da Folha de S Paulo
RIO DE JANEIRO - Era 1968, 69, por aí. Ia nascer uma nova consciência, uma nova cultura, uma nova era, diziam. Todos teriam o direito de ficar na sua, chamar uns aos outros de bicho e nunca mais tomar banho. Uma geração que até bem pouco se deliciava com Ovomaltine e Grapette estava agora descobrindo a maconha, o ácido, a mescalina, o cogumelo, o ópio e outras substâncias proibidas.
Os novos heróis eram escritores como Carlos Castaneda, Timothy Leary, William Burroughs. Até o venerando Aldous Huxley, morto desde 1963, fora "redescoberto". Em seus livros, eles demonstravam como as drogas abriam as "portas da percepção" e revelavam fabulosos mundos interiores, tornando seus usuários pessoas especiais, talvez até superiores.
A certeza de que as drogas seriam privilégio de uma plêiade adulta e responsável fez com que muitos pregassem sua liberação, mesmo que pessoalmente não se interessassem por nada mais radical do que fumar cachimbo ou mascar chicletes. Mas, para a imaginação liberal daquele tempo, era irresistível o argumento de que ninguém, muito menos o Estado, poderia proibir o cidadão de dispor de seu corpo e de "expandir sua mente".
Bem, isso foi há 40 anos. Por mais mentes "expandidas", ninguém então imaginou as cenas que vemos hoje pelo Brasil: gerações convertendo-se ao tráfico para sustentar sua dependência, crianças de 8 anos fumando crack nas esquinas e morrendo à luz do Sol, e bocas de fumo controladas até por patuscas e insuspeitas mães de família.
Quem poderia prever que aquele sonho mágico se tornaria um negócio de bilhões -o narcotráfico-, responsável pelo esgarçamento do tecido social, a destruição de famílias em massa, a corrupção da polícia, os assassinatos sem conta, a vitória do submundo? Decididamente, 1969 errou longe.