O ESTADO DE S. PAULO
De livre e espontânea vontade o presidente Luiz Inácio da Silva só fala do que lhe interessa. Isso é sabido, provado e comprovado pelas inúmeras vezes em que se fez de surdo e mudo a respeito de temas da ordem do dia, cuja abordagem não julgou conveniente.
O caos no transporte aéreo levou meses e uma tragédia para receber a atenção presidencial em público. Do mensalão, só tomou conhecimento quando se fez necessário um porta-voz de peso para a defesa da tese do "todo mundo usa caixa 2", e assim, sucessivamente, evita terrenos acidentados.
Não obstante a impressão em contrário, Lula não joga conversa fora: só abre a boca quando julga que da fala tirará algum proveito. Na dúvida, prefere calar ou tergiversar.
No caso da doença da ministra Dilma Rousseff, o presidente não hesitou.
Sábado de manhã apareceu a primeira notícia sobre um tratamento de saúde a que ela estaria sendo submetida, de tarde a ministra deu entrevista explicando que se tratava de um linfoma em estágio inicial e, na segunda-feira, Lula já estava - Dilma a tiracolo - tratando do assunto em cima de um palanque em Manaus.
"Orem por ela", apelou ao público, enquanto pedia à candidata que olhasse bem aquelas pessoas e, delas, retirasse motivação para "ser forte" porque "esse povo vai precisar muito de você daqui para frente".
Mais cedo havia confirmado a candidatura de Dilma, ressalvando que a prioridade "zero" da ministra seria cuidar da saúde e a segunda prioridade "enfiar a cabeça nesse PAC", de preferência "sem faltar um só dia ao trabalho".
Transparência? Realmente, em matéria de mistura de doença com política, não poderia haver um desenho mais nítido do cenário que, contraditoriamente, chega ao público por meio de imagens turvas e versões confusas.
Por mais brando que seja o câncer, a quimioterapia é sempre um processo penoso, debilitante. Não é possível ao mesmo tempo o paciente submeter-se ao tratamento e "enfiar a cabeça" no trabalho 24 horas por dia, sem faltar nenhum dia, viajando o País para lá e para cá na plenitude das condições físicas e emocionais.
Claro que cabe à ministra e à equipe de médicos responsáveis pelo tratamento estabelecer os limites, assim como é saudável que Dilma seja alvo de manifestações de solidariedade e receba quantidades amazônicas de ânimo.
Agora, transformar a circunstância de uma doença em acontecimento político para acentuar determinados atributos do personagem em questão, a fim de obter os melhores dividendos de imagem e despertar sentimentos positivos de identificação, já soa a manipulação eleitoral.
Uma coisa é o político que se esconde na dificuldade, omite do público informações importantes sobre si. Outra - igualmente imprópria - é fazer disso um carnaval, administrando publicitariamente uma questão de saúde.
É levar ao paroxismo o lema segundo o qual o que não tem remédio remediado está e, portanto, que se faça do limão uma limonada seja quais forem os métodos empregados.
Obviamente, não há premeditação nem montagem de uma encenação. Mas, pelo que se viu do uso desabrido que Lula fez da história e pelo que se ouviu nas análises de gente do governo e do PT, uma vez constatado o problema começou a haver uma expectativa de se poder tirar dele o melhor proveito.
Se não, vejamos as declarações do ministro da Educação, Fernando Haddad, e do assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia.
"Imagino que a doença possa fortalecer a identidade da ministra com um projeto que se confunde com a superação das dificuldades do próprio País", disse Haddad.
"O comportamento de Dilma deve ser impactado muito favoravelmente na opinião pública", considerou Garcia.
Ambos fizeram coro à manifestação do líder do governo no Senado, Romero Jucá, que no dia anterior havia ponderado que, se a "questão" fosse "encaminhada positivamente", a doença acabaria reforçando "a imagem de que ela venceu a ditadura, a tortura e o câncer".
Como se vê, a obsessão eleitoral é tão presente, permeia tanto as ações do governo, que supera qualquer preocupação com a sutileza.
Não será uma surpresa se neste exato momento já não estiver em campo uma pesquisa de opinião para medir a temperatura do eleitorado frente ao episódio.
Haverá sempre quem argumente que política se faz assim mesmo, com todas as armas disponíveis, e que, no caso, apenas se buscou "encaminhar positivamente" um problema que poderia ter efeitos políticos negativos.
Verdade. Mas nesse caminho há sempre o risco de se ultrapassar as medidas e, em algum momento, bater de frente com os limites da sociedade nem sempre visíveis a olho nu.
Na última eleição municipal em São Paulo, por exemplo, os marqueteiros, os conselheiros e a candidata Marta Suplicy não viram que a insinuação contra o adversário era uma dessas barreiras e deram com os costados nela