sábado, julho 25, 2009

Ambiente A contaminação das praias cariocas

DA VEJA

UM MAR DE DOENÇAS

Pesquisas mostram que areias de praias cariocas 
estão infestadas de microrganismos nocivos à saúde. 
Há risco de infecções que podem afetar olhos, pele, 
ouvidos e intestino


Ronaldo Soares

Fotos Márcia Foletto/Ag Globo e Simone Marinho/Ag. Globo
PAISAGEM MANCHADA
Língua negra despeja esgoto na areia (acima) e técnico
coleta amostra para análise (abaixo): foco de verminoses

A beleza das praias do Rio de Janeiro é um dos bens mais preciosos de um vasto patrimônio natural que inspirou relatos extasiados dos primeiros europeus que navegaram ao longo de sua orla e, também, algumas das canções mais conhecidas da música popular brasileira. Apesar disso, o litoral cheio de curvas e emoldurado por montanhas que faz do Rio uma paisagem metropolitana única no mundo tornou-se a síntese de alguns dos mais graves problemas da cidade. Manchas de poluição no mar, favelas de onde descem lixo e esgoto, sujeira e assaltos a banhistas são alguns dos sinais da degradação da orla que se pode enxergar a olho nu. É na areia, entretanto, que reside um grave problema de saúde pública, este só visível ao microscópio: as praias cariocas transformaram-se num imenso criadouro de microrganismos causadores de doenças que atacam intestino, pele, olhos e ouvidos. Pesquisa concluída no mês passado pelo microbiologista João Carlos Tórtora, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Gama Filho, mostrou o alto índice de parasitas intestinais, bactérias e fungos nas praias cariocas. Nas areias do Leblon, por exemplo, o nível de coliformes fecais (que indica contaminação por esgoto) era de 5 000 por 100 gramas de areia – o limite aceitável é de 400 coliformes por 100 gramas. Na Praia do Leme, a situação é ainda mais assustadora: 88 000 coliformes por 100 gramas de areia. "As pessoas só se preocupam com a qualidade da água nas praias. Mas, dependendo do lugar, elas podem correr mais risco na areia do que na água", diz a bióloga Adriana Sotero, do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Fiocruz.

Diversos fatores contribuem para a poluição das areias. Há as línguas negras, rastros de sujeira observados na areia após chuvas torrenciais que carregam lixo e esgoto para o mar; o lixo deixado pelos frequentadores, que atrai animais transmissores de doenças, como ratos e pombos; e o péssimo hábito de banhistas de levar cachorros para a praia. Um monitoramento feito pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente mostra que em toda a orla da Zona Sul as areias estão infestadas de parasitas que causam verminoses, como bicho-geográfico, lombriga, solitária e oxiúro. Eles indicam a presença de fezes de animais (como cães e pombos) no ambiente. Atualmente, dos dezessete pontos de monitoramento no trecho de 27 quilômetros que vai do Leme à Barra da Tijuca, em apenas três locais analisados a secretaria não faz restrições ao uso da areia. Nos demais, recomenda-se uma série de precauções, como não sentar sem antes forrar o chão com esteiras ou cangas, andar de chinelo e evitar que crianças levem à boca a mão suja de areia.

Para se desenvolver, os microrganismos que infestam as praias precisam de ambiente úmido, longe do sal e de altas temperaturas. A forma mais eficiente de combatê-los é revirar a areia. Com a aeração do ambiente e a exposição ao sol, os microrganismos não sobrevivem. Esse trabalho é feito diariamente nas praias do Rio, por meio de varrição das areias ou com a ajuda de máquinas específicas para esse tipo de limpeza. Mas, como persistem as línguas negras, o despejo de esgoto, os cachorros na praia e o lixo jogado no chão, a imundície continua ameaçando a saúde dos banhistas. Durante o verão, são recolhidas 2 600 toneladas de lixo por mês nas praias cariocas.

Num cenário desses, não é de estranhar que o Brasil não tenha nenhuma representante entre as 3 200 praias mais bem-cuidadas do mundo. Elas fazem parte do programa Bandeira Azul, certificado de qualidade concedido anualmente por uma ONG que atua em mais de cinquenta países. A entidade analisa as condições dos balneários a partir de uma lista de 29 itens. Nas exigências quanto à saúde dos banhistas, as normas são mais rigorosas que no Brasil. Pela classificação da entidade, praias consideradas próprias para banho podem ter no máximo 100 unidades da bactéria causadora de diarreias (E. coli) a cada 100 mililitros de água. No Brasil, a tolerância a esse tipo de contaminação é oito vezes superior. Na lista das praias certificadas há países pobres ou em desenvolvimento, como República Dominicana, Marrocos, África do Sul e Tunísia. A África do Sul, por exemplo, investiu em melhorias de saneamento básico e realizou campanhas de conscientização ambiental em áreas costeiras para ter dezenove praias na lista das melhores do mundo. "Isso mostra que não é questão de ser desenvolvido ou ter muito dinheiro para melhorar as condições das praias", diz Marinez Scherer, coordenadora do Bandeira Azul no Brasil. Neste ano, cinco praias brasileiras tentarão obter o certificado da entidade. Nenhuma carioca.