domingo, maio 31, 2009
Irrelevância da política? Boris Fausto
Acredito que muitos leitores deste jornal façam como eu. Leio os títulos da primeira página, vou direto às matérias internacionais e algumas outras, mas apenas passo os olhos pelas páginas que tratam da política nacional.
Irrelevância do tema? De modo algum. Essa leitura reflete um sentimento de cansaço, decorrente da repetição de eternos problemas, nunca ou quase nunca solucionados. De seu elenco, extraio alguns: o desequilíbrio entre os três Poderes da Federação, resultando na hipertrofia do Poder Executivo; a questão da representação política e dos partidos; o caráter transgressor da cultura política.
Convém ressalvar que os problemas não são marca registrada de nosso país, pois podemos constatar a presença deles em todos os regimes democráticos. A tendência à hipertrofia do Poder Executivo ocorre nos sistemas presidencialistas, como fruto dos poderes atribuídos ao presidente; dos dilemas crescentes, que exigem pronta decisão; ou, simplesmente, da tendência governamental no sentido de estender seu poder. Esse é, aliás, um tema em debate nos Estados Unidos, onde o presidente George W. Bush reduziu o Congresso à condição de simples instrumento de chancela de seus atos, a partir do 11 de Setembro.
Por sua vez, os partidos vêm perdendo o caráter de agregadores de amplos interesses sociais e de socialização e tendem a transformar-se em máquinas eleitorais. Quanto às transgressões, elas abrangem uma série de atos graves ou de deslizes, como se constatou recentemente no caso do uso indevido de verbas por parlamentares britânicos. Assim, as mazelas não são só nossas nem se devem apenas aos traços da formação histórica: as sempre invocadas raízes ibéricas.
A hipertrofia de nosso Executivo, esboçada no governo FHC, pelo uso excessivo das medidas provisórias, escalou no governo Lula, com o acréscimo de expedientes escandalosos de outra natureza, de que o mensalão é o exemplo mais gritante, e da cooptação generalizada. A esse processo de concentração de poderes e de utilização de métodos "heterodoxos" corresponderam o esvaziamento da atividade própria do Poder Legislativo e a desmoralização grotesca de vários de seus membros. Ressalvem-se os raros momentos de brilho, como o da extinção da CPMF e a recente aprovação de emenda constitucional na Câmara de Deputados para facilitar os processos de divórcio.
A crise do Legislativo liga-se ao problema da representação. Excetuada uma parcela minoritária do eleitorado, o elo entre o suposto representante, a quem é conferido o mandato popular, e o representado simplesmente inexiste. Como incentivar o eleitor a fazer escolhas com informações suficientes e a acompanhar a atividade parlamentar, inclusive pressionando os eleitos, quando for o caso? Não obstante os louváveis esforços de organizações da sociedade civil e dos tribunais eleitorais nesse sentido, os resultados têm sido precários. Parlamentares acusados de toda sorte de transgressões retornam com frequência a cargos eletivos, consagrados pela "voz das urnas".
Não se trata de sonhar com a formação de uma ampla opinião pública em que cada eleitor tenha plena consciência das regras do regime democrático e de seu papel como cidadão. Mas não há dúvida de que é muito difícil atrair um eleitorado decepcionado ao exercício da cidadania, dados os níveis de educação, as contingências da vida diária e a tendência à privatização da vida. Tanto mais que nossas elites políticas foram incapazes até hoje de construir partidos sólidos e coerentes, como se constata no caso do PSDB, principal partido de oposição. Quanto ao PT, o outrora "partido da ética na política", subordinou-se ao carisma do presidente Lula e cada vez mais vem se transformando numa máquina destinada a extrair votos e a conferir as benesses da nomeação para cargos públicos. Não é por acaso, aliás, que a proposta de voto em lista fechada para as eleições à Câmara vem sofrendo pesadas críticas. Isso se dá não tanto por seu conteúdo, e sim pela natureza problemática de nossos partidos.
O caráter transgressor da cultura política é um problema complexo, cujo nó não pode ser desatado facilmente. Aqui, a diferença do que ocorre em democracias estáveis se situa tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo. Os "leves" escândalos - "leves" em termos comparativos - ocorridos na Inglaterra tiveram pronta resposta da opinião pública, contribuíram para o desprestígio dos dois maiores partidos britânicos - especialmente o Partido Trabalhista, no poder - e forçaram a demissão do presidente da Câmara dos Comuns. Em outro exemplo, mais dramático, um ex-presidente sul-coreano, sob investigação por corrupção, suicidou-se, saltando do alto de uma montanha. Em nosso caso, poucos membros da classe política se arrependem de transgressões maiores ou menores. Mais ainda, estão convencidos da legitimidade de procedimentos irregulares, como é o caso do uso de passagens aéreas por parentes, em nome da estabilidade da família, da percepção indevida do auxílio-moradia, etc.
Estas considerações não pretendem ser uma cartilha de pessimismo. A olhos vistos, o País avançou em inúmeros aspectos, e não apenas no terreno econômico. Mas não é preciso muito esforço para constatar que as instituições políticas do País estão em descompasso com relação a outras esferas da vida social e que a classe política vive uma profunda crise de legitimidade.
Esse quadro não é irrelevante, pois é impossível e indesejável dar simplesmente de ombros para o universo político. A crise de suas instituições é um obstáculo para que o País se torne, sem ilusões de perfeição, uma democracia madura.
Casuísmos na loja de conveniências Gaudêncio Torquato
Não é de admirar, portanto, que, a um ano e quatro meses das eleições, apareçam os primeiros candidatos a querer pular a cerca em torno do Planalto, ensaiando enredos com o propósito de criar curvas na reta traçada para alcançar o pódio presidencial em 2010. A primeira peça versa sobre o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio. A segunda trata da prorrogação do mandato dos atuais governantes - prefeitos, governadores e do próprio presidente -, sob o argumento de que eleições custam caro e os cofres públicos não suportam pleitos de dois em dois anos. (Como se isso fosse empecilho nestes tempos de gastança.) A tentativa de pular a cerca por cima tem um pouco de encenação e muito de ambição. Ambas as propostas apontam para o que os franceses chamam de casuisme, conduta de acomodação hipócrita, que objetiva subordinar o interesse geral ao oportunismo privado. O casuísmo abusa de falácias para fazer valer jogadas escusas. Vejamos como ele se fazia presente nas antessalas do poder.
Em 1968, a ditadura militar, para conter a onda de greves e protestos, selecionou 68 municípios estratégicos para a segurança nacional, escolhendo a dedo os prefeitos. Com a fragorosa derrota de 1974, o governo Geisel criou a Lei Falcão, abolindo os debates políticos. Em 1976, a nova derrota nas urnas impôs o fechamento do Congresso e a modificação das leis eleitorais. As bancadas do Nordeste passaram a ter maior peso na Câmara e no Senado. E aí surgiu a figura do senador biônico. Na esteira dos casuísmos, ainda se conta a anulação de votos destinados a prefeitos e governadores de partidos diferentes em 1982. Os prefeitos e vereadores nesse ano tiveram novamente o mandato prorrogado (de 1986 para 1988) e as eleições gerais foram adiadas em dois anos. O motivo? Para não haver coincidência entre eleições municipais e eleições estaduais. A Constituição de 88 consolida o quadro geral das eleições, estabelecendo, ainda, o segundo turno em cidades com mais de 200 mil eleitores onde nenhum candidato tenha superado 50% de votos válidos, permanecendo apenas os dois mais votados.
Mas o gostinho pelos dribles efetuados pelos presidentes militares continua acendendo vontades. Os casuísmos reaparecem com intensidade neste momento, agora por conta das dúvidas que cercam a candidatura da ministra Dilma Rousseff. Ela irá ou não até o fim? Seu estado de saúde abre o apetite dos partidos. Mesmo diante das chances de cura (formidáveis, segundo as pesquisas), a pré-candidatura da mãe do PAC se esgarça em fumaça que se espalhará pelo ar até princípios do próximo ano. Especulações, fluxos e refluxos, balões de ensaio, plantações noticiosas, engajamento e desmotivação de bases darão o tom. Haverá jura de fidelidade e traição. É evidente que o presidente Lula, por mais convicto da firmeza do projeto com a inclusão da chefe da Casa Civil, age com o instinto apurado de águia. Ele aprecia o jogo do faz de conta. Enxerga o coelho do alto da montanha, sabe onde caçá-lo, como fisgá-lo e para onde levar a presa. Avalia, por exemplo, que, se cooptar a maior fatia do PMDB, a candidatura Rousseff disporá do maior tempo de rádio e TV - uma loteria para alavancagem de campanha majoritária - e forte capilaridade. Não por acaso, acaba de jogar mais uma flecha no coração do partido, ao botar o ministro das Comunicações, Hélio Costa, na roda, sugerindo-o como um dos nomes peemedebistas a integrar como vice a chapa governista. Minas Gerais, é oportuno lembrar, é o segundo colégio eleitoral do País. E se Dilma tiver de ser substituída? Lula terá de pinçar o substituto em outro partido. Ou, quem sabe, ele mesmo? Quando ele garante que não deseja, enxerga a volta em 2014. Porém, ao pensar sobre o tamanho da confusão - diante de eventual afastamento de sua ministra -, põe lenha na fogueira.
O estado de s paulo
Daí a conveniência - inclusive para o presidente - de casuísmos. Interessa-lhe um ambiente político confuso e polifônico. Mas nem ele, com seu reconhecido instinto para driblar circunstâncias, consegue evitar excessos. Basta olhar para os exageros dos dois ensaios casuísticos da lavra de parlamentares governistas. Inventar prorrogação de mandatos só tem uma serventia: amedrontar as oposições e distraí-las com firulas, fazendo com que percam tempo para retirar o bode da sala. Quanto à peça do terceiro mandato, vale dizer, tem algum fundamento. O mandatário-mor detém ampla aceitação popular, conserva força de manobra para aprovar a realização de um referendo - mecanismo constitucional que ampara a democracia direta -, podendo, se for o caso, obter três quintos dos votos na Câmara dos Deputados para mudar a Constituição. A barreira será o Senado, onde os três quintos serão difíceis de conquistar. Mais dois argumentos contrários: a mancha que Lula faria em sua biografia e a ressonância negativa por parte da mídia. Núcleos de formação de opinião, a partir dos membros da mais Alta Corte (STF), começam a denunciar a ameaça do terceiro mandato para o sistema republicano. Em suma, Luiz Inácio começa a viver o maior dilema de seu mandato.
