domingo, abril 19, 2009

FERREIRA GULLAR Pálido de espanto


Não dava para acreditar que a relação entre o nosso planeta e o Sol não se repetisse no universo

QUANDO, AOS 13 anos de idade, um professor me falou da teoria de Laplace acerca da origem do sistema solar, minha vida mudou. Mudou o mundo que eu conhecia, que se tornou fascinante e espantoso: uma gigantesca massa de fogo, rodopiando no espaço cósmico, soltara pedaços ígneos que ficaram girando em torno dela, esfriaram e se converteram em planetas, e um deles era este em que vivemos. Descobrira o cosmo e, a partir de então, minha curiosidade só cresceu com os anos.
Não é que tenha passado a ler sem parar sobre o assunto, que não é esse o meu feitio. O que mudou foi que, a partir de então, deixei de viver num mundo que parecia ter sido assim desde sempre, para encará-lo como algo em transformação, um conjunto de sol e planetas, que surgira talvez por acaso. E mais do que isso, deixei de ser apenas o habitante deste planeta para me sentir habitante do universo. Por enquanto, não sabia ainda das galáxias com seus bilhões de estrelas.
A verdade é que o universo se tornou uma preocupação minha. Ao tomar conhecimento de que só na Via Láctea havia tantos sóis, me perguntei se não poderia haver, girando em torno deles, algum planeta igual ao nosso, habitado como o nosso.
Já considerava estranho o fato de que, em nosso sistema solar, apenas a Terra parecia ter vida, já que os outros planetas mais próximos do Sol eram quentes demais e os mais distantes, frios demais. Então, a vida era o resultado de uma feliz coincidência e só existiria na Terra? Não dava para acreditar que essa relação que existe entre o nosso planeta e o nosso Sol não se repetisse em nenhum outro ponto do universo, possibilitando a existência de seres vivos. E como seriam os habitante desses outros planetas? Os filmes de ficção científica tentam responder a essa pergunta inventando "homens" parecidos conosco, terráqueos, com ideias semelhantes.
Com a teoria da relatividade, de Einstein, nossa visão mudou ainda mais, o tempo tornou-se material, como o espaço, relativo e curvo como ele, por efeito dos corpos que o ocupam. Depois descobriu-se que o universo está em expansão permanente, com galáxias voando em seus limites a bilhões de anos-luz de distância. E, se ele se expande, é que, no começo, era pequeno e concentrado, aliás, pequeníssimo, dizem que do tamanho de uma bola de tênis.
Bem, aí discrepo, como diria o nosso saudoso Antônio Houaiss. Se é verdade que existem bilhões de galáxias contendo trilhões de estrelas, num universo que tem a dimensão de, sei lá, 13 ou 18 bilhões de anos-luz, ou seja a distância que a luz percorreria à velocidade de 300 mil km por segundo, durante todos esses bilhões de anos, bem, não dá para acreditar que toda imensidão de matéria e espaço estaria contida numa bola de uns poucos centímetros de diâmetro. Pode até ser verdade mas, que me desculpem os físico-matemáticos, uma tal hipótese me parece tão implausível como a de que a Terra seria uma mesa sustentada por quatro elefantes brancos.
Mas teorias são teorias e eu sou mais chegado à hipótese de que o universo sempre existiu, já que, na minha desautorizada opinião não científica, a outra hipótese, de que um dia não havia nada, essa me parece absolutamente absurda. Não consigo pensá-la, sequer. Nem eu nem eles. Apoiam-se em hipóteses matemáticas.
Já deve o leitor ter percebido que o Universo é um problemão na minha cabeça. Evito pensar nele porque, quando o faço, caio na fossa. É que ele é grande demais e, então, sinto-me -eu e a humanidade inteira- insignificante, uma microscópica ocorrência eventual numa vastidão espacio-temporal impossível de conceber. E fora do Universo? Não, não pode haver fora, pois ainda seria ele. É o dentro sem fora! E há quem afirme que este é apenas um dos muitos universos que existem, constituídos talvez de anti-matéria, regida por outras leis físicas...
E, como se não bastasse, pense só: a estrela que se encontra mais perto de nós está a 25 anos-luz de distância, ou seja, viajando a 100 mil km por hora, uma nave levaria 8 milhões de anos, para alcançá-la. Quando se considera que o Homo sapiens terá surgido há cerca de 100 mil anos, a conclusão inevitável é que o Universo é, a um tempo, real e fora de alcance. Lembra-me aquela porta de uma história de Franz Kafka, que estava aberta para ninguém entrar por ela. Não obstante, caberia imaginar que ele nos criou apenas para ser visto e pensado? Ou é tudo por acaso?
Mas basta! Melhor é me entregar à alegria desta manhã de sol que invade minha sala.