O GLOBO
Embora tudo indicasse que a primeira campanha presidencial sem Lula depois de vinte anos fosse produzir uma miríade de candidatos, justamente como aconteceu em 1989, na primeira eleição direta para presidente depois do período militar, a cada dia fica mais clara a possibilidade de que a eleição do ano que vem seja disputada por apenas dois candidatos, Dilma Rousseff pelo governo, e o da oposição. O presidente Lula está fazendo tudo para que a eleição seja um plebiscito sobre seus oito anos de governo, e o governador paulista, José Serra, o mais provável candidato do PSDB, se vira para evitar essa conotação. Não quer disputar com o mito.
Existe a possibilidade real de ele desistir da candidatura se verificar que a estratégia de Lula deu certo e que o eleitorado o verá como o anti-Lula, e não como adversário de Dilma. É essa a lógica que o faz querer adiar ao máximo uma decisão sobre sua candidatura, mas ele corre o risco de cometer o mesmo erro de 2002, quando sua campanha tentou se equilibrar entre o continuísmo e a mudança.
Desta vez, tanto Serra quanto o governador de Minas, Aécio Neves, o outro aspirante à candidatura pela oposição, tentam passar para o eleitorado a mensagem de que não são contra Lula, muito pelo contrário. A tal ponto que Aécio cunhou a expressão "pós-Lula" para definir sua candidatura.
Apesar das demonstrações de apreço que o presidente Lula dá aos dois governadores tucanos, nada indica que a campanha para a sucessão de Lula venha a ser uma disputa entre cavalheiros e damas, e duas estratégias governistas já demonstram o contrário: o estímulo à candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo, e a difusão do "risco Serra", ambas estimuladas com entusiasmo pelo próprio Lula.
O presidente acha muita graça quando algum ministro seu chama a atenção para o temor que o mercado financeiro teria de uma vitória do governador paulista, principalmente pelas críticas à atuação do Banco Central. O Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, é o maior propagador da piada, juntamente com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que se vinga assim das críticas que recebe de Serra.
Também Ciro Gomes já dizia, em 2002, que sua missão principal na política é derrotar Serra, e a oportunidade de disputar a eleição para governador de São Paulo une o útil ao agradável na sua ótica política: estará solto no terreno de Serra, para atacar sua gestão, seja ele candidato à Presidência ou mesmo à reeleição.
E se for eleito governador, hipótese pouco provável, ganhará nova dimensão nacional que pode revigorar seu antigo plano de se candidatar a presidente.
O curioso é que corremos o risco de ver novamente, com sinal trocado, o mesmo tipo de campanha acontecida em 2002, só que desta vez, ironicamente, o papel conservador será da candidata oficial, para garantir aos agentes econômicos internos e externos que manterá a política econômica do governo Lula sem alterações, enquanto seus aliados estimularão os temores quanto a uma possível eleição de José Serra.
A oposição, por sua vez, terá a mesma postura que Lula teve em 2002, com mais credibilidade: garantir que nada mudará na política econômica, mas, caso Serra seja o candidato, não será possível - nem ele quererá - dissimular sua discordância com o que considera uma excessiva autonomia do Banco Central e uma política de juros errada, que estaria impedindo um maior crescimento da economia brasileira.
Na eleição de 2002, uma das táticas do governo tucano foi espalhar o temor de que a eleição de Lula levaria o país a se transformar em uma imensa Argentina, que àquela altura estava envolvida em uma grave crise econômica que começara três anos antes com a eleição de Fernando De La Rúa para a presidência, na sucessão de Carlos Menem.
O governo De la Rúa foi caracterizado por crise econômica permanente e movimentos populares violentos de protestos, enquanto internamente as diversas facções da coalizão que o sustentava se digladiavam por espaço político.
Acabou renunciando ao cargo, que foi assumido por Eduardo Duhalde, que fora o segundo colocado na eleição presidencial, numa decisão polêmica da Assembléia Legislativa.
Se em 2002, no governo Duhalde, o PSDB procurava atemorizar os eleitores com o caos na Argentina, hoje a oposição usa a mesma imagem para falar de supostas fragilidades políticas da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas comparando-a ao próprio De La Rúa, que não teve capacidade de conter os diversos grupos dentro de sua coalizão nem de superar a crise econômica.
Lula, por seu turno, mantém-se coerente com a posição de 2002, e vai mais além, escudado por uma popularidade espetacular no final do segundo mandato: continua controlando com mão de ferro o PT e a burocracia partidária, isolando as tendências mais à esquerda, que ou já abandonaram o partido ou hoje são francamente minoritárias, e ainda conta com a ajuda do mesmo José Dirceu que já foi seu principal escudeiro e hoje, cassado, reassume o papel de coordenador da campanha de Dilma Rousseff e volta à Executiva Nacional do PT.
Uma coligação com o PL do vice José Alencar, que foi arrancada a fórceps naquela ocasião, hoje parece brincadeira de criança diante do cheque em branco que Lula dá aos caciques do PMDB, sobretudo agora no episódio envolvendo o presidente do Senado, José Sarney.
Para Lula, cada vez mais as forças políticas organizadas em partidos só têm importância em dois momentos da campanha: no início, quando se fazem as coligações oficiais, para ganhar tempo na propaganda eleitoral, e ao final, para governar.
Durante a campanha, os eleitores se moveriam por influência da televisão e do rádio, e aos líderes políticos só caberia seguir a tendência dos eleitores. Daí a insistência no apoio do PMDB, e a aposta cega na transferência de sua popularidade.