sábado, junho 27, 2009

Merval Pereira O joio e o trigo

O GLOBO

No meio do tiroteio generalizado em que se transformou a crise do Senado, corre-se o risco, por má-fé ou ignorância, de não separar o joio do trigo, e qualquer denúncia contra um político, seja deputado ou senador, se transformar em verdade absoluta. Há também o risco de se aceitar uma explicação, que aparenta ter coerência, sem se levar em conta sutilezas que são fundamentais na vida pública. Sem contar o fato de que nem tudo que é transparente reflete uma atitude irrepreensível.

Recebi de José Adriano Cordeiro Sarney, o neto do presidente do Senado que atua como intermediário do crédito consignado dos funcionários da Casa, uma mensagem educada onde afirma que eu fora injusto na minha avaliação sobre sua conduta.

A principal explicação, confirmada pelo HSBC, é que em 2007, ao estabelecer-se em Brasília, o banco, onde já trabalhara, "resolveu, em função de minha experiência, fazer uma parceria com a empresa da qual sou sócio, a Sarcris, cadastrando-a para cuidar de convênios que mantinha desde 2005 com instituições públicas e empresas privadas, inclusive o Senado Federal (convênio número 52/2007, firmado em 07 de dezembro de 2007)".

De fato, a situação é melhor do que se o cadastramento do HSBC houvesse sido feito depois que o neto do senador Sarney começasse a trabalhar. E muito pior se o avô já fosse o presidente do Casa.

No entanto, continua havendo o conflito de interesse do ponto de vista do Código de Ética Pública, que prevê que devem ser evitadas situações que possam deixar dúvidas da correção da atuação do servidor público.

Como seu avô sempre foi um senador importante, tendo sido presidente do Senado por duas ocasiões, além do atual mandato, e, mais que isso, presidente da República, José Adriano deveria evitar atuar em órgãos públicos onde certamente seu sobrenome teria influência.

Sobretudo no Senado, tendo acesso ao cadastro dos servidores que, vendo seu sobrenome nas mensagens que normalmente empresas do tipo da dele enviam em busca de novos clientes, poderiam ser influenciados a contrair empréstimos consignados.

Com relação à transparência dos atos públicos, a simples revelação dos dados não resolve problemas, como mostra a relação dos gastos dos senadores com a verba indenizatória de R$15 mil mensais.

O líder do governo no Senado, Romero Jucá, gastou no mês de abril com combustível no Auto Posto Rio Branco, da cidade de Boa Vista, em Roraima, seu estado, nada menos que R$7.591,53, o que daria para rodar mais de 28 mil quilômetros em Boa Vista, onde o litro de gasolina está custando R$2,68. Quem fez a conta foi o jornalista Dacio Malta, do site "youPode", mostrando o absurdo do gasto.

Já o senador Antonio Carlos Magalhães Junior apresentou em maio dez notas fiscais seriadas, com os números na ordem do bloco, para justificar despesas de R$1 mil com combustível no posto Ponto Certo, em Salvador (BA).

Candidamente, alegou que provavelmente era o único freguês a pedir a nota fiscal. Se as empresas dos senhores senadores fossem administradas como o Senado, provavelmente já teriam falido.

E certamente nenhuma empresa privada aceitaria esse tipo de prestação de contas. Há histórias folclóricas nas empresas sobre prestações de contas rejeitadas, como a do repórter que, regressando de uma longa viagem à selva amazônica, incluiu uma nota referente a um bordel, quantia para pagar "alguns momentos de prazer".

E outro que, ao ser flagrado apresentando notas seriadas como as do senador ACM Junior, comentou, espantado, com o rigoroso controlador da empresa: "Mas não era de mentirinha?". O Senado precisa encontrar urgentemente um controlador de contas que não aceite prestações "de mentirinha" com o dinheiro público.

Mas o tiroteio também favorece algumas balas perdidas, vendo escândalo onde não existe. É o caso do pagamento de telefones residenciais dos senadores. Fazendo as contas dos últimos 30 meses, chegou-se à conclusão de que o Senado tem um gasto exagerado com essas contas, mas o fato é que elas obedecem a um teto de R$500 mensais que é bastante razoável para um político que tem no telefone um instrumento de trabalho importante.

O 1º secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), garante que as contas acima da cota são pagas pelos próprios senadores. O escândalo mesmo é o dos telefones celulares, cujo gasto mensal é de R$6 mil, sem limites.

Outro pseudo escândalo, levado à tribuna da Casa pelo senador Álvaro Dias como maneira de esquentar a CPI da Petrobras que não saiu ainda do papel, é a denúncia sobre os altos salários dos diretores do primeiro escalão da estatal de petróleo.

Os gastos cresceram 54% do primeiro ano do governo Lula a 2007, quando nesse período a inflação acumulada foi de 28%. Cada um dos seis diretores e o presidente recebem, em média, cerca de R$55 mil mensais (cerca de R$710 mil/ano), entre salários e bônus.

Além de serem salários de mercado, há levantamentos que mostram que a Petrobras paga menos do que empresas do mesmo porte, como a privatizada Vale.

Os salários, portanto, não são nada escandalosos, e a Petrobras, como alega, teve que reajustar seus gastos acima da inflação para não perder pessoal qualificado num mercado altamente competitivo.

O que se pode discutir, e esse é o papel dos políticos, é se os diretores são qualificados ou se estão nos cargos por proteção política.