VALDO CRUZ Jogo pesado
FOLHA DE S PAULO
BRASÍLIA - Ninguém quer admitir publicamente, mas, nas últimas semanas, senadores de oposição foram procurados por diretores de grandes empresas que trabalham com a Petrobras.
Gente graúda, que costuma participar das decisões de quem recebe doação de campanha eleitoral. Segundo relatos obtidos dos dois lados, foram conversas de cavalheiros, sem ameaças diretas, mas o objetivo era exatamente esse.
Num estilo educado e cortês, o que foi dito poderia ser traduzido livremente da seguinte maneira: "Se vocês colocarem nossa empresa sentada no banco da CPI sem bases concretas, esqueçam doações no próximo ano".
Não faltaram ainda queixas para o que estão classificando de "criminalização" das doações legais para campanhas eleitorais. Mais uma forma de pressão.
Esses encontros começaram a ocorrer depois que grandes empresas trocaram informações há duas semanas e concluíram que precisavam agir para evitar que virem o centro das investigações.
Todos garantem que não há um desvio em seus contratos com a Petrobras. E que, se forem denunciadas por alguém na comissão do Senado, será por conta de interesses contrariados. Pode ser, afinal não podemos condenar ninguém a priori. Por outro lado, uma boa investigação é, sem dúvida, o melhor selo de idoneidade.
Bem, depois de conversar com diretores de várias dessas empresas, um senador da ala governista firmou uma convicção: há grande risco de a comissão virar a CPI do Forró, com investigações de temas laterais, como patrocínios de festas juninas, passando ao largo de contratos milionários da empresa.
Em resumo, a CPI da Petrobras será um bom teste para medir até onde vai operar o lobby dos grandes fornecedores da estatal. O jogo, caro leitor, será pesado.
DANUZÃO LEÃO Sobre a coragem
Você já ouviu falar de algum homem que seja capaz de dizer a uma mulher que a relação acabou, que não quer mais |
VOCÊ se acha uma pessoa corajosa? A resposta provavelmente vai ser "mais ou menos", até porque se pode ser corajoso para umas coisas e covarde para outras.
Os homens costumam ser mais que as mulheres; eles não têm medo de trovoada, são capazes de matar uma barata na maior tranquilidade e se aparecer uma cobra sabem exatamente que atitude tomar. Mulher não faz nada disso, mas em compensação faz coisas de que raros homens são capazes. Você já ouviu falar de algum que seja capaz de dizer a uma mulher que a relação acabou, que não quer mais? Aquele "tudo acabado entre nós já não há mais nada" é coisa que só mulher faz; não com prazer, mas faz.
Os homens - todos -, se pudessem, apertariam um botão para a mulher sumir e assim não terem aquela conversa penosa; não aquela para discutir a relação, mas para botar um ponto final e definitivo. Não há um, um só, que cumpra esse ritual de maneira mais ou menos decente; se puderem, eles viajam, disfarçam, mentem e até fingem um infarto, para não precisarem falar.
Eles não suportam essas conversas, e se a mulher chorar, aí então a coisa pega. Já se foi o tempo em que as lágrimas de uma mulher comoviam os homens. Ainda sobre a coragem: você para no sinal em seu carro fechado, com ar-condicionado, ouvindo um belo som; um menino vem pedir um troco ou tenta te vender um drops, você diz não. Por acaso já reparou que diz não sem olhar nos olhos dele? Algum dia se deu conta disso ou muda de assunto mentalmente com a maior rapidez e começa a pensar em outra coisa? Não é assim mesmo que acontece? Mas se tiver coragem, olhe nos olhos do próximo menino, dando ou não o dinheiro que ele está pedindo. Tenha a coragem de olhar - só isso - e talvez, a partir daí, sua vida mude.
Ah, a coragem; a coragem de reconhecer que, grande parte das coisas que te acontecem, você é que foi buscar. Está sozinho? Será que a culpa é dos outros, que não conseguiram enxergar todas suas fantásticas qualidades? O trabalho vai mal? Mas será que você se esforçou o suficiente, vestiu a camisa da empresa em que trabalha, ou só foi levando, e não fica nem bem tocar nesse assunto? E a mediocridade de sua relação, digamos assim, é culpa só do outro? Será?
Tenha coragem e pense: você tem tido um comportamento correto em sua vida pessoal, com todos os que te cercam? Mudar de assunto não vale: é para pensar, e se for preciso, sofrer e se arrepender. Aliás, se arrepender só, não: ter a firme intenção de procurar ser um pouco melhor. Os anos vão passando e cada um vai escrevendo sua biografia, pensando e agindo do jeito que quer. Pense que, cada ato que pratica, poderá ser, cedo ou tarde, conhecido por seus amigos, seus filhos, seus companheiros de trabalho. É preciso ser correto o tempo todo - pensar corretamente, agir corretamente; só assim se pode ter coragem, a verdadeira, que raros têm. A coragem de chegar diante do espelho e se olhar nos olhos; se olhar e pensar em alguns momentos de sua vida, momentos em que foi menos leal do que deveria ter sido, menos sincera do que teria a obrigação de ser, mais interesseira do que o aceitável. Pensar em tudo isso e até em outras coisas, aquelas que prefere nem lembrar.
Vamos, coragem: deve ter um espelho aí perto. Mas seria um pouco ridículo, se levantar de onde está para ir se olhar nos olhos; talvez seja melhor deixar para fazer isso em casa, antes de dormir, com mais calma. Claro.
FERREIRA GULLAR A gripe da Dilma
A ministra Dilma talvez não tenha condições de enfrentar fatigante campanha eleitoral |
ESTE NÃO é um assunto novo mas, a cada dia, ganha novos contornos e exige novas avaliações. Por isso mesmo, em face dos acontecimentos que se sucedem, fica evidente que a candidatura da ministra Dilma Rousself à Presidência da República -que já está abertamente admitida pelo presidente Lula e pelo seu partido- tornou-se uma espécie de bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento; ou, mais precisamente, que tanto pode explodir amanhã como daqui a um mês ou daqui a um ano.
Não tenho nenhuma informação de cocheira a revelar. Tudo o que pretendo é tentar ver clara a situação criada, depois que se soube da doença da ministra. Uma doença grave, que tanto pode ser detida pelo tratamento a que ela se submete, como não, já que se trata de um câncer que surgiu no sistema imunológico e, por isso, não pode ser extirpado: a esperança dos médicos -e de todos nós- é que a quimioterapia o extinga definitivamente.
Isso no plano das possibilidades terapêuticas. No plano político, essa incerteza se transforma em indisfarçável problema, uma vez que o que está em jogo é o poder central do país. Por isso mesmo, a incerteza quanto ao desdobramento desta situação, aumenta na medida em que novos fatos ocorrem. Por exemplo, as dores nas pernas da ministra que a obrigaram a correr para São Paulo, internar-se no hospital e submeter-se a urgentes exames.
Pode-se imaginar o pânico que tal situação provocou em todo o governo e seus aliados. Ninguém sabia a causa daquelas dores, nem os médicos que, no final, afirmaram ter sido efeito da quimioterapia. Será verdade ou não? Se for verdade, isso indica que, de qualquer modo, a ministra Dilma talvez não tenha condições de enfrentar uma fatigante campanha eleitoral. Ou terá? Pode ser que tenha, mas, como é impossível afirmá-lo com indiscutível certeza, a insegurança se instala.
Em função disso, surgem as discussões e as divergências. Pelo sim, pelo não, um setor do PMDB decidiu dar curso a um projeto que possibilitaria uma segunda reeleição do presidente Lula. Sim, porque, se a candidatura da Dilma naufragar, só resta a Lula (ao PT e aliados) recandidatar-se. O projeto prevê um plebiscito, no estilo Chávez que, segundo o PSDB, não passaria no Senado.
Mas há uma questão que vem antes disso: a própria apresentação do projeto, que esvaziaria a candidatura da ministra. E por aí se vê o "dilema retrós", em que Lula e sua turma se encontram: os dias se passam, o limite para inscrever candidaturas termina em setembro próximo, dentro de apenas quatro meses, e ninguém pode apostar se a candidata terá condições de se manter candidata e muito menos de enfrentar durante meses uma estafante batalha eleitoral. Mas que fazer? A alternativa seria a candidatura de Lula, que exigiria mudar a Constituição. Vamos admitir que, convencido da inviabilidade da candidatura Dilma, ele aceitasse esta alternativa. Mas, e se a proposta for rechaçada no Congresso? Ficariam ele e sua turma no mato sem cachorro.
Como já dissemos, ninguém tem certeza de nada mas a opinião de Lula, conforme se deduz de suas declarações, é manter a candidatura de Dilma, dê no que der. Pelo menos por enquanto. Por isso, quando surgiu a notícia de sua urgente internação no hospital Sírio-Libanês devido às dores nas pernas, ele garantiu: "A Dilma está curada, ela não tem problema nenhum". E o PT, seguindo a voz do dono, reafirmou seu apoio à candidatura da ministra.
Ela, de fato, não tem problema algum; só um câncer linfático, que exige, para ser tratado, uma quimioterapia muito violenta, a tal ponto que não pode ser administrada senão através de um cateter, nas artérias coronarianas, mais resistentes. Daí os fortes efeitos colaterais após cada aplicação.
Mas Lula não tem muita escolha. Se a cada fato novo, que ameaça a candidatura de Dilma, ele se mantiver calado, estará admitindo a sua inviabilidade. E a coisa chega a tal ponto que, após ter ela declarado que iria reduzir sua participação nos eventos políticos, ele, lá dos quintos da Turquia, imediatamente reagiu: "Quando a gente fica em casa, por doença, a gente fica mais doente. A gente tem que espantar qualquer doença. Nesse negócio, mulher é especialista. Qualquer homem,quando tem uma gripezinha, já quer ficar deitado. Você nunca viu uma mulher deixar de trabalhar por causa de gripe ou deixar de cuidar do filho por causa de gripe".
Pois é, assim como ele a obrigou a ir para a TV revelar sua doença, quer agora obrigá-la a manter-se no palanque, já que está apenas gripada.
