quarta-feira, março 25, 2009

Populismo Merval Pereira

O GLOBO

O presidente Lula continua na firme disposição de passar otimismo para a população, negando a gravidade da crise econômica, como se essa atitude pudesse mudar as coisas. No mesmo dia em que a pesquisa Focus realizada pelo Banco Central com os agentes econômicos reduzia a expectativa de crescimento do PIB no ano para pouco mais que zero, o presidente fazia uma de suas famosas metáforas, dizendo que "cabra macho" não deixa de trabalhar por causa de uma gripe qualquer.

O problema é que a crise não é uma simples gripe, e o diagnóstico do presidente pode levar o "cabra macho" a não se cuidar adequadamente.

Talvez o presidente Lula imagine que a economia voltará a crescer no segundo semestre, como, aliás, preveem os economistas, e esteja jogando com isso.

Essa parece ser a maldição dos presidentes, e mesmo Barack Obama, que começou o governo disposto a mudar a maneira de fazer política em Washington e teve a coragem de avisar ao eleitorado que a situação "iria piorar antes de melhorar", agora está anunciando, sem que nada indique isso, que já vê uma luz no fim do túnel e que o pior já passou.

Talvez os dois sejam apenas políticos populistas, cada qual a seu modo.

Uma parte da edição de ontem circulou sem a coluna em que registrei minha viagem à Antártica, que motivou o interesse dos leitores como poucos assuntos ultimamente.

Por problemas climáticos, nosso regresso da Estação Comandante Ferraz a Punta Arenas, no Chile, na segunda-feira à noite, foi atrasado, nada que saia da rotina daquela parte do mundo, onde o tempo muda em questão de minutos.

Mas foi uma aventura inesquecível, em que deu para avaliar a dificuldade em que vivem e trabalham os 15 membros permanentes da base brasileira e os pesquisadores de diversas universidades que lá estão, em períodos que podem levar até um ano.

Devido aos ventos fortes foi impossível, num primeiro momento, deslocarmo-nos de helicóptero da base brasileira até a base chilena, a única com pista de pouso e decolagem, onde nos esperava o Hércules da FAB.

Fomos para o navio oceanográfico Ary Rongel, à espera de uma "janela de tempo" para a viagem de helicóptero até a base Presidente Eduardo Frei.

Os ventos fortíssimos, que chegavam a 40 nós, impediam o voo dos helicópteros e faziam com que a temperatura, em torno de 3 graus positivos - afinal, ainda estamos no verão lá - se transformasse numa sensação térmica de 13 graus negativos.

Em compensação, a viagem de navio nos proporcionou assistir a um pôr do sol dos mais belos, o céu cor de rosa contrastando com as imensas geleiras azuis de tão brancas.

É provável que o relato de uma saga brasileira vitoriosa seja mais interessante para a média dos leitores do que os constantes desmazelos de nossa vida política e institucional.

E a história brasileira na Antártica é sem dúvida um exemplo de sucesso, a tal ponto que, ao regressar lá, depois de 20 anos, o almirante de esquadra Álvaro Luiz Pinto, comandante de Operações Navais, caiu no choro feito criança, na sua própria descrição.

Ver de perto a força desse projeto já é emocionante para qualquer brasileiro, e muito mais para quem, como ele, pode comparar a evolução de um programa que a Marinha brasileira coordena desde 1983, quando foi criado o Programa Antártico Brasileiro (Proantar).

O Brasil só ratificou o Tratado da Antártica em 1975, 14 anos depois de vigorar, e a primeira expedição científica foi realizada em 1982-83, no navio de apoio oceanográfico Barão de Teffé. Também o Navio Oceanográfico Prof. Wladimir Besnard, do Instituto Oceanográfico da USP, teve participação de vital importância nas primeiras expedições.

A Estação Comandante Ferraz foi inaugurada no ano seguinte e, da instalação pioneira, com 120 metros quadrados em oito contêineres, surgiu o complexo atual que ocupa 2.300 metros quadrados com nove laboratórios, três de múltiplo emprego e outros dedicados a pesquisas em campos específicos: dois à biologia, um à química, três de ciências da atmosfera.

A comemoração dos 25 anos da estação Comandante Ferraz coincide com o final do quarto ano polar internacional, que teve a participação de 50 mil pesquisadores de todo o mundo, representando 63 países.

Dos 227 projetos conjuntos que estão sendo realizados, dez são coordenados por pesquisadores brasileiros, seis dos quais estão sendo realizados nos laboratórios da estação brasileira.

Além das universidades federais do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, que citei ontem, também a Universidade Federal Fluminense está patrocinando uma pesquisa, através de seu departamento de geologia, sobre as implicações geológicas e biológicas da separação entre a Antártica e a América do Sul, e de que maneira essa separação afetou o comportamento climático global.

A viagem à Antártica nos permitiu também tomar contato com uma rara história humana de dedicação à profissão e a um projeto.

O personagem dessa história é uma senhora de 85 anos conhecida por todos como Tia Alice, que coordena os serviços de bordo das aeronaves brasileiras desde 1989.

Como aeromoça da Varig, ela foi designada para fazer os voos da FAB para a Antártica como parte da parceria da empresa brasileira no Projeto Antártico.

Ela hoje dá graças a Deus que seu pedido de treinar taifeiros e sargentos da Marinha e da Aeronáutica para o serviço não tenha sido nunca atendido.

Com o fim da Varig e a aposentadoria, Tia Alice continuou fazendo o serviço como voluntária, e é conhecida por todos pelo boné em que prega orgulhosamente um pinguim para cada voo que faz. Já tem mais de 160