". Dilma nasceu em Belo Horizonte, em 1947, e estudou nos tradicionais colégios Sion e Estadual Central. Sua mãe cresceu em uma fazenda na região de Uberaba e seu pai trabalhou na siderúrgica Mannesmann, tradicional empresa no estado. Em Minas Gerais, ela atuou em grupos de oposição à ditadura e acabou presa. Essa origem, porém, é pouco conhecida, pois sua carreira pública foi, na verdade, construída no Rio Grande do Sul, para onde se mudou após deixar a prisão. Pela estratégia montada, Dilma será apresentada como a alternativa para Minas voltar a ter um presidente da República depois de quinze anos. O último foi Itamar Franco. Os auxiliares da ministra avaliam que, caso o governador paulista José Serra seja confirmado como candidato da oposição, ela pode atrair os votos dos eleitores mineiros, desde, é claro, que enxerguem nela uma legítima representante do estado.
Werther Santana/AE |
REFORÇO ESTRANGEIRO |
A estratégia da ministra também passa pelo mundo virtual. Na semana passada, o PT inaugurou seu novo site, orçado em 600 000 reais, que terá canais de áudio e vídeo para ajudar a alavancar a candidatura de Dilma. Pelo site, também será possível arrecadar recursos a partir do início oficial da campanha, em julho. Extraoficialmente, porém, a máquina petista tem um raio de ação muito mais abrangente. Em abril passado, uma ficha criminal falsificada que relatava a participação da ministra em ações armadas contra o regime militar infestou a rede. O episódio levou os estrategistas de Dilma a importar o marqueteiro Ben Self, responsável pela parte digital da campanha do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Contratado por João Santana, Self esteve no Brasil duas vezes nos últimos cinco meses. Ele se reuniu com os coordenadores da campanha da ministra e sugeriu planos para reagir a esses tipos de ataque. Blogueiros e internautas estão sendo arregimentados para inundar as chamadas redes sociais com mensagens de apoio a Dilma e com ataques aos adversários. O trabalho custa entre 50 000 e 120 000 reais por mês e é realizado por empresas especializadas. "Tudo precisa ser clandestino. A força desse tipo de campanha é justamente a aparente espontaneidade das manifestações", disse a VEJA um especialista da área. Oficialmente, nenhum político admite o envolvimento com seus fãs e detratores do mundo digital (veja o quadro na pág. ao lado).
Não há exemplo na democracia brasileira de um candidato "fabricado em laboratório" que tenha se tornado presidente. Antes da ditadura, não havia campanha eleitoral de massa, com TV e rádio. Por isso imperavam os grandes líderes políticos, capazes de costurar o apoio das lideranças regionais. Desde a redemocratização, todos os candidatos competitivos tinham biografia política significativa. Mesmo os políticos mais próximos de Lula consideram essa metamorfose uma incógnita. Diz Gaudêncio Torquato, professor de marketing eleitoral da USP: "Todo candidato tem sua identidade, representada pelo caráter, personalidade e estilo. E há a imagem, projetada pelos publicitários, para que ela se torne mais palatável aos eleitores. Se essa imagem for muito diferente da identidade, há o risco de o candidato parecer falso e artificial ao eleitor, afugentando seu voto".