Mariano Grondona De Lula a Chávez, pasando por Néstor Kirchner
Las naciones latinoamericanas oscilan hoy entre dos modelos opuestos, representados por Luiz Inacio Lula da Silva y Hugo Chávez. La primera cumbre que divide las aguas entre ambos modelos, en su faz política, es el candente tema de la reelección . La segunda cumbre que las divide, ya de naturaleza económica, es la definición de las relaciones entre el Estado y el mercado .
Cuando el antecesor de Lula, Fernando Henrique Cardoso, tuvo que plasmar el modelo político brasileño que heredaría su sucesor, pronunció una frase histórica: "Tres presidencias consecutivas no es una democracia, sino una monarquía". En la medida en que Lula, ya en medio de su segunda presidencia, confirme el rechazo de una tercera presidencia consecutiva, que ya ha anticipado pero en cuya dirección lo tientan algunos de sus partidarios, impresionados por su alto nivel de popularidad, completará el modelo de Cardoso, esto es, el rechazo de toda "re-reelección" como aquella a la que aspiró sin lograrla el presidente Menem en 1999.
Al consagrar de este modo la "no re-reelección", el modelo político brasileño empieza a manifestarse más que como una sucesión de "ciclos" personalistas de incierta duración, como un verdadero sistema político . Una vez que un país pasa de una sucesión de ciclos personalistas marcados por la exaltación temporaria de un líder mesiánico a un "sistema político" caracterizado por una estabilidad de largo plazo, empieza a encaminarse hacia las duraderas "políticas de Estado" que trascienden las breves "políticas de gobierno" sujetas a la cambiante fortuna de los caudillos. En esta vía está Brasil. Con variaciones menores, hoy siguen la vía del "no re-reeleccionismo" otras naciones latinoamericanas como Chile y Uruguay. Junto con el Brasil de Lula, el Chile de Bachelet, el Uruguay de Tabaré Vázquez y eventualmente la Colombia de Alvaro Uribe, si éste rechaza su propia tentación re-reeleccionista, todas estas naciones prometen alinearse con el desarrollo político europeo y particularmente con el modelo político norteamericano, donde nació la idea de que "tres períodos consecutivos no es una democracia, sino una monarquía" allá por 1797, cuando el presidente Washington no quiso aceptar su propia "re-reelección". También el largo período del gran progreso argentino, de 1853 a 1930, tuvo como marca la no reelección consecutiva de sus presidentes.
De Lula a ChávezLa segunda cumbre, esta vez económica, que divide las aguas entre el modelo de Lula y el modelo de Chávez es la relación entre el Estado y el mercado. A principios del siglo XX, cuando todavía arreciaba en Occidente la polémica entre el primer socialismo que exaltaba el Estado y el liberalismo originario que exaltaba el mercado, el sociólogo Max Weber sostuvo que el desarrollo económico de las naciones no depende del triunfo del Estado o del triunfo del mercado, sino de una difícil pero factible combinación entre ambos o, con otras palabras, de que una clase empresaria caracterizada por su competitividad conviva con una burocracia caracterizada por su profesionalidad . Es en esta dirección que marcharon Europa occidental y los Estados Unidos, y que hoy marchan Brasil, Chile y Uruguay, los países de punta del desarrollo económico latinoamericano.
Si tuviéramos que definir ahora el modelo de Chávez, podríamos decir que en el plano político lo caracteriza el re-reeleccionismo y, en el plano económico, el estatismo. El re-reeleccionismo de Chávez es la expresión de un narcisismo que lo conduce a creerse algo así como una reencarnación contemporánea de Bolívar. Este narcisismo, prolongación a su vez del típico caudillismo latinoamericano que tanto atrasó a nuestra región, ha sido bautizado por el columnista Andrés Oppenheimer como un "narcisismo-leninismo" porque postula un "socialismo del siglo XXI" que no es más que un castrismo bañado en petróleo. Chávez profana en realidad el noble nombre del socialismo por desconocer su evolución histórica, que partió del llamado "socialismo utópico" del siglo XIX, bordeó peligrosamente el comunismo al comenzar el siglo XX y remató a comienzos del siglo XXI en lo que hoy llamamos la "socialdemocracia", una idea política y económica perfectamente compatible con la democracia, según lo muestran grandes figuras como el inglés Tony Blair o el español Felipe González y, ya en nuestra región, el Partido de los Trabajadores de Lula, el Frente Amplio de Tabaré Vázquez y la Concertación Democrática chilena.
Es que lo de Chávez no es "socialismo" sino "estatismo", porque su política económica se parece más a la de los movimientos totalitarios que cundieron en los años 30 detrás de pretendientes del poder total (de ahí su adjetivo de "totalitarios") que, ya hayan venido de la derecha de un Hitler o de la izquierda de un Stalin, lo único que han querido es el sometimiento político, económico y cultural de la nación.
Que Chávez se halla al borde de esta escabrosa frontera lo prueba su persecución de los opositores, varios de los cuales han debido exiliarse; su intensa campaña para monopolizar los medios de comunicación, y su intento de bloquear el desplazamiento de aquellos predicadores contemporáneos de la libertad como Mario y Alvaro Vargas Llosa, que han osado profanar en Caracas el templo nada sublime del "pensamiento único".
Nuestro "medio modelo"Siguen al pie de la letra el modelo chavista otros presidentes latinoamericanos también re-reeleccionistas y estatistas, como el ecuatoriano Rafael Correa y el boliviano Evo Morales, pero aún podríamos decir que el programa que encarna entre nosotros Néstor Kirchner es por ahora sólo un "medio modelo", no porque dude íntimamente ante el atractivo ejemplo que le brinda Chávez, sino porque, a la inversa de Correa y de Morales, aún no ha podido imponerlo del todo en la democracia argentina, cuyo destino a partir de las elecciones del próximo 28 de junio se abre en dos direcciones alternativas.
Si el kirchnerismo triunfara categóricamente en ellas, entonces podríamos ver a Kirchner y a su esposa alinearse ya sin disimulo junto con el caudillo venezolano que en el fondo admiran, y algunos de cuyos rasgos como el re-reeleccionismo ya han adoptado bajo la forma, hasta cierto punto original, de la sucesión indefinida intraconyugal, que, en ese caso, trataría de imponerse de nuevo en 2011. Pero lo que aún permite calificar al de Kirchner como un "medio modelo" es que esa victoria categórica, plebiscitaria, a la que el ex presidente aspira, dista de ser probable.
Es más, lo que aún permite asignarle a Kirchner la adopción de un "medio modelo" es que, si el 28 de junio llega a perder el control del Congreso que hasta ahora ha tenido, se abrirá para él y para sus propios opositores una nueva instancia de equilibrio que los empujará a ese diálogo y a ese compromiso que hasta ahora el ex presidente ha rechazado. Un Congreso pluralista podría convertirse así en una alta muralla contra la invasión chavista en la Argentina. En su lugar podría surgir al fin el horizonte de una Argentina democrática, republicana y "no re-reeleccionista" en la que el otro modelo, el de Lula y sus pares ideológicos, resultaría posible. Es por esta razón que al programa de poder de Kirchner, sujeto como está a lo que decidan los propios argentinos el 28 de junio, aún no podemos darle más que el nombre provisorio de un "medio modelo", cuya opción final sería completarse hasta la definitiva instalación del modelo chavista entre nosotros o, más probablemente, hasta su definitiva erradicación.
Joaquín Morales Solá El peronismo le pondrá límites al ex presidente
Los empresarios argentinos pertenecen a una veterana estirpe política. Esa condición les impidió siempre las rupturas, incompatibles con la propia política. Resulta, sin embargo, que acaban de romper con un gobierno por primera vez en décadas de historia argentina. A Néstor Kirchner lo sorprendió la novedad en su peor momento, cuando ya colocó al país en las puertas de la inminente necesidad de importar petróleo, trigo, carne y leche para el consumo interno. También lo encontró justo en el momento en que se conoció que el país fue relegado al quinto lugar como nación latinoamericana receptora de inversiones extranjeras. Es una mala noticia que la Presidenta, por desconocimiento o por manipulación, convirtió públicamente en festiva.
Techint es una multinacional poderosa e influyente. Los Kirchner fueron indiferentes con las expropiaciones que le perpetró Hugo Chávez a esa empresa. Podría explicarse en aquella fuerza política y económica de Techint el duro y abrupto divorcio de los empresarios, luego de una larga e inexplicable paciencia, con el gobierno de los Kirchner. Hay algo de eso.
Pero la explicación es insuficiente. La abulia oficial frente a las desventuras de Techint fue la gota que colmó la paciencia empresaria, ya en el límite desde el conflicto con el sector agropecuario, la estatización de los fondos de pensión y el envío de directores estatales a empresas privadas. Los empresarios argentinos creen que después del 28 de junio podría suceder aquí una ola de expropiaciones similar a la venezolana. No son los únicos que hacen tales profecías.
De hecho, el gobierno de Cristina Kirchner nunca condenó la última expropiación de Chávez de tres empresas siderúrgicas de Techint, dos de ellas construidas totalmente por la propia empresa, sin intervención previa del Estado venezolano. Yo también creo que la producción nacional de acero es estratégica , le deslizó la Presidenta, en su momento, a uno de los dueños de Techint, cuando se discutía la anterior confiscación de Sidor, otra empresa de esa multinacional en Venezuela. Es difícil condenar, entonces, las propias ideas.
Su esposo, el hombre fuerte del país, envió en su momento al diputado Díaz Bancalari a plantear también aquí la estatización de la fábrica de acero Siderar, que es propiedad de la misma Techint. Kirchner nunca lo desautorizó al legislador. En estos días, Julio De Vido llamó a un alto directivo de Techint para ofrecerle sus buenos oficios con Chávez, aunque sólo para gestionar la indemnización. Mirá, el problema es que nosotros no queremos vender las empresas , le asestó el empresario al ministro. Silencio.
Chávez les deslizó en El Calafate a los Kirchner, de alguna manera, sus intenciones de adueñarse de las empresas de la multinacional argentina. Varias fuentes han confirmado que el matrimonio presidencial sufrió distintos sofocones por la decisión del caudillo venezolano, menos el de la sorpresa. Tampoco fue una broma la aclaración de Chávez a Lula de que nunca haría lo mismo con empresas brasileñas. Chávez había dicho eso, explícitamente, en una conferencia de prensa anterior a la reunión con el mandatario brasileño. Los Kirchner, atados a compromisos que no se conocen con el mandamás de Caracas, aceptaron sus explicaciones de que todo había sido una extravagante broma.
