sexta-feira, abril 24, 2009

O liberalismo sobrevive João Mellão Neto

Nós, liberais, temos agora o nosso Muro de Berlim. O mesmo impasse vivido pelas esquerdas em 1989, quando a barreira entre as duas Alemanhas foi derrubada e o comunismo, em consequência, implodiu, vivemos nós, agora, com a presente crise.
Explica-se.

Uma das principais bases da doutrina liberal é a fé, absoluta, no funcionamento dos mercados. Cabe a eles regular os preços e dar a cada um aquilo que é correto.

Pois a atual crise é um exemplo claro de que os mercados, deixados por si sós, nem sempre funcionam a contento. Nos países desenvolvidos, em especial, o que ocorreu foi uma bolha de euforia, na qual o sistema financeiro inchou e os valores dos ativos - imóveis, principalmente - descolaram-se da realidade. O que estamos presenciando é a dura volta à normalidade.

Pois é aí que reside o problema. O mercado não funcionou e, para o amargo regresso, foi necessária uma radical intervenção do Estado. O liberalismo econômico e seus fundamentos, dessa forma, sofreram um sério abalo. Algo impensável até um ano antes.

Eu me recordo de uma situação semelhante vivida pelo Japão no início dos anos 1990. Os preços dos imóveis, em Tóquio, estavam claramente acima do normal. Alguém se deu, então, ao trabalho de somar os preços de todos os imóveis do centro da cidade e chegou à seguinte conclusão: eles valiam mais do que o patrimônio imobiliário dos Estados Unidos inteiros.

Li a notícia, na época, e fiquei curioso para saber como é que esse problema se resolveria. Pois bem, em 1997 veio a crise dos países asiáticos e o Japão, em particular, entrou em grave recessão, da qual só sairia recentemente, mais de dez anos depois. Os ativos dos bancos japoneses, percebeu-se, eram todos superavaliados - podres, como se diz. A consequência foi a de que o povo local perdeu totalmente a confiança no seu sistema financeiro. As pessoas preferiam guardar o seu dinheiro em casa a aplicá-lo no mercado. Consumo, então, nem pensar. Foi, no mínimo, uma década de pesada recessão.

Fenômeno semelhante ocorre agora nos Estados Unidos e nos principais países europeus. E todas as demais nações sofrem com isso.

Mas os fundamentos liberais, apesar do abalo, não estão totalmente desacreditados.

O mercado falhou, é verdade. E o Estado, nos diversos países, foi chamado a injetar dinheiro pesado nas instituições financeiras e, assim, evitar a quebradeira geral.

Mas os fundamentos liberais, apesar desse abalo, insisto, não estão desacreditados.

Ainda se entende que a liberdade - a primeira aspiração universal - se traduz na crença no homem, no indivíduo. É crer que, no âmago de cada um, existe uma energia divina à espera de ser despertada.

Ainda se entende que os direitos de cada indivíduo não são concedidos pela sociedade nem outorgados pelo Estado, são divinos, sagrados, já que originados nas mãos de Deus.

Ainda se entende que a iniciativa privada será sempre mais eficiente do que o poder público na gestão de todo e qualquer empreendimento. O que se compreende, agora, é que o Estado deve estar sempre presente, exercendo o seu poder regulamentador. O seu papel é semelhante ao de um árbitro de futebol: ele apita, mas não joga.

Outro princípio liberal é o de que a igualdade - uma aspiração universal - não é conquistada pelo nivelamento das rendas ou pela padronização dos costumes. A verdadeira igualdade é a igualdade de oportunidades. E ela só se alcança pelo acesso, garantido a todos, a serviços eficientes de educação, saúde, segurança e justiça. É nessas áreas que o Estado deve concentrar o melhor de si. No mais, que cada um empenhe o melhor de si. Ser rico, portanto, não é pecado, como ser pobre também não é um estigma.

O liberalismo autêntico não prega o fim do Estado, nem sequer o seu enfraquecimento. Ele deve ser forte e eficaz, porque concentrado nas suas básicas funções.

O verdadeiro liberalismo, ao menos o autêntico, defende a tese de que a solidariedade, outra aspiração universal, será sempre inócua enquanto se fizer pelos outros aquilo que eles podem e devem fazer por si próprios. Nada de bolsas-esmola, portanto. Dê-se a vara para pescar, jamais o peixe. Uma ajuda efetiva só se dá quando se ajuda outrem a se ajudar por si próprio.

Cabe ao Estado, também, o papel de regular os mercados, buscando dar-lhes estabilidade e segurança. Outro princípio liberal inabalável é o de que o Estado deve, forçosamente, ser neutro e impessoal em suas ações. Ao Estado, portanto, é vedado estabelecer monopólios e oligopólios, criar reservas de mercado ou outorgar privilégios a quem quer que seja, sob que pretexto for. O Estado não pode, jamais, ser o instrumento de enriquecimento de alguns em preterição dos demais.

É assim que nós, liberais, entendemos o mundo. Foi com base nesses princípios que, nestas últimas décadas, centenas de milhões de indivíduos, em todos os cantos do mundo, lograram escapar do implacável círculo vicioso da miséria. E tudo isso se deu sem o menor viés assistencialista ou paternalista por parte dos Estados. Bastou para tanto que estes garantissem a todos a propriedade legítima dos bens que, honestamente, amealharam. E, também, que não os tolhesse, de forma alguma, em sua busca incessante da felicidade. Já que esta para cada um se configura de uma forma diferente.

Estes princípios, os princípios liberais, estão insculpidos, de forma indelével, nas rochas do tempo. Nada os apagará, por maiores que sejam os ventos das crises, dos desalentos e das incertezas.

Ruem os templos, soçobram os impérios, mas as sábias palavras, como as orações, estas sempre permanecem.