Guerrilha virtualAs eleições de 2010 contarão com um campo de batalha novo que pode tanto ajudar a esclarecer como confundir os eleitores e acirrar ainda mais a disputa entre os candidatos: a guerrilha virtual. Na Bahia, um vídeo de cerca de dois minutos azedou de vez as relações pouco amistosas entre o governador Jaques Wagner e o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, prováveis adversários na disputa estadual do ano que vem. Intitulado Quero Morar na Propaganda do Governo da Bahia, o filme se transformou em hit na internet. Postado há apenas duas semanas, já foi visto por mais de 40 000 pessoas. É uma bem-humorada e aparentemente ingênua crítica à propaganda oficial do governo da Bahia. "Quero morar na propaganda do governo da Bahia / Lá é tudo maravilha / Tão diferente do que vejo no meu dia a dia", repete o refrão de um samba, enquanto imagens supostamente reais do dia a dia se contrapõem à versão edulcorada da propaganda oficial exibida na televisão. O vídeo foi postado anonimamente, impedindo que seus autores possam ser identificados e punidos, eventualmente, por antecipar a disputa eleitoral. Apesar de o vídeo ter sido identificado como obra de um tal Aparício Monteiro, que o colocou no site YouTube, o governo baiano enxergou na peça as impressões digitais de Geddel Vieira Lima, que disputará a eleição para o governo no ano que vem contra Jaques Wagner. O ministro, que integra o governo do presidente Lula, rompeu com Wagner recentemente de olho em sua cadeira de governador. "Infelizmente, não fui eu que fiz. Mas concordo com todo o seu conteúdo", diz. O publicitário baiano Maurício Carvalho, a quem os petistas atribuem o vídeo, é amigo de Geddel. Sua agência, a Ideia3, trabalha para a prefeitura de Salvador, na qual o ministro tem forte influência. "Infelizmente, não fui eu que fiz. Mas até gostaria de dizer que fui eu, já que o vídeo é um sucesso", afirma o publicitário. Apesar das negativas, o ministro e o publicitário baianos estão sendo festejados nos meios políticos e publicitários pelo pioneirismo da estratégia eleitoral na internet com a qual eles, "infelizmente", não têm nenhuma relação.
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Drogas O desafio do crack
Uma droga brutal
Assassinato de jovem no Rio expõe o drama do crack,
que ainda não tem a devida atenção das autoridades de saúde
Ronaldo Soares e Silvia Rogar
Fotos Álbum de família, divulgação e Reprodução Ag. O Globo |
DEGRADAÇÃO |
VEJA TAMBÉM |
• Do arquivo: Uma prova de fogo (28/10/2009) |
O carioca Bruno Kligierman, de 26 anos, começou a beber quando tinha 14. Pouco depois, largou os estudos. As bebedeiras se alternaram com mergulhos nas drogas, como maconha, ácido, cocaína e, mais recentemente, crack. Bruno chegou a virar mendigo. O desfecho trágico dessa trajetória deu-se na manhã de 24 de outubro. Sob efeito de crack, ele estrangulou a estudante Bárbara Calazans, de 18 anos, a quem chamava de "meu anjo da guarda". A notícia chegou ao pai de Bruno, o produtor cultural Luiz Fernando Prôa, por um telefonema do próprio filho. Prôa chamou a polícia e rumou para o local do crime – o apartamento do rapaz, no Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro. Bruno está preso. Pode pegar até vinte anos de cadeia por homicídio ou cumprir pena no manicômio judiciário, se comprovar sua dependência química. "Ele foi seu próprio carcereiro", resume o pai.
A história de Bruno tem contornos próprios, como a de qualquer pessoa. Foi abandonado pela mãe quando tinha apenas 2 anos e passou mais de vinte anos afastado dela. Quando eles retomaram contato, neste ano, ela estava com aids e morreu menos de um mês depois. Mas, para além do sofrimento que pode tê-lo levado ao vício, e da dor que provocou agora ao seu redor, existe uma tragédia social que ainda não é objeto da devida preocupação por parte das autoridades de saúde. O crack é uma droga especialmente perigosa. Provoca acelerada degradação física e mental e causa dependência rapidamente. Com o uso regular, vem a paranoia, a sensação de estar sob constante ameaça. A reação a esse quadro é violenta. O crack brutaliza. Põe em risco quem se vicia e, frequentemente, as pessoas que estão à sua volta. Por isso, as famílias que enfrentam esse drama sofrem agudamente com a precariedade da rede pública de atendimento, onde é difícil conseguir vaga para internação e são raras as unidades ambulatoriais pre-para-das para lidar com viciados nessa droga.