Tales confusiones intelectuales del matrimonio gobernante, y las permanentes indulgencias con Chávez, explican también otras cosas. La Presidenta ha dicho en los últimos días que la Argentina es el quinto país del mundo en recibir inversión extranjera. Estaba contenta. Alguien debería aclararle que la Argentina no es quinto país en ningún mundo conocido ni en ningún ranking que valga la pena tener en cuenta. Según el último informe de la Cepal, la Argentina es el quinto país de América latina receptor de inversión extranjera durante 2008. Antes que la Argentina, la tercera economía de la región, están Brasil, México, Chile y Colombia.
El informe público del organismo de las Naciones Unidas subraya especialmente que "Brasil, Chile y Colombia concentraron el 80 por ciento de la inversión externa directa" en la región. La inversión extranjera en Brasil fue de más de 45.000 millones de dólares, mientras en la Argentina fue de sólo 7900 millones de dólares. Esa es la diferencia que alegró a la Presidenta y que motivó otra de sus asiduas críticas a la prensa por ocultar la supuesta buena nueva. Debió agradecer.
Los empresarios temen el síndrome del león encerrado que podría sufrir Kirchner tras la segura pérdida de las mayorías parlamentarias en el Congreso. Un sector del peronismo lo acompaña en esos resquemores. Si Kirchner se impusiera por el 10 por ciento en la elección nacional, irá por su candidatura presidencial en 2011, por el dinero líquido de los bancos, por la propiedad estatal de más empresas privadas y por el comercio de granos , se los oyó pronosticar con desazón a algunos peronistas.
Desde la intencional expropiación de Aerolíneas Argentinas hasta la reciente designación de directores estatales en empresas privadas, todo indica, en efecto, que el ex presidente estaría confeccionando el mapa de esos presagios. En Olivos, encerrado sólo entre entusiastas y fanáticos, Kirchner pronostica victorias arrolladoras en el país para dentro de un mes.
Existe el peronismo, con todo. El único derecho que Kirchner adquirirá si ganara en la provincia de Buenos Aires, posibilidad que aún está seriamente en discusión, sería el de sentarse en la posterior mesa de decisiones del peronismo. Sólo podrá sentarse y ser uno más. Kirchner no seguirá repartiendo las cartas. Es el poder lo que estará en juego a partir del 29 de junio , dijo uno de los gobernadores más respetados del justicialismo. Otro gobernador fue más terminante aún: El liderazgo peronista de Kirchner se terminará el 28 de junio .
Hay muestras concretas de esos vaticinios. Ningún gobernador peronista aceptó ser candidato testimonial, con la sola excepción de Daniel Scioli en Buenos Aires. Ningún gobernador peronista, también con la solitaria excepción de Scioli, hace campaña en su provincia con el nombre de Kirchner. El conflicto con los ruralistas marcó un antes y un después en la relación de los Kirchner con los gobernadores justicialistas. Expertos baqueanos del poder, los gobernadores han demostrado al fin que tenían razón: los deplorables sucesos que padeció Scioli en el interior rural de Buenos Aires son la prueba.
Paréntesis. Cristina Kirchner se equivoca o manipula información sobre las inversiones extranjeras, pero su marido distorsiona la historia para descalificar a la prensa. Acaba de decir que los hechos de violencia durante la campaña son consecuencia de que los medios periodísticos no condenaron los primeros escraches contra los políticos. No es cierto. Varios medios, y LA NACION sobre todo, criticaron siempre la violencia y los escraches, sean cuales hayan sido sus protagonistas y sus razones. Ni la violencia ni la Justicia resolverán nunca los problemas que son propios de la política. Pero ¿son así todas las supuestas verdades que expresa el matrimonio presidencial?
Nadie entiende a qué se refieren cuando hablan del modelo . Sea lo que fuere que sea, la Argentina podría comenzar a importar carne en el próximo año. En 2010 ya no exportará trigo y es posible que poco después, o contemporáneamente, deba importarlo. La carne y la leche son futuras importaciones inevitables a estas alturas. El país se construyó históricamente con fama de exportador de esos alimentos. En algún momento de los próximos dos años también deberá volver a importar petróleo, por primera vez en casi 50 años. Es imposible explicar la distancia del peronismo y la ruptura de los empresarios sin esas derrotas, absurdas y cercanas.
JOÃO UBALDO RIBEIRO A nova monarquia
O GLOBO
A gente tem a impressão de que o governo já entrou em campanha eleitoral faz algum tempo, mas ele nega, de forma que deve ser mentira, porque o governo não mente aos cidadãos.
Contudo, assim ou assado, mentira ou não, o assunto tem sido bastante discutido, geralmente levando ao debate sobre o terceiro mandato do presidente Lula, que ele, com o ar docemente constrangido e aparentando, não sei se intencionalmente, uma convicção bem menos incisiva que em relação a quase tudo mais, diz que não quer. Na quase impossível hipótese de ele me dizer isso pessoalmente, eu fingiria acreditar por uma questão de educação e respeito ao cargo dele. Mas claro que, como venho dizendo há bastante tempo, não boto fé nessa negativa — para mim está feericamente estampada no semblante dele a vontade de ficar até quando Deus permitir.
Acho que nunca vi alguém tão feliz da vida quanto ele, subindo e descendo em aviões e entrando e saindo de castelos e palácios, claro que ele está num barato permanente.
Também como antes, não acho tão improvável assim que um terceiro mandato se concretize, nos moldes de uma das muitas fórmulas a que se pode recorrer, inclusive um mandato-tampão, enquanto se elabora e vota uma nova constituição, seguido de ainda outro mandato para o mesmo ocupante, o que, naturalmente, seria facultado pela nova carta. Surpresa nenhuma. Já aconteceu conosco e, em linhas gerais, acontece em toda parte, geralmente em países atrasados. Para mim, golpe; para outros, manobra legítima, contanto que respeitados os rituais que nos acostumamos a identificar com a democracia e que, muitas vezes, são tão democráticos quanto as eleições a bico de pena da Velha República, por exemplo.
Ouso oferecer a hipótese, que acredito ser amplamente corroborada pelos fatos, de que a verdadeira vocação do presidente Lula não é ser presidente. Para isso ele não tem muita paciência, ainda mais com esse negócio de sentar para despachar, estudar, debater, resolver.
Deve ser por isso que tem tantos ministros. Aparece um problema e, se ele, muito implausivelmente, já não tem um ministro Especial para Problemas que Aparecerem, cria um num piscar d'olhos. Acredito piamente que, se ele pudesse mandar sem governar, ficaria ainda mais feliz. Mandar é ótimo, ter poder é indescritível. Governar é que é chato, não só porque é trabalho, ainda mais para quem nunca trabalhou na vida, como também só traz dor de cabeça, provoca inimizades, chateia nas horas mais incômodas e assim por diante.
A verdadeira vocação dele, continua minha hipótese, é ser rei. Excetuando o feio hábito de não aparecer pessoalmente nos locais de calamidades públicas e tragédias, hábito este que acho que já começou a rever, ele faz com extraordinário gosto tudo o que um rei contemporâneo faz. Livre das amarras dos despachos e da burocracia, podendo até falar mal dos governantes, já que não administraria e seria vitalício e estes são passageiros, terá condição de dedicar-se em tempo integral ao que de fato gosta de fazer e, a seu modo, sabe fazer. Não deixa de ser uma ideia. Por que não, afinal? Somente porque alguns descompreendidos e eu não queremos? Creio (no meu caso, melhor trocar de verbo e botar "receio") que, se for realizado um plebiscito, também identificado bobamente com democracia, a ideia do terceiro mandato seria aprovada, talvez até retumbantemente.
E não há por que supor que, com essa permanência no poder, pois ninguém sabe hoje em quanto ela se prolongará, uma tal pressão internacional de que já ouvi da boca de um comentarista limitará a permanência do presidente no poder.
Tampouco creio que vá haver pressão internacional alguma. Da mesma forma que velho rico é excêntrico e o mesmo velho, se pobre, é broco e chato, arranjariam logo um nome artístico para o novo regime que mascararia o fato de estarmos ingressando numa era neoperonista, e dando um enorme passo atrás.
"Esse é o cara", disse o presidente Obama e a exegese correta é a mais óbvia. Lula era um problema iminente, pois viria para reformar a fundo, para mudar e contrariar interesses arraigados e poderosos. Como se vê, não é nada disso, antes pelo contrário, é agir "como sempre se fez neste país". Quem era poderoso ficou mais, quem era rico ficou mais. Os ricos continuam a não pagar impostos e os pobres e remediados custeiam sem saber uma "distribuição de renda" que não existe para os ricos. Ou seja, ele passou de problema a solução, menos um peso enorme no já carregadíssimo balaio de preocupações, não apenas de Obama, mas dos europeus, dos banqueiros, das grandes empresas, de todo mundo que estava preocupado em ser incomodado ou contrariado com a ascensão da "esquerda" ao poder. Arrenego da esquerda.
O presidente que nós temos é o que eles pediram a Deus.
Tudo bem, é uma, mas esquerda não. Lula talvez tenha vindo para reformar, mas, assim que se viu no poder, seu olhar mudou, numa prova viva de que a sociologia do conhecimento ainda tem terreno fértil para estudos de caso. A verdade tem uma cara quando se está por baixo, outra quando se está por cima.
Nada como a posição social do indivíduo, dizia-se antigamente.
Pois é, vista de cima a realidade é percebida por outra ótica e o operário utópico, visionário e agitador deu lugar ao bom burguês bonachão e paternal, que chegou, não para mudar, mas para conservar e aperfeiçoar o que já está aí. Tenho grandes reservas sobre como está sendo feita essa conservação e, notadamente, o aperfeiçoamento, que me parece somente adiar ou, ao longo prazo, agravar nossos problemas.
Mas é melhor, por via das dúvidas, irmos nos acostumando à ideia de um terceiro mandato. E um quarto, um quinto, um sexto etc.
