domingo, agosto 23, 2009

O meio e a mensagem Ferreira Gullar

 FOLHA DE S. PAULO

Certos políticos lidam mal com a imprensa, como Lula, que sempre a acusa de parcialidade

A IMPRENSA também erra. Alguns importantes jornais brasileiros apoiaram o golpe militar de 1964, que pôs abaixo o governo de João Goulart. Tornou-se célebre o editorial de primeira página do "Correio da Manhã", intitulado "Basta!". Foi como um sinal para que os militares conspiradores deflagrassem a sublevação que derrubou o presidente legítimo e colocou em seu lugar um general até então desconhecido de todos.

O erro daqueles jornais foi fruto do temor de que a aliança de Jango com as lideranças de esquerda, por favorecerem a mobilização dos descontentes nas cidades e no campo, propiciaria a tomada do poder pelos comunistas. Temor injustificado, que os fez confiar nos militares como guardiões da democracia. Alguns meses foram suficientes para mostrar-lhes o engano em que haviam incorrido e, a partir de então, passaram a questionar o novo regime. A reação dos milicos não se fez esperar: das ameaças iniciais contra jornalistas, passaram à censura dos jornais, chegando ao ponto de instalar censor nas Redações.

Imprensa livre e regime autoritário não podem coexistir, e a razão é óbvia: a informação livre e a opinião independente são intoleráveis a quem se julga dono da verdade e inseguro quanto à legitimidade de seu poder.

É verdade, porém, que não são apenas os ditadores e os tiranos que odeiam a imprensa livre. As pessoas, de modo geral, não aceitam ser criticadas, e os políticos, especialmente, uma vez que o bom êxito de sua carreira depende da opinião pública.

Deve-se considerar, no entanto, que uma coisa é não gostar de ser criticado e outra é querer calar quem o critica. Aqui mesmo, como cronista, tenho sentido isso, quando abordo algum tema polêmico; há os que escrevem apenas discordando, mas há os que, indignados, sugerem que a direção do jornal me obrigue a calar. "Muito me admira que um jornal como a Folha publique artigos que ofendem a verdade..." Assim também pensava a ditadura: quem discordava dela, ofendia a verdade e, por isso, era legítimo calá-lo.

Certos políticos lidam mal com a imprensa, como é o caso do presidente Lula, que está sempre acusando-a de parcialidade e má-fé. Mas esse é um caso muito especial, já que nunca neste país um presidente da República teve tanta cobertura da imprensa. Sua figura e suas palavras estão permanentemente na tela da televisão e nas páginas dos jornais.

Não obstante, ele também permanentemente se queixa de que a mídia o persegue e a seus aliados. Recentemente, afirmou que os jornais estão condenando as pessoas, sem que a Justiça as julgue, quando, na verdade, o que a imprensa tem feito é divulgar informações, que podem ser desmentidas, no caso em que não sejam corretas ou verdadeiras. Mas espanta que Lula faça tais afirmações quando, de fato, ninguém acusou tanto seus adversários políticos como, durante 20 anos, o fizeram ele e seu partido. Lembro-me de sua cara na TV, com olhar furioso, exigindo o impedimento do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a propósito de acusações que a Justiça considerou falsas contra um auxiliar do gabinete presidencial.

Lula sabe muito bem de tudo isso, porque bronco ele não é. Sabe e diz o que diz, porque confundir a opinião pública é uma velha tática sua. Na verdade, ele é um presidente midiático, aliás, mais midiático que presidente, já que passa 90% de seu tempo a discursar em comícios e a fazer pronunciamentos. O que menos faz é governar, uma vez que quase nunca está em Brasília e, quando se reúne com seus ministros, é para discutir questões políticas ou providências que preservem sua boa imagem e a de seu governo.

Discursar é preciso, governar não é preciso...

E agora, quando se aproxima o ano eleitoral de 2010, novas iniciativas estão sendo tomadas para incrementar ainda mais a sua presença em todos os cantos e recantos do país. Além dos programas de televisão e rádio, em que se autopromove diariamente, terá agora uma coluna assinada em centenas de jornais pelo país afora.

Como não pode impedir que a imprensa noticie e opine sobre os atos de seu governo, vai tentar abafar-lhe a voz, escrevendo (?) e falando sem parar, todo o tempo e em todos os lugares, na esperança de que só sua voz seja ouvida. De qualquer maneira, melhor isso do que fechar os jornais e as redes de televisão, como continua fazendo seu amigo Hugo Chávez.


Apelo ao prefeito do Rio: legalize a atividade dos que vendem livros usados nas ruas, em vez de mandar apreender-lhes a mercadoria. São honestos trabalhadores.