quarta-feira, abril 22, 2009

Nenhuma recuperação à vista Paulo Rabello de Castro

FOLHA DE S. PAULO

Há sinais, sim, de formação de pequenas bolhas, tanto em alguns produtos como para empresas na Bolsa

ENQUANTO os especuladores comprados comemoram a reviravolta positiva das cotações, que vem acontecendo com vigor desde meados de março, aqui e lá fora se especula sobre o fim da crise e o anúncio "oficial" da recuperação. É uma ilusão, e das perigosas, tanto para quem joga nos mercados como para os governos que estimulam a antecipada reversão de expectativas.

Não há nenhuma recuperação à vista. Mas há sinais, sim, de formação de borbulhas de preços, pequenas bolhas, como as produzidas no arremedo de recuperação em curso, em que diversos metais e produtos agrícolas, mas também empresas cotadas em Bolsa, voltam a apresentar oportunidades atraentes de ganhos rápidos, de comprar a valores deprimidos para vender, em seguida, faturando até dois dígitos de variação positiva.

Em 1930, também se deu o mesmo. Após o crash da Bolsa de Nova York, no fim de 1929, as cotações subiram pelo menos 30% no ano seguinte -o que corresponderia à posição atual- antes de despencarem realmente até o fundo do poço. Economistas brilhantes da época queimaram a língua (Irving Fischer matou até sua enorme reputação) ao prognosticarem uma recuperação que, de fato, não existia. O mesmo sucedeu com o festejado lorde Keynes, que, além de futurólogo frustrado, também perdeu uma fortuna de dinheiro dos seus desapontados clientes, como administrador de fundos de commodities.

Uma crise como esta é muito traiçoeira. Uma história tragicômica, que o amigo que me contou jura ser verdadeira, narra o final da vida de um matuto simpático do interior de São Paulo, que tomou -por engano- uma dose cavalar de formicida.

Levado às pressas para o ambulatório local, com sintomas graves de intoxicação, um médico experiente cuidou dele e, nas primeiras horas, o homem melhorou a ponto de querer ir embora.

O médico concordou, meio encabulado, deixando o envenenado partir, mas não sem avisar à mulher: "Faz uma festa de despedida para ele hoje à noite". A família fez a festa, mas para comemorar a recuperação do doente. Foi viola e gaita rolando a noite toda e o mais alegre era o matuto. No dia seguinte, "acordou" morto. O formicida lhe havia secado as entranhas.

Macabro, mas real. Esta é a vida que, nas suas voltas, nos prega muitas peças e não é diferente com o atual ciclo econômico -muito mais complexo- pelo veneno da dosagem excessiva de crédito com juros baixos demais, durante tempo demais, na era Greenspan. Os médicos da economia global estão agora tratando da doença com o próprio veneno, em doses nada homeopáticas, mas, sim, cavalares de liquidez.

Para ter uma pálida ideia, o déficit fiscal dos EUA deve superar a marca estratosférica de 13% do PIB em 2009, algo que não atingimos nem na pior de nossas recentes crises fiscais. O limite "recomendado" no tratado de Maastrich é de 3% do PIB. Com isso, a relação entre a dívida pública federal americana e o PIB saltará para 60%, com tendência a superar os 70%, talvez 80%. Por isso, já existem observadores atentos e experientes, como o professor Alan Meltzer, um dos maiores "experts" em economia monetária e história de crises financeiras, que apontam a "volta de inflação, com a força dos anos 70".

Aqui no Brasil, que fomos pegos apenas de tabela pelos efeitos do formicida financeiro, não poderíamos relaxar a guarda, como tem feito o governo, na meta fiscal, ao permitir que os gastos correntes continuem correndo muito acima da receita projetada, enquanto a arrecadação mostra haver ingressado no território das variações negativas. É o nosso tendão de aquiles.

Paulo Rabello de Castro, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.