O ESTADO DE S. PAULO
Na quinta-feira, o presidente da Câmara, Michel Temer, e o senador Eduardo Suplicy abriram oficialmente a temporada "salve-se quem puder" do navio que faz água por todo lado na presidência do Senado.
Suplicy nem esperou a decisão da bancada petista, já francamente disposta a rever os termos do contrato de subserviência firmado com o presidente Luiz Inácio da Silva. Divulgou nota manifestando sua posição em prol do afastamento do senador José Sarney.
Na Câmara, o movimento de Temer não foi tão explícito nem direcionado apenas ao Senado.
O anúncio de que serão abertos 44 processos contra servidores e uma investigação específica, para averiguar a participação de quatro deputados no desvio de passagens aéreas da cota da Câmara para venda no mercado paralelo de agências de turismo, é uma boa notícia.
No tocante à Câmara, serve para neutralizar a repercussão negativa da viagem de parlamentares à França com despesas pagas por uma das empresas que disputam a venda de aviões caça para a Força Aérea Brasileira.
No quadro geral de imposturas, é uma atitude diferenciada. Não obstante o presidente da Câmara tenha atuado conforme mandam suas atribuições, na atual conjuntura até a obrigação é celebrada e recebida como exceção à regra. O normal, claro, serio o oposto.
Muito provavelmente Michel Temer não agiu de caso pensado para atingir Sarney. Mas, na prática, quando toma uma providência objetiva em relação a infrações e ainda incluiu a responsabilização de deputados, traça uma risca de giz entre duas bandas conhecidas como "PMDB do Senado" e "PMDB da Câmara".
Uma ala nunca foi exatamente santa da devoção da outra. Uniram-se formalmente depois da reeleição de Lula, quando o grupo de Temer aderiu ao governo e o partido se fortaleceu. Dentro da regra de que a família unida poderia obter muito mais vantagens, os pemedebistas viveram tempos de convivência pacífica.
Profícuos. Expandiram seus territórios na administração pública federal, fizeram bonito nas eleições municipais de 2008 quando puderam se apresentar como canal de ligação com o Planalto, tornaram-se os parceiros mais disputados da República, cobiçados pelo governo e pela oposição, assumiram o comando da Câmara e do Senado e aí as coisas começaram a dar errado.
Não por falta de aviso, pois o "PMDB da Câmara" era adepto do cumprimento integral do compromisso de deixar ao PT a presidência do Senado.
Informalmente, esse grupo continuou "fechado" com a candidatura do senador petista Tião Viana. Formalmente, estavam todos juntos com Sarney. Quando a crise estourou primeiro no Senado, depois na Câmara e, em seguida, se estabeleceu violenta no Senado, particularmente nas costas do presidente, o PMDB como um todo ficou discreto.
À exceção da tropa de choque de senadores, o restante do partido tratava de cuidar do futuro nas negociações para 2010. Temer, presidente licenciado do PMDB, fez uma única - imprópria, mas moderadíssima - declaração de apoio a José Sarney, corroborando a tese de que empregar parentes não seria nada diante de biografia tão incomum.
Na quinta-feira, ao anunciar abertura de processos e indicar que há deputados envolvidos, foi como se Michel Temer dissesse ao público "veja como somos diferentes".
Na Câmara, a punição; no Senado, tolerância e protelação. A ação de um lado ressalta a inação do outro, conferindo moldura institucional ao isolamento.
O gesto não pode ser visto como de ruptura nem de abandono formal de Sarney por parte do PMDB. É algo mais sutil, que transfere aos leitores da cena a interpretação sobre a retirada de mais um pilar de sustentação.
Os outros pilares que ainda restam a Sarney fragilizam-se a olhos vistos. O maior e mais poderoso, o presidente da República, tem sido criticado numa dimensão nunca vista nos seis anos e pouco de mandato, tornando-se sério candidato a vítima do abraço do afogado.
O batalhão de defesa no Senado não consegue reunir uma bancada partidária completa nem pode contar com porta-vozes de reputação ao menos razoável.
No PMDB há dissidentes, o DEM está contra, o PDT caiu fora, o PSDB assina representações no Conselho de Ética assim como o PSOL, o PSB desembarcou, o PT oficializou a retirada do tapete, considerou "graves" as acusações contra Sarney e pede seu afastamento do cargo e "rigor" no exame das acusações no Conselho de Ética.
Um caso sem salvação, diante do qual se estabelece o tempo de murici: cada qual trata de si, salvando-se como puder.
Essa história de contraofensiva de Sarney na base de medidas de impacto e ameaças de arrastar à lama outros senadores, pode ocupar espaço no noticiário, mas não tem o menor efeito prático.
Pela absoluta carência de crédito de quem se apresenta ao serviço com a credencial de chantagista e falta de condições do Senado de a essa altura simplesmente dar o dito pelo não dito.