O desafio é mundial. Na Inglaterra, que tem programas bem-sucedidos no atendimento a dependentes de heroína e outras drogas pesadas, os resultados das políticas públicas voltadas para o crack são modestos. No Brasil, o atendimento à saúde mental, que já tinha problemas, ficou ainda mais caótico com a enxurrada de vítimas de crack. A epidemia se alastrou num momento de mudança na política de saúde mental no país. Desde 2001, com a aprovação da Lei nº 10216, a internação deixou de ser encarada como pilar do tratamento de distúrbios psi-quiátricos. A ideia é internar apenas pacientes com quadro agudo, que precisam de cuidados especiais e atenção constante por determinado período. E, superada essa fase, transferi-los para uma rede ambulatorial externa.
Faz todo o sentido. No entanto, em decorrência dessa nova política, fecharam-se 16 000 leitos psiquiátricos – mais de 30% do total. E o sistema ambulatorial ainda não engrenou. O número de unidades destinadas a dependentes de álcool e drogas é ínfimo – apenas 200, de um total de quase 1 400. Com escassas possibilidades de internação ou tratamento ambulatorial, os pacientes ficaram entregues à própria sorte. "A simples eliminação de leitos de internação deixou um rombo na rede de atendimento", diz o psiquiatra Mauro Aranha, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. O efeito desse colapso é que os dependentes químicos acabam empurrados para centros de reabilitação que, em muitos casos, não têm nem autorização para funcionar. O alto preço da internação leva famílias a se desfazer de seus bens para custear o tratamento. Em geral, os planos de saúde cobrem apenas quinze dias de internação.
Subproduto da cocaína em forma de pedra – que estala quando é queimada, daí o nome –, o crack chegou ao Brasil na década de 90. Durante um bom tempo, ficou restrito a indigentes que perambulavam pelo centro de São Paulo. Hoje, a situação é bem diferente. As pedras se espalharam pelo território e por todas as classes sociais. Ainda não há estatísticas – o Ministério da Saúde está concluindo o primeiro estudo voltado especificamente para o crack. Mas o aumento de dependentes em consultórios psiquiátricos e em clínicas de reabilitação mostra que a epidemia se alastra rapidamente. No Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, até dois anos atrás não havia usuários de crack. Hoje, eles representam quase 30% da demanda. Para enfrentar a epidemia, o Ministério da Saúde anunciou investimentos de 117 milhões até o ano que vem em melhorias na rede de saúde mental. Espera-se que a ajuda chegue a tempo.
Crise Os Estados Unidos saem da recessão
Já dá para sorrir?
As evidências dizem que sim. Os Estados Unidos saíram
da recessão e os bancos começaram a quitar os empréstimos,
indicando que a economia já depende menos da ajuda governamental
Luís Guilherme Barrucho
Jonathan Ernst/Reuters |
ALÍVIO |
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• Quadro: A atividade econômica reagiu... |
Em 17 de setembro de 2008, dois dias após a quebra do Lehman Brothers e diante do temor de que todo o sistema financeiro americano entraria em colapso, o gabinete do então secretário do Tesouro Americano, Henry Paulson, em Washington, refletia o cataclismo que se abatera sobre a maior potência mundial. Abarrotados na sala, vinte funcionários aguardavam as diretrizes da ofensiva do governo, quando Paulson gritou: "É o 11 de Setembro econômico!". A frase aludia aos atentados terroristas de 2001 e resumia a aflição não apenas do homem responsável por salvaguardar a economia dos Estados Unidos, mas de todos que se viam às voltas com a maior crise do capitalismo desde a Grande Depressão. Quem lidava diretamente com os bancos à beira da falência era Timothy Geithner, que comandava o escritório de Nova York do Federal Reserve (o banco central americano). A situação era angustiante: instituições financeiras viam esvair-se seus recursos, e Geithner, hoje secretário do Tesouro, tentava desesperadamente convencer os bancos menos vulneráveis a comprar aqueles mais problemáticos. Na Europa, o quadro era semelhante. A saída de emergência foi uma intervenção governamental sem precedentes, com bilhões e bilhões de dólares bancados pelos contribuintes – que, a despeito de controversa, evitou a ruína de Wall Street e uma recessão ainda mais intensa.
