FOLHA DE S. PAULO
Parece-me consistente a tentativa de testar juro nominais abaixo de 10% ao longo dos próximos meses
ESTÁ DE volta o debate sobre os juros de um dígito no Brasil. Temos nos aproximado gradualmente dessa marca. Os últimos dois ciclos de afrouxamento monetários são prova disso: em 2004, a taxa Selic atingiu 16% ao ano, e subiu; no de 2007, chegou a 11,25%, e subiu.
Na semana que vem, provavelmente o Copom colocará os juros na taxa mínima histórica de 10,25%. Mas o fato é que os velhos medos sempre retornam. Mesmo analistas racionais parecem novamente sucumbir a esse fetiche.
Para essa turma, seria uma irresponsabilidade cruzar esse Rubicão. A volta da inflação seria apenas uma questão de (pouco) tempo. Na busca de um argumento econômico que reforce esse entendimento pouco cientifico, dizem que os velhos obstáculos a juros mais baixos ainda estão presentes. Sem reformas abrangentes em nosso quadro institucional -que não foram feitas-, trazer o juro real para algo como 4% a 5% ao ano seria um salto no escuro. E apostam em uma inflação em alta já em 2010.
Não concordo com esse tipo de análise fatalista. O Brasil mudou muito nestes últimos anos, e o fantasma do passado não me assusta. O Banco Central divulgou recentemente as estatísticas de nossas contas externas. A dívida externa do setor público chegou a US$ 68 bilhões. Se adicionarmos a divida privada, chegamos a um total de US$ 192 bilhões, US$ 12 bilhões menor que as reservas. Nunca tivemos uma situação como essa no passado. Mudanças estruturais importantes ocorreram em razão do ajuste das contas externas. Em primeiro lugar, nossa moeda é hoje forte e confiável.
Basta acompanhar os relatórios de vários bancos internacionais para chegar a essa conclusão. Como moeda forte, o real tem hoje uma volatilidade civilizada, que permitiu uma crescente abertura de nossos mercados de bens nos últimos anos. Por isso, as importações têm hoje papel importante em diversas cadeias industriais, aumentando a oferta, arejando a concorrência e diminuindo o poder de fixação de preços das grandes empresas nacionais.
Em um mundo com uma enorme capacidade ociosa -inclusive no segmento de commodities-, essa capilaridade das importações afeta de forma positiva o comportamento dos preços industriais. A projeção do economista Fabio Ramos para o IPA industrial deste ano é de apenas 0,5%, apesar da desvalorização do real nos últimos meses. Mesmo o mercado de trabalho -que, para os economistas da minha escola de pensamento, representa um dos elementos principais na dinâmica de preços de uma economia de mercado- deve terminar este ano com uma folga razoável. Nossa previsão na Quest é uma taxa de desemprego próxima a 10% até o início de 2010.
Nesse cenário, o risco parece ser de inflação abaixo de 4% em 2010 e não há por que, a priori, descartar juros reais mais baixos. O Banco Central brasileiro já mostrou capacidade de julgar com eficiência os parâmetros da política monetária em seu mandato de manter a inflação dentro das metas. Por isso me parece consistente a tentativa de testar juro nominais abaixo de 10% ao longo dos próximos meses. Isso fará bem para a economia brasileira e pode -por que não?- destruir o fetiche.
Em algum momento, a inflação voltará a subir de forma incompatível com a meta -isso faz parte da dinâmica econômica- e, quando isso ocorrer, serei eu o primeiro a pedir juros mais altos.