terça-feira, agosto 25, 2009

Tanto tempo depois - Mírian Leitão


O Globo - 25/08/2009
 

Para um jornalista, que vive da notícia do dia a dia, é um enorme desafio olhar para trás, num tempo que abrange 40 anos. Foi o que este caderno de economia fez nos últimos dias. Ontem, no seminário sobre o balanço dessas quatro décadas, houve acordo entre pessoas de partidos, convicções e times diferentes: o Brasil está diante de uma grande chance de desenvolvimento.

Esse esforço de desvendar o passado e pensar o futuro foi o desafio que a turma da economia do GLOBO se propôs para comemorar os 40 anos do caderno de economia.

No seminário, houve uma concordância entre os que falaram: a sensação de que o Brasil, com todos os percalços que teve, com todas as dificuldades que ainda enfrenta, avançou muito. E hoje sabe mais o que quer.

Exemplo: combater a desigualdade, como lembrou o economista Marcelo Neri, da FGV. Ele disse que o crescimento per capita do país é um terço nesta década do que foi na do Milagre econômico.

Mesmo assim, a desigualdade agora está caindo mais do que naquela época.

O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, lembrou um tempo sombrio: — A hiperinflação destrói o nexo entre as pessoas. Os que hoje pedem na Justiça a correção monetária a que teriam direito não sabem quanto perderam os que não tiveram correção naquele tempo, quando tínhamos duas classes: os bancarizados e os não bancarizados, com perdas violentas.

Mesmo no Plano Cruzado, que hoje é criticado pelo congelamento, houve avanços, lembrou Belluzzo.

Ele citou o fim da conta de movimento — uma exótica conta conjunta entre o Banco do Brasil e o Banco Central — e a criação da Secretaria do Tesouro.

Com avanços a cada governo e a cada plano, o Brasil chegou à estabilidade. Para Marcelo Neri, o Real significou, para brincar com o nome, um choque de realidade.

O ministro Guido Mantega, orgulhoso, mostrou o desempenho do país na crise. Ele atribuiu isso mais ao governo Lula do que ao processo, ao contrário de outros palestrantes.

Discordou do governador de Minas, Aécio Neves, que tinha dito que nos últimos 17 anos houve a continuidade que permitiu os avanços de hoje.

Mantega disse que foram mantidas a estabilidade, a Lei de Responsabilidade Fiscal, as metas de inflação, mas que não houve continuidade porque cada governo tem a sua filosofia.

O ministro olhou para as crises passadas e mostrou que o país sempre levava três anos para voltar a crescer.

Disse que as crises eram em L (a atividade econômica caía e ficava) e agora está sendo em V (caiu e levantou).

Na visão dele, o país cresceu cerca de 1,6% no segundo trimestre. O mercado aposta numa taxa maior. Mas isso na comparação com o trimestre anterior porque em relação ao mesmo trimestre de 2008 continuará em queda: — O Brasil teve o menor custo fiscal para recuperarse da crise. A China gastou 13% do PIB no pacote fiscal; os EUA, 5,6%; e o Brasil é lanterninha, e neste caso é bom ser lanterninha, gastou entre 0,8% a 1% do PIB — disse o ministro.

Mantega disse que na crise que se seguiu após o Milagre econômico houve déficit comercial e de transações; e agora há superávit comercial e um leve déficit em transações correntes.

O ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso defendeu o desempenho econômico dos governos militares: — Nós tínhamos tudo para ser como a Coreia mas perdemos, depois de 1985, o know how do crescimento, houve uma desconstrução do crescimento econômico como valor.

Disse que o Brasil foi campeão de crescimento nas décadas de 60 a 70: — O desemprego em 1979 era de 2%. O emprego cresceu a 4% em média na década de 70, e o emprego industrial cresceu a 7%. A pobreza foi reduzida à metade. Adotamos naquela época políticas imperfeitas, mas funcionais.

Tema polêmico, do qual não consegui fugir estando na mesa de debates.

Lembrei um dado publicado aqui no caderno: que o total de crianças fora da escola em 1970 era de 33%; em 1980 era também de 33%. No milagre, a educação foi posta de lado, a concentração da renda aumentou. Quem levou as crianças para a escola foi a democracia, nos anos 90.

Quem tem reduzido a concentração da renda, explicou Marcelo Neri, é também a democracia. Ele fez uma entusiasmada defesa do Bolsa Família.

— Gasto de 0,4% do PIB para beneficiar 25% da população é um ato de sabedoria — afirmou.

Em resumo, o PIB oscilou mais, mas o Brasil teve grandes conquistas nos anos da democracia.

O governador Sérgio Cabral disse que o Rio de Janeiro tem agora — comparado com 40 anos atrás — uma enorme oportunidade de atração de investimentos na área siderúrgica e de refinarias.

Aécio ressaltou a necessidade de melhorar a eficiência da gestão pública: — O país desperdiça por ano energia suficiente para iluminar uma cidade como o Rio de Janeiro.

Apesar do clima de confiança no futuro do país, os participantes do primeiro painel e da mesa de abertura admitiram que há muito a fazer: descentralizar a receita pública, reduzir desigualdades, investir mais em educação, retomar um ciclo prolongado de crescimento, evitando os erros já cometidos no passado e que nos custaram tanto.