quinta-feira, junho 04, 2009

Enxugar o gelo seco Vinicius Torres Freire

FOLHA DE S. PAULO

BC compra quase toda o saldo de dólares de maio, mas dólar ainda caiu 10%; maior parte do fluxo não é "especulativa"

O BANCO CENTRAL enxugou os dólares que entraram no país em maio (isto é, enxugou o "saldo", a diferença entre entradas e saídas de dólares). Comprou o equivalente a 88% do saldo cambial no mês passado, soube-se ontem. Mas, em maio, o dólar caiu quase 10%.Obviamente, não são apenas as compras ou as vendas do BC que determinam as idas e vindas do dólar. Obviamente, como de costume, algo aconteceu no mercado futuro de dólares (apostas de queda do dólar) para ajudar a empurrar a moeda norte-americana para baixo. Mas, se parece tudo tão óbvio, porque se insiste tanto em que o BC compre ainda mais dólares? Ou melhor, por que se insiste quase apenas nisso como alternativa para conter a valorização do real (ao lado da queda dos juros)?

Uma solução poderia ser a mudança de algumas regras do jogo do câmbio na BM&F, embora parte das apostas cambiais não ocorra na Bolsa. Isto é, por exemplo, aumentar o custo ou o custo do risco para os apostadores, fazendo com que se arriscassem a perdas maiores em caso de aumento da volatilidade. O povo dos mercados diz que isso é uma sugestão ineficaz típica dos Belzebus antimercado da burocracia. Na verdade, os Belzebus de Brasília nem pensam nisso, sugestão de economistas ditos desenvolvimentistas. O governo não cogita nem mexer no IOF, o que aliás nem faria sentido prático, mas muita vez as ações do governo tem sentido prático.

Um problema adicional da queixa sobre os influxos de dólares é que, como tem dito sensatamente o ministro da Fazenda, a composição da torrente de dinheiro não é exatamente maligna. Muito vai para a Bolsa. A balança comercial não vai tão mal como se previa no início do ano, o investimento dito "produtivo" tampouco desabou como se estimava e as empresas começar a pegar algum dinheiro lá fora. A seca de crédito externo, como se lembra, foi um dos motivos do tumulto no mercado doméstico de empréstimos, congestionado por grandes empresas em busca de dinheiro escasso.

Isto posto, a onda mundial que estimulava especulações e insuflava expectativas de alta do real, que deu uma tremelicada ontem, ainda parece um problema. Ou, melhor, será um problema, se continuar como vinha até segunda-feira. Uma queda "expressiva" de juros, como quer a Fazenda e parte da oposição à política econômica, resolveria? Digamos que, "tudo o mais ficando constante" (embora não fique, mas vá lá), se chegasse ao final do ano com uma Selic dois pontos menor (tal hipótese já se torna carne de vaca em bancões brasileiros e por conservadores economistas decanos do tucanato, por exemplo). Faria diferença? Faria diferença, dadas taxas de juros de curto prazo a quase zero no centro do mundo e variações cambiais de 10% ao mês sendo agora coisa normal? Isso talvez afetasse apenas aquela parcela dita "especulativa" do fluxo e alguma expectativa de valorização adicional do real (supondo que o mundo não sofra novos solavancos). Não parece ajudar muito o real, pelo menos no curto prazo.

Não se quer dizer que os juros não possam ou não devam cair. Trata-se aqui do câmbio. Os críticos do real forte ainda precisam apresentar uma alternativa mais estruturada para lidar com o problema.