O Globo - 03/06/2009 |
Martin Walker é diretor da consultoria americana AT Kearney e também de um centro de análise que reúne presidentes de empresas globais. Ele chegou ontem ao Brasil, e eu o entrevistei. Walker acha que a recuperação da economia mundial começa no segundo semestre, mas pode não ser sustentável. Diz também que a inflação no mundo voltará a subir por causa do "tsunami" fiscal e monetário. A liberação monetária e fiscal foi de tal magnitude, a criação de moeda e a ampliação dos déficits nos países centrais tão fortes que, na opinião dele, é certo que ocorrerá uma ressaca. - Esse dinheiro todo, esse verdadeiro tsunami, produzirá um crescimento econômico, no curto prazo, mas a dúvida é se essa recuperação poderá ser sustentada ou se será uma falsa recuperação. Acho que a retomada será em "W" (uma alta, uma queda e nova alta). É impossível que com todo esse estímulo combinado não haja um período de inflação global, em dois ou três anos - afirmou. Walker está otimista em relação ao Brasil. Disse que existem "macro razões para apostar no futuro do país". Um motivo recente de otimismo é que ele acha que o país começou a se livrar da armadilha do crescimento inflacionário. - Sempre que o Brasil crescia 4% ou um pouco mais, a inflação subia. Isso, pelas fraquezas tradicionais do país: pouca produtividade, infraestrutura insuficiente, relações trabalhistas e educação baixas. Esses problemas começaram a diminuir, o Banco Central tem tido um fortalecimento de sua reputação, o país exporta mais - disse ele. A AT Kearney tem um índice que mede o grau de interesse dos grandes investidores nos países. O Índice de Confiança do Investimento Direto é feito com pesquisas junto a presidentes das principais empresas do mundo. Walker particularmente é diretor do Global Business Policy Council, que reúne CEOs das maiores empresas do planeta. Ele disse que tem visto crescer o interesse de investidores diretos no Brasil, pelas perspectivas que se abrem neste momento: - O Brasil é exportador de commodities cujo consumo vai continuar crescendo, como a soja, por exemplo. Tem novos campos de petróleo, matérias-primas, os bancos não foram afetados pela crise e há tecnologia para enfrentar o período de inflação mais alta que o mundo vai viver. Além disso, o país fez a mudança demográfica rapidamente, está com um crescimento populacional estabilizado, e tem ainda poucos aposentados. Nos próximos 20, 30 anos, essa vantagem demográfica ajudará o Brasil. Mas você, leitor, deve estar se perguntando: por que esse título aí em cima? Martin Walker usa essa expressão "crocrodiles in the swamp" para falar sobre os riscos nos quais o mundo continua atolado. Numa análise recente que escreveu, "After the Crash of 2008", ele aponta duas boas notícias: não haverá o colapso bancário global que esteve muito próximo de acontecer; e não haverá uma grande depressão como a de 1929. Em compensação, há ainda "crocodilos no brejo", e pela descrição, parecem mais assustadores do que a nossa intraduzível "a vaca foi para o brejo". Um desses riscos é o imenso, gigantesco, passivo ainda não digerido pela economia mundial: o credit card default e o credit default swaps, ou seja, o calote do cartão de crédito e as garantias concedidas contra os calotes. Qual o tamanho dos crocodilos? Segundo ele: US$60 trilhões, ou seja, mais do que o PIB mundial. Ele disse também que ainda não estão afastados os riscos de moratória de países. No texto, ele tinha registrado risco de calote da dívida na Argentina, Ucrânia, Paquistão. Ontem, ele agregou também outros países da Europa Oriental como a Romênia, Letônia, Lituânia. Mas disse que o risco de quebra de países (o default soberano) é menor agora que o FMI foi fortalecido e capitalizado para socorrer países em dificuldade. Para ele, o mundo está transitando para uma nova ordem global, mas essa mudança não será fácil. A relação em que alguns países tinham déficits comerciais enormes, como os Estados Unidos e Inglaterra, enquanto outros registravam superávits comerciais, como a China, Japão e Alemanha, não funciona mais. Terá que haver um reequilíbrio que passará por redução do consumismo americano e novo padrão de consumo na China. Do ponto de vista da governança global, ele acha complexa a transição do G-7 para o G-20: - O G-7 era um grupo homogêneo de países com economia madura e democracia, e que chegava a um consenso estável sobre as finanças globais. No G-20, nem todos são democracias, como é o caso da Arábia Saudita, China e Rússia. Há exportadores de energia e importadores de energia, países com déficits e com superávits comerciais. É um grupo heterogêneo e com interesses muitas vezes conflitantes. Por isso, acho que será uma governança mais instável. Ele acha também que o mundo terá que passar por inúmeras mudanças, como uma nova regulação bancária, muito mais rígida do que a que permitiu a crise. Por tudo isso, Walker acredita que há um pântano a atravessar, cheio de crocodilos, antes que se possa dizer que o mundo venceu a crise. |