MERVAL PEREIRA - A evolução da China
A posição dos empresários chineses no recém encerrado Encontro Empresarial de Copenhagen sobre clima foi a maior surpresa do evento internacional. O reconhecimento por diversos líderes empresariais de que o desenvolvimento sustentável é uma "responsabilidade corporativa", e que o crescimento econômico da China tem que se compatibilizar com a proteção ambiental é uma mudança fundamental, juntamente com as metas governamentais de redução dos gases de efeito estufa. O governo está forjando uma agenda agressiva para atingir a meta de 15% de toda a energia renovável ser de eletricidade em 12 anos, e aumentar a eficiência energética em 20% em dois anos. Sem contar com o fato de que a China hoje já é líder em energia solar e eólica.
O empresário Paulo Protásio, que fez parte da delegação brasileira na reunião, ficou impressionado com a mudança. "Vamos tomar um banho de estratégia, inteligência e iniciativa a partir de agora daqueles que tinham uma imagem mais duvidosa do que a nossa no mercado", comenta.
Protásio acha que a crise financeira não se vai resolver "se não se apoiar em novos elementos para servir aos objetivos de um desenvolvimento limpo e sustentável".
Na mesma linha do historiador Jim Garrison, presidente da ONG State of the World, criada por Mikhail Gorbachev para a preservação do meio ambiente, que considera equivocada a política dos Estados Unidos e da Europa de jogar milhões de dólares nos bancos, como se a crise fosse apenas do sistema financeiro, e não do sistema como um todo.
"A única maneira de lidar com a crise financeira é lidar com o aquecimento global", diz Garrison. Sobre o encontro de Copenhagen, ressalta a importância da posição dos Estados Unidos, Índia e China, que respondem por 85% das emissões.
Outra questão, afirma, é a dos recursos que o Norte (ricos) precisa fornecer ao Sul (pobres) para que ele possa atingir as metas a serem definidas na conferência.
Embora não acredite que haverá grandes alterações na reunião de Copenhagen em 7 de dezembro, porque não vai dar tempo para o novo governo dos Estados Unidos estabelecer suas normas, Paulo Protásio está convencido de que o Congresso americano vai aprovar o substituto do Protocolo de Kyoto e os Estados Unidos entrarão nesse mercado de carbono mundial, cujos grandes compradores de certificados de emissão são o Japão e a Europa.
O mercado de carbono a nível mundial continuou a crescer em 2008, chegando a um total de transações de US$ 126 bilhões no final do ano, o dobro praticamente do volume de 2007.
O Brasil, que já foi líder, foi ultrapassado pela China, pela Índia e agora estamos ameaçados pelo México. A China está fazendo um sistema de aprovação de projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) em quantidades semelhantes ou superiores ao do Brasil, mas com prazos mais curtos, sem grandes burocracias. Mais de 70% dos projetos são do mercado chinês.
Na definição de Paulo Protásio, ela está mandando um recado para o mundo de que vai adotar a política limpa por decisão própria, e está liderando o mercado. "Nós no Brasil, que já lideramos esse mercado, temos vantagens que não podemos desperdiçar.
Nossa matriz energética é limpa", lembra Protásio.
Um dos projetos brasileiros é justamente o de transferir a tecnologia brasileira já existente para a África. O projeto prevê que entre 2009-2010 todo o continente africano seja mapeado por satélite para que seu potencial agrícola receba a tecnologia de baixas emissões de carbono com a assessoria da Embrapa.
Segundo o embaixador Sérgio Serra, representante do Brasil nas reuniões sobre o clima, o Brasil encara as presentes negociações (que levarão à COP-15 em Copenhague) com a maior seriedade. Queremos um resultado robusto e equitativo.
Que leve: 1) a novos e mais profundos cortes de emissões no âmbito do Protocolo de Kyoto (é importante destacar aqui que o Protocolo não expira em 2012; o que expiram nessa época são as metas referentes ao seu primeiro período de cumprimento); 2) a compromissos comparáveis (aos de Kyoto) por parte dos EUA; 3) a ações efetivas de mitigação por parte dos países em desenvolvimento, apoiadas por financiamentos e cooperação tecnológica (por parte dos desenvolvidos), tudo de forma mensurável, "reportável" e verificável.
Segundo ele, estamos dispostos a ir além da parte que nos toca no que foi acertado em Bali: há ações de mitigação que pretendemos levar adiante por nossos próprios esforços, sem necessariamente contar com recursos financeiros e tecnológicos externos.
Quanto às sugestões do Jim Garrison, Serra vê perfeitamente o Brasil assumindo um papel de liderança em políticas públicas e ações tendentes a controlar ou reduzir emissões, induzindo um desenvolvimento cada vez mais sustentável.
Esse papel já é claro hoje na área dos biocombustíveis e no crescente uso de biomassa como fonte de energia.
Essas e outras ações que estamos empreendendo ou iremos empreender no futuro próximo já farão com que haja uma queda significativa na curva de crescimento das nossas emissões totais — que é o que se espera, no momento, de economias emergentes como a nossa, diz o embaixador.
Quanto a antecipar para 2020 a adoção de metas de redução absoluta de emissões, o embaixador Sérgio Serra acha a data um pouco próxima. "Não sei se até lá já teremos superado nossas sérias e ainda pendentes dívidas sociais (um programa como o Luz para Todos, por exemplo, leva necessariamente a um aumento de emissões). Quem sabe 2030?"
A crise acua o trabalhador Celso Ming
A crise não está pulverizando apenas grandes fortunas. Décadas e décadas de conquistas trabalhistas conseguidas em árduas batalhas sindicais também estão desaparecendo.
Para defender o emprego, por todo o mundo rico (e também em economias emergentes), o trabalhador vai sendo obrigado a desistir de seus direitos.
A aposentadoria também começa a minguar. A redução dos salários e das contribuições terá, por si só, impacto sobre o futuro benefício. Os patrimônios dos fundos de pensão estão sob ataque. Os ativos que integram essas carteiras estão perdendo valor e já não garantem o mesmo retorno futuro com que o trabalhador contava há anos. Para obter igual benefício, ou terá de aumentar o tempo de atividade numa fase de maior desemprego ou precisará elevar a contribuição.
No passado, quase sempre foi o capitalista o único responsável pelo fracasso das empresas. Isso parece mudar. Nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, os trabalhadores vêm sendo responsabilizados pelo enfraquecimento das montadoras. Os sindicatos estão sendo apontados como entidades poderosas demais que sangram as empresas, por impor-lhes custos insuportáveis com salários, seguros-saúde e aposentadorias.
Os líderes sindicais estão inseguros quanto a quem ou o que deva ser considerado seu principal adversário. Há anos, entenderam que o "patrão" de quem tinham de arrancar concessões está tão ou até mais vulnerável do que eles. Como se vê na crise das montadoras americanas, muitas fábricas têm de ser fechadas, transferidas para países longínquos ou remodeladas, com eliminação de grande número de empregos. Patrões e funcionários têm de se aliar para garantir a sobrevivência da empresa.
Houve um tempo em que culpavam a automatização, a robotização das linhas de produção e até mesmo a Tecnologia da Informação pelas baixas no emprego. Depois, apontaram o dedo para a imigração excessiva, que teria produzido um leilão para baixo dos salários e dos benefícios trabalhistas. Agora, não faltam só soluções; faltam também culpados.
O professor de relações do trabalho da USP José Pastore aposta em que essa onda ruim irá passar. Ele avalia que hoje o trabalhador não tem outra saída senão abrir mão de direitos. "Mas isso não enfraquecerá o movimento. Na crise, o mais importante é preservar os empregos. Dentro de dois ou três anos, os benefícios serão reconquistados", prevê.
O ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho Almir Pazzianotto pensa de forma diferente. Adverte que o mercado de trabalho não voltará a ser igual. "Quando a economia melhorar, o mercado vai reempregar no máximo a metade dos demitidos. As empresas estão aprendendo a operar com menos empregados e, quando forem contratar, preferirão os mais jovens e mais baratos."
Seja como for, os contratos de trabalho, tal como são conhecidos hoje, estão em forte mutação.As leis trabalhistas vêm sendo "flexibilizadas" e isso implica redução de salários e de direitos. O trabalho temporário começa a se tornar mais importante do que o permanente, como acontece na Espanha.
E, no entanto, no Brasil ainda vigoram leis trabalhistas e decisões dos juízes do Trabalho tal como foi pensado nos longínquos anos 40, quando o Brasil ainda era só um exportador de café.
Vinicius Torres Freire China, Bolsa Família, BC e o real
FOLHA DE S. PAULO
Pacto luliano de estabilidade econômica e dependência da China anestesiam o país e dificultam mudança maior
É MAIS DIFÍCIL isolar um Banco Central de pressões políticas de origem popular em democracias pobres. Altas de juros degradam as condições de vida, o que pode suscitar protesto político. Em economias mais arrumadas, o impacto do aperto monetário pode ser menor. Menor ainda se houver um amortecedor, um colchão social.
Programas de transferências sociais de renda, muito incrementados no governo Lula, providenciaram tal colchão. Assim, de certo modo e talvez inadvertidamente, comprou-se o relativo isolamento do BC, também chamado de autonomia.
Note-se que políticas dessa natureza eram recomendações do esquecido "Consenso de Washington", o decálogo do "perfeito idiota neoliberal", diriam petistas, que hoje comem nesse prato em que cuspiam.
Há decerto mortos, feridos, queixas teóricas e a crítica da indústria, por exemplo. Mas esse caldo não engrossa "nas bases" e, assim, não induz políticos com poder de decisão ou pressão a intervir de modo significativo na ilha tecnocrática do BC. Ou no grosso da política econômica.
Este é só um aspecto do pacto de estabilidade luliano. Lula logrou ainda tanto reduzir a dívida pública (fez superávits fiscais primários suficientes) como elevar a despesa do governo, em parte destinada à compra do colchão social. A alta do gasto público, do consumo privado e até do investimento não acabou em inflação e/ou déficit externo desagradáveis ou em suspeitas a respeito da solvência externa do país devido: a) ao crescimento sino-asiático, que incrementou nossas exportações; b) à política de redução da dívida externa e/ou acumulação de reservas.
O "modo de produção asiático", digamos, com seus trabalhadores mal pagos, ainda barateou bens de consumo pelo mundo e por aqui. Juros baixos e a louca expansão do crédito mundial também ajudaram. O conjunto dessa obra (a atitude do BC "alemão" do Brasil, a alta das commodities e o capital sobrante no mundo) valorizou o real, o que significou um aumento adicional do poder de compra da população.