Passado pouco mais de um ano daquela semana funesta, o mundo econômico já pulsa menos sofregamente. Dados divulgados na semana passada revelaram que o PIB dos Estados Unidos apresentou uma alta de 3,5% entre os meses de julho e setembro, o primeiro crescimento em cinco trimestres – e o primeiro no governo Obama –, sugerindo que o país tenha deixado sua mais severa recessão do pós-guerra. "A economia se estabilizou. Veem-se evidências de crescimento aqui e no resto do mundo", festejou Geithner, sem deixar de ressalvar que ainda é cedo para dar fim aos programas de estímulo econômico, entre outros motivos porque o desemprego permanece elevado. Ao mesmo tempo, países menos afetados pela turbulência financeira começaram a retirar os estímulos fiscais e monetários que haviam concedido. Na semana passada, a Noruega foi o primeiro país europeu a elevar sua taxa básica de juros, de maneira similar ao que fizera a Austrália. Além disso, bancos europeus anunciaram que receberão aportes significativos de capitais privados nos próximos dias, com vistas a devolver os empréstimos emergenciais concedidos por seus governos no auge do pânico. Boa parte dos bancos americanos também já quitou as linhas emergenciais de crédito oferecidas pelo Tesouro.
A recente movimentação dos bancos para devolver os empréstimos oficiais indica que o planeta finanças consegue caminhar cada dia mais com as próprias pernas. Só no último mês, sete dos maiores bancos da Europa informaram que deverão captar 40 bilhões de dólares. A intenção desses bancos é escapar assim que possível da camisa de força imposta a eles pelos governos. "Para os bancos, estar sob a órbita de influência dos governantes significa submeter-se a regras rígidas, desde a concessão de empréstimos até o pagamento de seus funcionários", afirmou a VEJA John Kay, um dos mais renomados economistas britânicos. É desse crivo que as instituições financeiras correm para se livrar. Para algumas, no entanto, isso levará tempo. O Citigroup e o Bank of America, por exemplo, ainda devem os 90 bilhões de dólares que o governo lhes emprestou. Não há também solução à vista para a seguradora AIG, que foi nacionalizada.
Difícil para Obama e sua equipe é explicar aos contribuintes e eleitores americanos por que os banqueiros merecem ajuda irrestrita, enquanto milhares de pessoas perderam seus empregos na indústria e em outros setores da economia. O ultraje popular foi amplificado porque os bancos voltaram a auferir lucros expressivos e deverão pagar neste ano o maior volume de bônus a seus executivos. Estima-se que os funcionários dos 23 maiores bancos dos Estados Unidos recebam neste ano um bônus médio de 143 400 dólares. Mas, como é possível, se meses atrás algumas dessas instituições pareciam fadadas a sumir do mapa? Diz o professor de economia Jeffrey Miron, da Universidade Harvard: "A resposta é simples: com juros próximos a zero, raras vezes foi tão fácil captar dinheiro e conceder empréstimos".
Em resumo, ainda é cedo para que todos os estímulos sejam suprimidos, mas a economia mundial não é mais um tijolo voador, que permanecia no ar apenas graças ao empuxo governamental. Um indicador disso é que deixaram de ser rotineiras as até pouco tempo atrás incessantes comparações com a Grande Depressão. São motivos para recuperar a confiança e sorrir novamente. Foram exageradas, afinal, as notícias sobre a ruína de Wall Street – ainda que a mãozinha do governo tenha sido providencial.