O ESTADO DE S. PAULO
Até agora, os bancos centrais estavam encarregados de executar quase tão somente a política monetária (política de juros). Mas cada vez mais se exige deles que formulem e executem a chamada política prudencial, aquela que toma providências para evitar a formação de bolhas de ativos e cuida da saúde dos bancos, objetivos que nem sempre estão diretamente ligados à política monetária.
Essa exigência não é sem consequências. À medida que seja levado a executar e aprofundar políticas prudenciais, um banco central ganha poderes e, como os elefantes, incomoda muita gente.
Um banco central convencional dispõe de apenas um instrumento de trabalho: a política de juros, que é o dispositivo que bombeia dinheiro para dentro e para fora do sistema de modo a definir seu preço: menos dinheiro na economia significa juros mais altos; mais dinheiro, juros em queda. O resultado esperado é o de que, meses depois, a inflação esteja lá onde o banco central quer que esteja, com o impacto conhecido sobre a atividade econômica: juros mais baixos tendem a acelerar a produção e o aumento de renda; juros mais altos, a contê-los.
Mais e mais, os bancos centrais são encarregados também da fiscalização (supervisão) das instituições financeiras, atuando como emprestadores de última instância. Nos Estados Unidos essas funções estão descentralizadas em vários organismos federais e estaduais, e alguns agem em complexa superposição.
O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) é acusado de ter sido omisso quando as bolhas se formaram. Deveria, segundo os críticos, ter feito duas coisas: aumentado os juros para cortar o crédito fácil e, assim, evitar a inflação dos preços dos ativos (imóveis, ações e moedas); e exigido dos bancos mais capital e provisões (reservas) para deixá-los em condições de enfrentar calotes dos seus credores.
Lá por 2003/2004, quando os juros nos Estados Unidos giravam em torno de 1% ao ano, o então presidente do Fed, Alan Greenspan, advertia que não havia critério que definisse um ativo muito caro e, assim, não tinha como agir. E como não existia inflação a atacar nem crescimento econômico a estimular, não havia por que elevar os juros.
Hoje, as críticas estão mais precisas. Apontam problema na medição da inflação pelo Fed. Os critérios adotados para medir o núcleo da inflação (core inflation) não levaram em conta o impacto da deflação importada provocada pela venda no mercado americano de produtos cada vez mais baratos provenientes da China.
Outra crítica aponta para as consequências na cabeça dos agentes econômicos quando ouviram das autoridades monetárias que os juros permaneceriam (como permaneceram) baixos por longo período. Foi um estímulo irresistível à tomada de empréstimos a longo prazo e a juros baixos, o que ajuda a formar bolhas de todo tipo, sobretudo as hipotecárias. Elas, coincidentemente, são de longo prazo. E isso poderia ter sido evitado.
Os novos projetos de regulação estão dotando o Fed (e outros bancos centrais) de mais poderes para exigir dos bancos aumento de capital mínimo para dar cobertura a seus ativos (empréstimos) e mais provisões sempre que se deteriorem as condições econômicas dos tomadores de empréstimo. A contrapartida é ter bancos centrais mais autônomos e poderosos, capazes de decidir e impor exigências a cada vez mais instituições financeiras, bancárias e não bancárias.