Então chegamos a meados de 2008, quando o BC elevava os juros devido ao excesso no gozo dessa dita bonança. Haveria então redução no crescimento, menor talvez que a hoje imposta pela crise. Como nem a recessão tem suscitado revolta, menos ainda o faria a contenção do PIB ditada pelos juros. Mas não foi possível testar a retomada do "business as usual" no Brasil, pois veio a crise.
A despiora na economia mundial, porém, criou uma situação que replica, de modo caricato, os dias finais do período de bonança de 2008, de alta especulação. Há discreta melhora na China.
Cai o medo de novo desastre financeiro (há "apetite por risco"). Há excesso de dinheiro barato (juro zero no mundo rico), mas EUA e cia. não consomem. O tsunami de dinheiro então sobrante derruba o dólar, encarece o real, infla commodities: desembestam os capitais à procura de rentabilidade.
Não se sabe se tal bolhinha vai estourar. Mas o resumo da ópera é que o Brasil segue flutuando nessas marés, anestesiado pelo pacto luliano e pela dependência da China. Mudar tal situação (e pois a "armadilha cambial") implica mudar um pacto político interno e a relação com o resto do mundo. Nada simples.
Míriam Leitão Perdas e danos
O estado das artes da crise econômica internacional agora é: o pânico, o mais assustador dos episódios recentes, foi vencido. Os bancos americanos receberam de ajuda direta mais do que valem hoje no mercado, apesar da recuperação do valor das ações. Na prática, são estatais. A GM será oficialmente estatizada nos próximos dias. No Brasil, de novo, os capitais desembarcam loucos por rentabilidade.
No final de abril, pouco mais de seis meses da quebra do Lehman Brothers, num debate em Nova York, o senador americano Bill Bradley disse que não acreditava que se pudesse falar em recuperação. Ele usou números: a ação do Citibank, que valia US$60, tinha caído para US$1, e, naquele 30 de abril, estava valendo US$3. "Eu não chamo isso de recuperação", disse ele.
Naquela época, o Citi poderia ser comprado por US$17 bilhões, e isso era menos de um terço do que o governo americano havia colocado no banco em ajuda direta. Sem falar das outras formas de ajuda, como a garantia dada ao banco, que soma US$340 bilhões. A situação melhorou mais um pouco em maio. Na última sexta-feira, a ação do Citi valia US$3,65, e o valor de mercado era US$20 bi, um terço do que deu o governo. O fato é que até agora, com todas as ferramentas inventadas pelo governo Obama para sanear os bancos, dando a impressão de estar usando de maneira diferente o dinheiro do contribuinte, ainda não foi possível separar a parte boa da parte ruim de cada instituição.
O historiador Niall Ferguson disse que o mundo está agora na fase da "terapia", depois de superada a fase do colapso nervoso que se seguiu à quebra do Lehman. Só que os remédios usados são contraditórios, porque os governos estão usando a expansão monetária que seria indicada por Milton Friedman junto com a expansão fiscal que seria receitada por John Maynard Keynes. - Não se pode ser monetarista e keynesiano ao mesmo tempo - disse Ferguson.
Nouriel Roubini discorda. Acha que sim, podem ser usadas todas essas armas e foi exatamente esse uso simultâneo de ferramentas monetária e fiscal, por tantos governos, que reduziu o risco de uma depressão como a que houve em 1929. Mesmo parecendo, por essa frase, que o famoso pessimista está mudando de lado, Roubini disse que está menos certo que seus colegas de que a economia americana vai se recuperar ainda este ano. Ele acha que, no máximo, a economia vai melhorar de -6%, que é o ritmo do primeiro trimestre de 2009, para -2%, que seria o ritmo do último trimestre do ano. Muitos economistas ainda acham que será de 2%, no positivo, portanto, o ritmo de crescimento do fim do ano. Apesar de apoiar o relaxamento monetário americano neste momento, Roubini prevê que US$9 trilhões serão acrescidos à dívida americana por causa da crise.
Paul Krugman assinalou que está havendo uma mudança histórica de comportamento das famílias americanas depois de perderem, segundo cálculos dele, US$13 trilhões em riqueza líquida. Agora, os americanos estão poupando. A taxa de poupança americana, que tradicionalmente é zero, está em 4%. E não é a China que está comprando a nova coleção de títulos do Tesouro americano lançados recentemente, mas sim as famílias americanas. O problema: essa poupança não está se transformando em investimentos porque o empresário americano não tem estímulo para investir diante da queda tão pronunciada do consumo.
George Soros acha que o mercado financeiro acabou, pelo menos como ele é conhecido atualmente.
- Ele entrou em colapso e agora está sendo mantido vivo por aparelhos - disse o antigo especulador.
Ele acredita que o impacto da crise bateu fortemente no setor real, que caiu em queda livre e de forma global.
O tamanho da dívida americano que virá como ressaca da crise começa a preocupar os economistas, os mesmos que apoiaram o aumento da expansão fiscal e monetária para evitar o pior, ou seja, a depressão. Krugman diz que no passado, após a Segunda Guerra, por exemplo, a dívida americana chegou a 100% do PIB e foi facilmente possível financiá-la. Mas ele não tem certeza de que agora será tão fácil. A crise provocará no futuro outros desequilíbrios. O que se aprende na leitura dos debates, como este, é que todas as lições sobre como evitar 1929 foram aplicadas. Naquela época, eles deixaram os bancos quebrar, 75% dos donos de imóveis deram calote em suas hipotecas, o Fed apertou a política monetária e isso levou à depressão. Mas agora, todos estão em terreno desconhecido. Evitaram o pior, mas como lidar com as consequências das decisões tomadas e toda a ressaca da crise?
Nas economias do mundo inteiro este está sendo um ano difícil, mesmo quando começam a bater nas praias as espumas de uma extraordinária recuperação das bolsas, como os 80% que o Ibovespa subiu em sete meses, desde o pior momento da crise. A Bovespa que sobe assim está no mesmo país onde a Fiesp avisa que a produção industrial no ano pode ficar em -5%. Há quem estime queda maior.
Um dos sinais vem agora na segunda-feira, quando saírem os dados da produção industrial de abril. A Tendências Consultoria prevê alta mensal de 1,3%, o que levará a uma queda anual de 14,8%. Por muito tempo, o mundo ainda fará a contabilidade das perdas e danos desta crise.
Dora Kramer A lei? Ora, a lei...
Publicado em 31/05/2009 | AGÊNCIA ESTADO •
Quando estourou o escândalo das mordomias no Parlamento britânico, a crise dos abusos nos privilégios no Parlamento brasileiro estava no auge e as comparações foram inevitáveis. Dois pontos chamaram atenção: a semelhança da natureza dos desvios e a diferença no trato da questão. O primeiro mostrava que gente civilizada também prevarica. Em tese, nos colocava ombro a ombro com os costumes do Primeiro Mundo.
Mas o segundo derrubava o argumento, demonstrando a distância existente entre o Brasil e a Inglaterra no tocante à cultura sobre o manejo da coisa pública. Resumindo, a disparidade evidenciou-se na consequência.
Lá, caiu o presidente do equivalente local à Câmara dos Deputados, o primeiro-ministro condenou liminarmente as práticas, não obstante terem sido cometidas por seus aliados, e as pesquisas de opinião de imediato registraram o repúdio do público ao partido envolvido no escândalo.
Michael Martin, o similar inglês de Michel Temer, renunciou ao cargo. Não porque fosse acusado. Nenhuma das denúncias o envolveu, mas retirou-se de cena porque havia sido contrário à divulgação das informações sobre os privilégios em vigor no "clube privado de cavalheiros", tal como o primeiro-ministro Gordon Brown definiu a Câmara dos Comuns.
Aqui, suas excelências tentaram resistir – com o aval dos presidentes da Câmara e do Senado –, justificando a legalidade das irregularidades, o presidente da República considerou uma "hipocrisia" às críticas aos abusos – aproveitando para confessar seus próprios desvios quando parlamentar –, as infrações foram todas anistiadas, a popularidade do presidente permaneceu intacta e as transgressões continuaram a ser reveladas.
No caso das passagens, o presidente da Câmara teve culpa (confessada) no cartório. No que tange aos privilégios abusivos, o presidente do Senado achou normal – e assim passou a ser considerado no geral – usar seguranças da instituição para vigiar suas propriedades no Maranhão.
Algum constrangimento, alguma concessão ao pudor? Nada. Só uma história de bastidor revelando que o presidente do Senado, José Sarney, cogitara da renúncia ao cargo em conversa com amigos. Não por vergonha das agressões individuais e coletivas às normas da boa conduta, mas por se achar injustamente atingido na majestade pretendida.
Caminhava o escândalo das mordomias no Parlamento brasileiro para o confortável limbo do esquecimento, quando a Folha de S. Paulo noticia que o pagamento ao auxílio-moradia aos senadores não tem sustentação legal.
A autorização desses pagamentos fora cancelada seis anos antes e, mesmo assim, o dinheiro continuou a ser religiosamente depositado nas contas dos senadores. Inclusive nas contas daqueles que têm moradia própria em Brasília e, por óbvio, não precisariam de tal benefício.
Entre os agraciados de maneira duplamente irregular com R$ 3.800 por mês estava ninguém menos que o presidente do Senado. Fiel à regra vigente, primeiro negou e, uma vez, exposto, confirmou.
Não sabia como o dinheiro fora parar em sua conta, uma vez que não havia requerido o pagamento do auxílio. Detectado o equívoco, pediu desculpas e ordenou a devolução.
E o vácuo, o período em que todos os benefícios foram pagos sem sustentação em regra alguma?
Rapidamente deu-se um jeito. Criou-se uma nova norma autorizando os pagamentos e atribuiu-se o passado à conta do equívoco para justificar nova anistia.
Ninguém procurou saber por que houve a suspensão dos pagamentos há seis anos. A fim de não suscitar mais polêmica, convencionou-se que houve "erro burocrático". Mas será que houve mesmo? Ou na época aquela regra foi revogada em função de alguma denúncia sobre irregularidades na concessão dos auxílios-moradia?
No mínimo, seria necessário conferir. Nada impede de acontecer o mesmo com algumas normas alteradas em virtude da recente crise. Amanhã, numa próxima legislatura, quando suas causas se perderem na memória nacional, podem causar espanto e, para ajeitar a situação conveniente ao momento, ser recuperadas tal qual o modelo anterior.
