FOLHA DE S. PAULO
Está na hora de o Brasil fazer uma proposta inovadora: o estabelecimento de limites para déficits em conta corrente
ESTAMOS na véspera da reunião de cúpula do G20. Qual deve ser o papel do Brasil nela?
Deveremos desempenhar um papel que nunca teve real êxito -o de intermediário entre os países ricos e os demais países de renda média que adotam políticas econômicas mais nacionalistas, como a China e a Índia? Deveremos nos aliar a esses países? Apoiar as medidas visando maior regulação dos mercados financeiros -algo sobre o qual já existe um razoável consenso mundial?
Concentrarmo-nos em pedir maior participação do Brasil nos fóruns internacionais? Ou existe alternativa mais criativa, que reflita experiência e implique contribuição brasileira para a crise?
Se optarmos pela última alternativa, a proposta fundamental deve ser a da limitação dos déficits em conta corrente. Se existe uma recomendação universal de prudência em relação ao déficit do setor público, se o Tratado de Maastricht estabelece para os países da União Europeia um limite de 3%, por que não estabelecer limites acordados internacionalmente também para os déficits em conta corrente -ou seja, para os déficits dos países?
Em vez de caminharem nessa direção, os países ricos estão dando grande ênfase ao aumento do capital do FMI (Fundo Monetário Internacional). Repetem, assim, sua política de incentivar os países em desenvolvimento a se endividarem -a incorrem em déficits em conta corrente e, assim, "crescerem com poupança externa". Depois das crises de balanço de pagamentos dos anos 1990, muitos países em desenvolvimento aprenderam que essa política era absurda, que grande parte dos recursos externos acaba indo para o consumo devido à apreciação do câmbio e ao aumento artificial dos salários. Verificaram que mesmo os investimentos diretos provocavam uma elevada taxa de substituição da poupança interna pela externa na medida em que causavam valorização cambial.
Por isso, principalmente os países asiáticos dinâmicos desvalorizaram suas taxas de câmbio, passaram a ter superávits em conta corrente e deixaram o FMI sem clientes. Mas apenas por algum tempo, porque, de um lado, a pressão dos países ricos para que os países em desenvolvimento recorram a seu capital é forte, e, de outro, porque a tentação dos políticos e dos empresários de usar recursos externos "baratos" é grande. Por isso, alguns países desavisados situados principalmente no leste da Europa incorreram em elevados déficits em conta corrente e agora estão obrigados a recorrer ao FMI.
Os países em desenvolvimento já pagam verdadeiras fortunas aos países ricos para remunerar sob a forma de lucros e juros investimentos que pouco ou nada representam em termos de promoção de seu desenvolvimento econômico e, principalmente, causam a substituição da poupança interna pela externa. Diante desse fato, o lógico do seu ponto de vista é realizar pequenos superávits em conta corrente de forma a gradualmente reduzir as remessas de lucros e juros ou então compensá-los com receitas derivadas de investimentos no exterior.
A reunião do G20 é uma excelente oportunidade para colocar essa proposta. O presidente Lula teve uma viagem exitosa aos Estados Unidos, onde tratou de igual para igual o presidente americano. Não chegou a oferecer auxílio, como fazem os chineses, mas quase. Agora está na hora de o Brasil fazer uma proposta simples, positiva e inovadora que muito contribuirá para a diminuição da instabilidade financeira mundial: o estabelecimento de limites para os déficits em conta corrente.