Bastou que uma notícia não confirmada fosse divulgada por um blog nos Estados Unidos para que as bolsas de todo o mundo desabassem e dessem razão ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que avisara no fim de semana que não é hora ainda de otimismos exagerados, como o de anunciar que “o pior já passou”. O boato que ajudou a derrubar as bolsas indica que nada menos que 16 dos 19 maiores bancos americanos não teriam passado nos testes de estresse do governo americano, que visam a aferir a real situação dos bancos. Nos últimos dias, bancos como JP Morgan, Goldman Sachs, Citigroup, e ontem o Bank of America anunciaram lucro no 1º trimestre deste ano, mas há indicações de que essa seria uma situação temporária, causada por mudanças contábeis e pelas injeções de dinheiro que o governo de Barack Obama está despejando no sistema bancário como um todo, na tentativa de evitar uma nova quebra como a do Lehman Brothers, e não precisar estatizá-lo.
Recentemente, um trabalho do antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional Simon Johnson, hoje professor do MIT, publicado na Atlantic Monthly, analisa o “enorme poder político” do sistema financeiro, sobretudo nos Estados Unidos, e a dificuldade que isso impõe à solução da crise que seus próprios integrantes criaram, com o apoio implícito dos governos.
Os bancos estariam se recusando a reconhecer a exata dimensão de suas perdas, que os transformaria em empresas insolventes.
Essa recusa só aumentaria a crise, pois bancos “doentes” ou não emprestam, ou se arriscam em investimentos que podem pagar muito, mas que geralmente não valem a pena. Esse comportamento só ajudaria a piorar a crise e a situação dos próprios bancos, criando um círculo vicioso.
O jornalista Martin Wolf, considerado o mais importante analista econômico do jornal inglês “Financial Times”, analisando esse estudo de Simon Johnson, conclui que a solução da crise tem que contemplar uma reforma do sistema financeiro que, entre outros pontos, inclua a possibilidade de quebra de um banco, mesmo os que hoje são considerados “muito grandes para quebrar”.
E afirma que não haver a possibilidade de uma falência de um grande banco “não é capitalismo, mas socialismo”.
Este é um ponto interessante no momento atual, quando os papéis estão se invertendo com uma facilidade enorme e antigas crenças estão caindo por terra, embora a posição ideológica dos governos não tenha mudado.
A defesa do “Estado forte” como tese permanente, com base na necessidade de intervenção estatal momentânea que o mundo vive, é uma visão apressada de setores do governo brasileiro, vocalizada pelo próprio Lula em momentos mais entusiasmados.
Enquanto Lula defende a estatização dos bancos como solução, o presidente Barack Obama resiste à idéia, mesmo que muitos deles estejam praticamente “federalizados” nos Estados Unidos com o dinheirão que o governo vem colocando neles.
O novo governo dos Estados Unidos resiste a privatizar os bancos, o que seria uma quebra de paradigma fundamental, muito mais representativa de uma mudança do que as estatizações de bancos já ocorridas em países europeus, que têm tradição de bancos estatais.
A situação econômica é tão complicada, e sem uma saída clara, que pode vir do México, um país governado pelo conservador Calderón, uma das medidas mais drásticas já tomadas, o tabelamento do spread bancário e dos juros.
Quando o presidente Lula intervém na presidência do Banco do Brasil para forçar uma política de redução do spread bancário — a diferença entre os juros oficiais e o que um banco cobra por empréstimos —, demonstra que o governo brasileiro pode ir além nas medidas de intervenção no mercado financeiro, ainda mais se não for o primeiro.
Uma política intervencionista como essa que se antevê no México, com o governo definindo uma meta máxima para os juros, seria a mesma coisa que fixar os juros reais em 12% ao ano como fizeram os Constituintes de 1988 no Brasil.
O artigo constitucional nunca foi regulamentado e hoje estaria caduco se ainda vigorasse, pois a economia evoluiu nesses 20 anos. Com o controle da inflação e o equilíbrio fiscal, caminhamos para taxa anual que logo poderá chegar a 4% ou 5% reais.
Mas a possibilidade de tabelamento, num clima internacional que aceita toda medida heterodoxa para combater a crise, e mais um problema concreto como o da remuneração das cadernetas de poupança, está colocando o sistema financeiro brasileiro de sobreaviso.
Os bancos dependem do governo para que as regras das cadernetas sejam alteradas, para que os depósitos de renda fixa não sofram a competição da remuneração das cadernetas, que além de não pagar imposto de renda, passará a ser maior.
O interesse do governo coincide nesse caso, pois a remuneração de seus títulos tem que ser atrativa para os investidores. Ainda mais agora, que os gastos do governo já estão se mostrando incompatíveis com o equilíbrio fiscal, e o superávit primário teve que ser reduzido para fechar as contas de custeio.
A queda da arrecadação, provocada pela crise econômica e agravada pelas desonerações de impostos que o governo está fazendo, ameaça o equilíbrio das contas públicas, enquanto os seguidos aumentos reais do salário mínimo fazem com que o déficit do sistema previdenciário tenha subido no primeiro trimestre do ano.
São fatos que tendem a piorar a situação econômica neste ano em que o crescimento da economia deve ser negativo, e fazer com que entremos no ano eleitoral de 2010 em situação fragilizada.
Embora, pragmaticamente, medidas populistas possam trazer benefícios políticos imediatos para a candidatura oficial, prática que parecia ter sido superada. E nada mais popular do que tabelar juros.