Suposição? Não, mera constatação da realidade. No Brasil, diferentemente do que ocorre em nações de costumes mais civilizados, quando a legislação provoca qualquer abalo nos interesses de quem tem poder ou influência institucional, muda-se a legislação de forma a satisfazer os interesses anteriormente contrariados.
Talvez seja esse o ponto que separe os escândalos dos Parlamentos no Brasil e na Inglaterra. Lá, suas excelências dobraram-se envergonhadas aos ditames lei. Aqui, correm sem pejo para alterar os princípios da lei.
Isso responde, por exemplo, a uma questão aparentemente inusitada sobre o que há em comum entre o caso do auxílio-moradia e as mudanças na Lei Eleitoral propostas para, entre outras coisas, revogar a fidelidade partidária interpretada pelo Supremo Tribunal Federal conforme o que impõe a Constituição.
sábado, maio 30, 2009
Paul Krugman O pavor da grande inflação
O mais importante é perceber que não há indícios de pressões inflacionárias neste momento. Os preços ao consumidor estão mais baixos agora do que estavam há um ano e os aumentos salariais perderam a velocidade, em face do alto desemprego. A deflação, e não a inflação, é o perigo claro e presente.
Portanto, se os preços não estão subindo, por que a inflação preocupa? Alguns alegam que o Federal Reserve (Fed) está imprimindo muito dinheiro, o que deve ser inflacionário, enquanto outros afirmam que os déficits orçamentários acabarão obrigando o governo a diminuir seu endividamento pela via da inflação.
A primeira suposição está errada. A segunda poderia estar certa, mas não está.
Agora, é verdade que o Fed tomou ultimamente medidas sem precedentes. Mais especificamente, ele andou comprando muita dívida tanto do governo como do setor privado, e pagando por essas compras creditando reservas extras aos bancos. E, em tempos normais, isso seria altamente inflacionário: os bancos, repletos de reservas, aumentariam seus empréstimos, que impulsionariam a demanda, que empurraria os preços para cima.
Mas estes não são tempos normais. Os bancos não estão emprestando suas reservas extras. Estão simplesmente sentados nelas - aliás, estão enviando o dinheiro de volta ao Fed. Portanto, o Fed não está realmente imprimindo dinheiro, afinal.
Mesmo assim, essas ações não acabariam sendo inflacionárias mais cedo ou mais tarde? Não. O Banco do Japão, diante das dificuldades econômicas não muito diferentes das que enfrentamos hoje, comprou dívida em larga escala entre 1997 e 2003. O que aconteceu com os preços ao consumidor? Caíram.
Tudo por tudo, boa parte da discussão atual sobre inflação traz à lembrança o que aconteceu durante os primeiros anos da Grande Depressão, quando muitas pessoas influentes faziam advertências sobre a inflação mesmo enquanto os preços despencavam.
Haverá risco de inflação depois que a economia se recuperar? Essa é a suposição dos que observam projeções de que a dívida federal poderá subir a mais de 100% do PIB e dizem que a América acabará tendo de reduzir sua dívida pela via da inflação - isto é, empurrar os preços para cima para que o valor real da dívida seja reduzido.
Essas coisas aconteceram no passado. Por exemplo, a França, em último recurso, reduziu as dívidas que contraiu para travar a 1ª Guerra Mundial por meio da inflação. Mas faltam exemplos mais modernos. Nas duas últimas décadas, Bélgica, Canadá e, é claro, Japão passaram por episódios em que suas dívidas excediam 100% do PIB. E os próprios EUA saíram da 2ª Guerra com a dívida excedendo 120% do PIB. Em nenhum desses casos o governo recorreu à inflação.
Então, haverá razão para pensar que a inflação está chegando? Alguns economistas defenderam uma inflação moderada como política deliberada, como maneira de estimular o empréstimo e reduzir o ônus do endividamento privado. Sou simpático a esses argumentos e defendi uma coisa parecida para o Japão nos anos 1990. Mas a defesa da inflação não progrediu entre as autoridades econômicas japonesas de então e não há nenhum sinal de que esteja ganhando força com as autoridades americanas de hoje.
Tudo isso coloca a questão: se a inflação não é um risco real, por que todas as suposições de que ela é? Bem, como vocês podem ter notado, os economistas, às vezes, discordam. E grandes discordâncias são especialmente prováveis em tempos estranhos como os atuais, quando muitas das regras normais já não se aplicam.
Mas é difícil escapar da sensação de que o alarmismo com a inflação é, em parte, político, saindo de economistas que não tiveram nenhum problema com os déficits causados por cortes de impostos, mas, de repente, se tornaram censores fiscais quando o governo começou a gastar dinheiro para salvar a economia. E seu objetivo parece ser pressionar a administração Obama para que abandone esses esforços de salvamento.
É dispensável dizer que o presidente não se deve deixar pressionar. A economia continua em estado lastimável e precisa de ajuda contínua. Sim, temos um problema orçamentário no longo prazo, precisamos começar a assentar os alicerces para uma solução no longo prazo. Mas, no que trata da inflação, a única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo.
CELSO MING Uma CPMF global
O governo da França apresentou quinta-feira, em Paris, durante um evento realizado na sede da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a proposta de taxação das operações financeiras internacionais.
A ideia é instituir uma espécie de CPMF cuja criação foi defendida pela primeira vez em 1972 pelo economista James Tobin, Prêmio Nobel de 1982, que na ocasião se preocupava com o aumento do risco de crise internacional, uma vez que o presidente Nixon havia acabado com o padrão-ouro. Funcionaria como um pedágio que desestimularia operações especulativas.
A proposta ficou conhecida como Taxa Tobin e nunca teve boa acolhida. Em 2001, poucos meses antes de morrer, o próprio Tobin desistiu da sugestão, alegando que fora desvirtuada.
Ela havia sido incorporada pela Internacional Socialista como fonte de recursos para combater a pobreza. Mais interessados na arrecadação do que na sua função regulatória, também os movimentos antiglobalização liderados pela ONG francesa Attac se encarregaram de manter a peteca no ar.
Tal como apresentada agora pela França, essa taxa corresponderia a 0,005% (cinco milésimos) do valor das operações financeiras, o suficiente para proporcionar uma arrecadação anual de US$ 60 bilhões.
Em 1998, o então presidente brasileiro Fernando Henrique pediu, em carta enviada aos chefes de Estado do Grupo dos Sete (G-7), a instituição dessa taxa. Quatro anos mais tarde, o presidente Lula fez a mesma colocação no Fórum Econômico Mundial de Davos, repetida em 2005 pelo então presidente conservador da França, Jacques Chirac.
Os obstáculos políticos para a implantação da taxa são enormes. Os Estados Unidos e a Inglaterra nunca a aceitaram, um pouco por motivos ideológicos e outro pouco por razões práticas. Além disso, um imposto desse tipo exigiria cobranças e controles globais, mais a criação de uma instituição supranacional com poderes para cobrar, transferir recursos e punir sonegadores.
Os obstáculos técnicos também são relevantes. Não há, por exemplo, como distinguir rapidamente uma operação financeira de outra comercial, já que o comércio mundial (de mercadorias e serviços) é largamente financiado. Uma análise sobre a natureza de uma operação dessas levaria dias e, no entanto, as transações são feitas à velocidade da luz, 24 horas por dia.
Numa União Monetária, como a que prevalece na Europa, onde as operações de câmbio entre países foi eliminada, boa parte do fato gerador do imposto desapareceu. Além disso, uma taxa assim criaria mecanismos de compensação que evitariam transferências entre países. Se o Itaú, por exemplo, devesse US$ 1 milhão para o Deutsche Bank e este devesse US$ 1 milhão para o Bradesco, ficaria tudo resolvido se o Itaú passasse US$ 1 milhão para o Bradesco. Não existiria transferência, o imposto estaria sendo driblado e não haveria como impedir esse jogo.
O próprio Partido Socialista Francês uma vez no governo, sob o primeiro-ministro Lionel Jospin, havia desistido da proposta por considerá-la impraticável. Mas, como ocorreu com a ideia do idioma único (o esperanto), sempre aparece alguém que desenterra a Taxa Tobin e proclama que ela tem de ser adotada.
Míriam Leitão Frente externa
Entrevistei os dois na GloboNews sobre os desafios da política externa. Ambos listam erros e fracassos da atual política do governo Lula.
— Entrei no Itamaraty em 1963. Antes disso, meu pai era diplomata, de maneira que estou no Itamaraty desde que nasci. Confesso a você que nunca vi tamanha série de enganos e equívocos, que derivam em parte de falta de profissionalismo, em parte de perspectiva equivocada, de falta de planejamento e um certo 'juvenilismo', um entusiasmo ideológico — disse o embaixador.
Nessa lista de equívocos, Lampreia inclui a ideia de mandar um embaixador para a Coreia do Norte — que teve de ser abortada — e a decisão de apoiar a candidatura do egípcio Farouk Hosny para a direção-geral da Unesco: — Eu creio, sinceramente, que a explicação básica está no fato de que o dr.
Márcio Barbosa, um homem de extrema competência e grande posição na Unesco, padece de um vício enorme: o de ter servido ao governo Fernando Henrique Cardoso. O Itamaraty tem longa tradição de respeitar posições diferentes e não ter facciosismo.
Ele acha que os árabes merecem um gesto nosso, mas esse foi o sinal errado.
— Primeiro, há um candidato brasileiro. Segundo, o egípcio é uma pessoa inaceitável.
Uma organização que se propõe a defender a educação e a cultura não pode ter como diretor um homem que diz que vai queimar livros. É uma contradição — afirmou.
Amaury, que está lançando o livro "A Agenda Internacional do Brasil", disse que o Itamaraty está reagindo aos insucessos dos últimos anos: — Até fizemos alguns movimentos certos. Apostamos em Doha, mas não prosperou; derrubamos a Alca, mas nada foi colocado no lugar; não conseguimos reorientar o Mercosul e inventamos ao mesmo tempo uma Unasul, que não tem futuro brilhante. Nenhuma das metas do governo Lula foi alcançada: não conseguimos assento permanente no Conselho de Segurança da ONU; a aproximação Sul-Sul ficou difícil porque a China se considera do mundo desenvolvido; a integração da América do Sul avançou apenas retoricamente.
