terça-feira, abril 28, 2009

Imagem arranhada Merval Pereira


O GLOBO

Ao pedir ao povo que reze pela ministra Dilma Rousseff em um comício ontem à noite em Manaus, o presidente Lula deu início ao que pode vir a ser uma vergonhosa exploração da doença na campanha eleitoral.

Como era inevitável, a doença da ministra passou a ser o principal tema político do país, e partiu dos próprios petistas o sinal para que o tratamento do câncer entrasse para o rol dos fatores políticos ponderáveis na sucessão do presidente Lula. A própria ministra já colocara o tema na ordem do dia ao dar uma entrevista coletiva no Hospital Sírio-Libanês, no sábado, afirmando que, como todo brasileiro, está acostumada a enfrentar e superar desafios.

Foi uma sutil, mas eficaz, utilização da própria doença para ressaltar a figura pública que cultiva nos últimos meses, a de uma mulher lutadora, acostumada a vencer obstáculos pela vida.

Aliada à imagem de eficiente gestora pública à frente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está criada a figura pública que pretende se apresentar ao eleitorado como a candidata oficial do presidente Lula.

A doença, segundo os próprios petistas, só turbinará essa imagem. Duas figuras importantes do governo, o ministro da Educação, Fernando Haddad, e o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia deram declarações coincidentes.

Os dois disseram que a doença poderá ajudar na imagem da candidata Dilma Rousseff, sendo que Garcia chegou a aventar a hipótese de que a maneira como ela enfrentou o anúncio oficial da doença deve ter uma repercussão boa nas próximas pesquisas de opinião.

Ela, de fato, portou-se muito bem no anúncio da doença, com altivez e coragem, dando toda transparência sobre o caso e o tratamento. Não ficou claro em que momento ela anunciaria oficialmente a doença, se é que o faria, se o jornal “Folha de S. Paulo” não tivesse publicado a notícia na sua edição de sábado.

Também o presidente Lula, o criador da figura da ministra Dilma como “mãe do PAC”, disse que ela terá duas prioridades, aparentemente conflitantes entre si: cuidar da saúde e se dedicar mais ainda à execução do PAC, trabalhando até 24 horas.

Ora, com o consentimento da própria, tudo indica que está sendo armado um esquema em torno da doença da ministra Dilma Rousseff, provavelmente para controlar a tendência inevitável de setores políticos já começarem a especular sobre um eventual Plano B caso ela não possa prosseguir no papel de candidata oficial. Ou talvez para turbinar mesmo uma candidatura que ainda não decolou.

O fato é que a candidatura Dilma só se sustentava, mesmo antes da doença, no apoio incondicional do presidente Lula, que tirou do bolso do seu colete uma alternativa para o PT, que não tinha nenhum nome forte que se impusesse naturalmente.

Lula, com a perspicácia política que Deus e a vida lhe deram, jogou alto ao escolher um “poste” que tinha qualidades iniciais para serem exploradas: uma mulher, e ainda por cima gerente eficiente, o que se contrapunha de frente com uma das principais armas oposicionistas, a eficiência da gestão pública das administrações de São Paulo e Minas, governados pelos potenciais candidatos tucanos José Serra e Aécio Neves.

Não importa se por enquanto o PAC não deslanchou, o que vale é o imaginário que está sendo criado há mais de um ano pelo presidente Lula.

Em política diz-se que só existem dois fatos importantes: o fato novo e o fato consumado.

O fato novo é que a doença da ministra impedirá que sua candidatura se transforme, pelo menos nos próximos meses, em um fato consumado.

Durante o tratamento, a não ser que acelere esse processo só vislumbrado no momento de levar a doença para os palanques eleitorais, as negociações políticas ficarão congeladas oficialmente, mas nos bastidores começarão a surgir novas hipóteses.

O PMDB já começa a querer ter a cabeça de chapa caso a ministra não possa se candidatar, na presunção de que se todos no PT são “japoneses”, na definição do ministro José Múcio, e, se a “japonesa” do Lula não puder concorrer, não há por que improvisar outro “japonês”, seja ele Patrus Ananias (o pai da Bolsa Família?), Fernando Haddad ou Tarso Genro.

O PMDB se arvora em dar a cabeça da chapa mesmo sem ter um japonês melhor do que os do PT. Talvez sonhando novamente com o governador de Minas, Aécio Neves. Mas essa seria uma manobra política tão radical que é difícil se concretizar.

Precisaria que Aécio se desligasse do PSDB, que o PT aceitasse ser vice na chapa, e que o presidente Lula apoiasse formalmente um candidato do PMDB oriundo do PSDB e que nada tem a ver com o PT.

Os partidos aliados do governo, em sua imensa heterogeneidade, já começam a se dispersar devido à incerteza do futuro. Uma coisa é seguir na canoa de Lula, outra bem diferente é ter que mudar de canoa no meio da travessia, mesmo que Lula continue à frente do projeto.

Muito tempo já se investiu na criação da candidata Dilma, e o tempo se reduziu para que uma nova tentativa saída do zero eleitoral seja feita.

Se é alentadora a lembrança de vários políticos que venceram o câncer e continuaram com sucesso na política — Ronald Reagan e John McCain, nos Estados Unidos, François Mitterand na França, o ex-governador Orestes Quércia, em São Paulo —, é preciso lembrar também que todos eles tinham uma história política consolidada, o que não é o caso da ministra Dilma Rousseff, que, com a ajuda do presidente Lula, está tentando montar uma figura política que nunca foi testada nas urnas e nem se submeteu ao estresse de uma campanha presidencial.

E que pode ter sua imagem arranhada se se concretizar estratégia de exploração eleitoral da doença que a acomete.