sábado, agosto 22, 2009

Fertilização e legislação no Brasil

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Não falta tecnologia, faltam leis

A medicina reprodutiva brasileira é referência internacional. 
Mas o país precisa de uma legislação específica para regular
uma área cheia de experimentos e casos controversos


Adriana Dias Lopes e Naiara Magalhães

Hank Morgan/ SPL/ Latinstock
FORJANDO VIDAS
A embriologista coloca os óvulos recém-fecundados na incubadora, 
onde ficarão três dias, em média, antes de ser transferidos para
o útero da futura mãe

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Do ponto de vista da tecnologia e da capacitação de seus profissionais, a medicina reprodutiva praticada hoje no Brasil se equipara à dos maiores centros internacionais. Os recursos utilizados na maioria das 200 clínicas existentes no país são os mesmos, por exemplo, do Instituto de Medicina Reprodutiva da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, ou do Instituto Valenciano de Infertilidade, na Espanha. Na prática, isso significa que a chance de uma brasileira ter um bebê depois de se submeter a um tratamento de fertilidade é idêntica à de uma americana ou de uma espanhola com problemas de saúde semelhantes aos dela. Para se ter ideia do avanço dessa área médica, uma paciente com 35 anos que passa por um processo de fertilização tem 40% de probabilidade de engravidar na primeira tentativa – o dobro da de um casal saudável pelos métodos naturais. Do ponto de vista legal, no entanto, a medicina reprodutiva brasileira não está sujeita a leis que coíbam a realização de procedimentos aéticos, tais como aqueles dos quais o médico Roger Abdelmassih é acusado.

Não existe no Brasil uma legislação que regulamente a reprodução assistida. A única lei que faz menção ao assunto é a da Biossegurança, de 2005. Criada para normatizar as atividades que envolvem organismos geneticamente modificados e a pesquisa com células-tronco embrionárias, a Lei de Biossegurança resvala na prática da medicina reprodutiva ao dispor sobre a doação para pesquisas clínicas dos embriões gerados pela fertilização in vitro – quando o óvulo é fecundado em laboratório. Há também uma resolução de 2006, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelece as condições técnicas de funcionamento dos bancos de sêmen, óvulos e embriões. A única regulamentação específica para a reprodução assistida é uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 1992. É ela que serve de parâmetro para a atuação dos profissionais e dá subsídios para que os conselhos regionais responsabilizem os médicos por eventuais erros ou comportamentos duvidosos. As sanções previstas pelo CFM vão de uma simples advertência à cassação do registro profissional, o que impede o acusado de exercer a profissão. "Como a resolução não tem poder de lei, um juiz não pode usá-la para criminalizar condutas médicas nesse campo", diz Reinaldo Ayer, coordenador da Câmara Técnica de Bioética do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

No dia a dia das clínicas brasileiras, a única bússola que norteia os procedimentos são os escrúpulos – ou a falta deles – dos especialistas. É muito fácil driblar as poucas normas existentes. Um exemplo é o uso de óvulos alheios. Pela regulamentação do CFM, só é permitida a doação de óvulos de forma anônima, com o consentimento expresso da doadora e sem remuneração. Como são poucas as mulheres que se dispõem a doar, a procura por óvulos é sempre maior do que a oferta. "Temos uma fila de espera de cinquenta pacientes", diz Edson Borges, diretor clínico do Centro de Fertilização Assistida Fertility, em São Paulo. Nas clínicas que não são sérias, essa é uma questão simples de ser solucionada: recorre-se aos óvulos que sobram de outros tratamentos sem que se informe sua dona.

Existe também a chamada "turbinada" nos óvulos. Trata-se da transferência de parte do citoplasma do óvulo de uma mulher jovem para o óvulo de uma mulher madura. Desenvolvida pelo holandês Jacques Cohen há cerca de dez anos, em sua clínica no estado americano de Nova Jersey, essa prática tem o objetivo de melhorar a qualidade dos óvulos de mulheres na faixa dos 40 anos, com poucas chances de engravidar. Trata-se de um procedimento controverso: o citoplasma carrega uma organela, a mitocôndria, dotada de material genético. Transferir o citoplasma do óvulo de uma mulher para o de outra significa, assim, acrescentar DNA de uma terceira pessoa a um embrião. "O princípio ético tácito é que não se pode alterar a genética de uma pessoa", diz o geneticista Walter Pinto Junior, professor da Universidade Estadual de Campinas.

Na falta de legislação, algumas clínicas criaram comitês internos de ética, formados por profissionais que representam áreas médicas diferentes, para aprovar ou não determinados procedimentos. Em um dos maiores centros de reprodução assistida em Brasília, a Clínica Genesis, o comitê se reúne mensalmente. Recentemente, o grupo não concedeu autorização para que uma mulher usasse o sêmen congelado do marido morto para produzir um embrião. Diz Adelino Amaral Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida: "Nada impede, no entanto, que em outra clínica a paciente atinja seu objetivo".