Continuamos precisando de uma infra-estrutura que ligue as costas do Atlântico e do Pacífico, de união energética e mais comércio. O nosso comércio é feito 96% por via marítima. Ou seja, não conseguimos atravessar nossas fronteiras terrestres comuns. Essa não é uma história de sucesso — afirmou Amaury.
No caso do Paraguai, Lampreia conta que o conflito em Itaipu é a bandeira que resta ao presidente Lugo, que não consegue vencer as máquinas dos partidos tradicionais, entrincheirados no governo, e que resistem à agenda dele.
Sobre Hugo Chávez, ele diz que definitivamente não se trata de um democrata: — É uma falácia dizer que a Venezuela é uma democracia só porque faz eleições plebiscitárias. A democracia não se compõe só de eleições. É independência de poderes, liberdade de imprensa, segurança jurídica, Estado de Direito. Nenhuma delas existe na Venezuela.
O livro de Amaury traz o resultado de pesquisas feitas com líderes de várias áreas sobre a política externa brasileira.
— Entrevistamos diplomatas, congressistas, senadores e deputados na Comissão de Relações Exteriores das duas Casas, empresários, empresas que estão voltadas para o comércio internacional, jornalistas, órgãos de representação de classe, Fiesp, CUT, MST. Há uma concordância enorme em relação à importância da ação internacional do Brasil. Só 1% dos entrevistados acredita que o Brasil deveria cuidar dos seus próprios problemas e esquecer o mundo. Todos querem ser parte da cena internacional. Não há consenso no que se tornou a linha mestra do governo Lula, como a de que o Brasil deveria priorizar o eixo das nações em desenvolvimento e baixar a prioridade da relação com Estados Unidos, Japão e Europa. Isso racha essa comunidade no meio — disse Amaury.
Na visão dele, a concepção original do Mercosul acabou. Agora, há uma grande incógnita.
— Se a Venezuela passa a integrar o Mercosul, qual é o modelo de futuro? Hugo Chávez não aceita as regras básicas de conformação do bloco, quais sejam: economia de mercado, uma área comercial para negociar com o mundo e democracia — diz Amaury Sobre a Coreia do Norte, Lampreia é direto: — O governo da Coreia do Norte é louco, louco de hospício.
Mas tem mísseis e bombas atômicas, o que é altamente perigoso. A comunidade internacional pode fazer muito pouco. O Conselho de Segurança pode aprovar quantas resoluções quiser, que eles não vão dar a menor bola. A única solução real é a China deixar de proteger discreta ou abertamente a Coreia do Norte.
O Brasil terá que lidar cada vez mais com questões globais, por isso, é melhor não cometer tantos erros.
Cesar Maia É a economia, estúpido?
A PESQUISA GPP de 16 e 17 de maio no Estado do Rio mostrou níveis de aprovação de Lula que nunca antes no Rio se havia visto.
Quando pesquisas nacionais apontavam níveis superiores a 70% (2008), a avaliação "ótimo-bom" de Lula na capital do Estado não chegava a 50%. Nessa última pesquisa, obteve no Estado 65% -na capital, 59%; na Baixada (popular), 74%; no interior industrial, 72%; no interior, 65%. As avaliações do governador permanecem entre 30% e 35%, apesar de feéricas campanhas publicitárias na TV, colagem em Lula e a boa vontade da imprensa local.
Lá se vão oito meses da crise econômica, com dados graves de desemprego, quebra de empresas e um futuro de incertezas. O Brasil, neste período, ficou entre os países com dados mais acentuados de queda na indústria, no PIB e no comércio exterior. Por que razão a máxima "é a economia, estúpido", de Carville (assessor de Clinton na época), que relaciona a economia à política não atingiu Lula? O indicador mais óbvio seria o desemprego, que afeta alguns diretamente e indiretamente os que temem o desemprego.
A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE pode ajudar. Sendo pesquisa, tem alguma margem de erro. Mas a série de muitos anos sempre foi incorporada como sinal dos fatos nas principais regiões metropolitanas e em seu conjunto. Compare-se a PME de abril, de 2008 e de 2009. Pessoas em idade ativa aumentaram 496 mil, ou 1,2%. Pessoas economicamente ativas (PEA), 148 mil, ou 0,6%.
E não economicamente ativas (Pnae) 348 mil, ou 2%. Em seguida, abram-se os elementos negativos da Pnea. As pessoas que gostariam e estavam dispostas a trabalhar diminuíram de 12,2% para 12%. As marginalmente ligadas às PEA cresceram de 4,6% a 5,2%.
As desalentadas diminuíram de 0,1% a 0%. A taxa de desocupação cresceu de 8,5% para 8,9%, mas, paradoxalmente, o percentual de pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas caiu de 3,4% a 3%. Vale dizer: a taxa efetiva de desocupação, somando o desemprego aberto com o emprego precário, ficou estável em 11,9%.
Questionar os números vis a vis da crise é infantil depois de tantos anos. Os trabalhadores metropolitanos irem para o interior? A lógica é o inverso. É provável que o Bolsa Família tenha reduzido a migração, e isso ajudaria a explicar os números. Passando à lógica política, talvez os discursos de Lula o situem como um protetor.
Isso explicaria até números piores e sua avaliação. O mais provável é que os números estejam certos e que os primeiros meses de desemprego estejam protegidos pela indenização, FGTS, seguro-desemprego e a esperança. Mas não explicam a avaliação crescente de Lula no Rio.
Dora Kramer A estiva da tropa
Publicado em 30/05/2009 | AGÊNCIA ESTADO – DORA.KRAMER@GRUPOESTADO.COM.BR
O líder do governo no Senado, Romero Jucá, tem um bom dilema pela frente. Cotado para assumir o posto de relator da CPI da Petrobras, o senador se adiantou à indicação oficial e não só aceita, como assegura total imparcialidade no exercício da função.
Essa é a parte mais fácil, a da mistificação. Frente a frente com a realidade, entretanto, Jucá terá de escolher: ou cumpre a promessa de ser imparcial e deixa a liderança do governo ou continua líder e deixa a imparcialidade para outra ocasião.
As duas mercadorias não cabem no mesmo pacote. Tivesse a neutralidade a mais pálida intenção de comparecer às sessões da CPI, a escalação do comando não seria a que se cogita. A escolha do líder do governo equivale a uma assinatura de compromisso com o resultado.
O mesmo ocorre com a ideia de a senadora Ideli Salvatti, líder do governo no Congresso, ocupar a presidência da comissão. Se confirmada, esperemos que a bem da verdade se abstenha de firmar compromisso com a isenção.
Mais não seja, para que não se extrapolem os limites do razoável no quesito embromação.
Ideli e Jucá são cogitados exatamente para prestar serviço à parcialidade. São líderes de governo, nomeados pelo Planalto, e isso define os contornos da atuação que o governo espera de sua base de apoio e o peso dado ao potencial de dano da CPI.
Sobre a relatividade da garantia proporcionada pelo controle do comando de uma CPI já se escreveu à vasta. Há disponíveis exemplos de comissões supostamente controladas que saíram do controle, mas não há registro de CPI cujo êxito possa ser atribuído ao fato de o presidente ou o relator serem de oposição.
Portanto, perfeitamente entendido que dois governistas por si sós não fazem um verão.Ocorre que a composição da CPI da Petrobras está obedecendo a critérios mais rígidos. E inéditos. Nunca se viu governo algum pensar em deslocar seus líderes no Senado e no Congresso para a linha de frente desse tipo de combate.
Justamente para preservar o ofício da liderança, de um lado, e, de outro, evitar a explicitação da presença do Executivo na direção da CPI. Mas aqui não há essa preocupação. Importam menos as aparências que a essência.
E de essencial o que existe é o plano de fazer a CPI fracassar. Custe o que custar, doa a quem doer.
O Planalto está suficientemente escaldado com experiências anteriores para se dar ao desfrute de fazer concessões à figuração. O senador Delcídio Amaral, do PT, e o deputado Osmar Serraglio, do PMDB, governistas, credenciaram-se no quesito impessoalidade ao comandarem a CPI dos Correios, cujo relatório final serviu de base à denúncia da Procuradoria-Geral da República contra os acusados de participar do esquema do mensalão.
Pois Delcídio foi parar numa terceira suplência da CPI da Petrobras e, fosse a comissão mista, o deputado Serraglio estaria fora, dado ter-se transformado em persona non grata nas hostes pemedebistas.
Os quatro senadores do PMDB que assinaram o requerimento da CPI – Jarbas Vasconcelos, Mão Santa, Geraldo Mesquita e Pedro Simon – nem sequer foram cogitados, embora tenham aptidões suficientes para participar. O problema é que seus atributos não são convenientes.
A tarefa adiante é dura, pesada e requer biografias compatíveis. Daí, a escalação da tropa de estiva comandada pelo líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, cuja influência na CPI se estende para além de seu partido.
E qual é o ofício? Simplesmente impedir que a CPI saia do lugar. Com o regimento interno na mão, uma ordem na cabeça, nenhum pudor nas faces e muita desfaçatez no espírito, a maioria tentará partir para a obstrução total: nada de requerimentos de informações (a não ser as irrelevantes), nada de depoimentos importantes, nada de quebra de sigilo. Nada de nada.
Brigas, desaforos, exacerbação artificial de ânimos, chicanas de toda sorte, isso haverá a mancheias, pois a meta é muita confusão e pouca investigação.
No Congresso, portanto, o campo está todo dominado. Isso assegura a falência da CPI? Não necessariamente, porque a imprensa o governo não controla, embora tenha tentado exercer o domínio por meio do malfadado Conselho Federal de Jornalismo, que teria a função de fiscalizar, regulamentar e disciplinar o exercício da atividade.
Resolveria os problemas de azia que acometem o presidente Lula quando da leitura de jornais e poderia se arvorar a prerrogativa de considerar qualquer notícia mais embaraçosa sobre os meios e modos de administração da Petrobras um ato de lesa-pátria a ser combatido a bem da soberania nacional.
Cão que ladra
A emenda que autoriza à disputa do terceiro mandato faz barulho, mas não morde. Se alguém porventura quiser que morda, precisará atuar à luz do dia porque casuísmo não sobrevive sem dono nem prospera no escuro.