O ESTADO DE S. PAULO
O ex-ministro e deputado cassado José Dirceu foi escalado pelo presidente Lula para percorrer 10 Estados, conversar com políticos do PT e de partidos aliados e negociar acordos para construir um variado leque de alianças regionais capaz de eleger Dilma Rousseff em 2010, informa a jornalista Vera Rosa em matéria publicada no Estado na última quarta-feira. Com iniciativa e incentivo de Lula e aprovação de Dilma e do PT, Dirceu retoma a função que lhe coube na campanha presidencial de 2002: acertar com aliados partidários condições e compromissos para costurar Brasil afora um amplo apoio político à candidata petista.
A missão de Dirceu é forçar o PT a abrir mão de candidaturas próprias em favor de outros partidos, sobretudo o PMDB, quando isso facilitar uma aliança que fortaleça o palanque eleitoral de Dilma. O ex-deputado tem experiência no assunto. Fez isso nas eleições de 1998 e de 2002. Em 1998 apoiou Anthony Garotinho no Rio de Janeiro, que logo apelidou o PT de "partido da boquinha". Em 2002 os acordos fechados nos Estados foram mais amplos do que uma simples parceria política. Para apoiar a candidatura de Lula os aliados passaram a exigir e conseguiram o que queriam: o PT assumiu o compromisso de financiar parcela considerável dos gastos de campanha.
Os métodos usados por José Dirceu nessas negociações foram revelados ao País em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, que o levou à cassação e à condição de réu em processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, entre surpresa e decepcionada, a Nação tomou conhecimento de que a campanha eleitoral de 2002 e, depois, o apoio partidário no Congresso foram sustentados por um esquema comandado por Dirceu (como denunciou o ex-deputado Roberto Jefferson) e operado pelo publicitário Marcos Valério e pelo tesoureiro do PT Delúbio Soares, com a cumplicidade de muitos outros. A Dirceu coube a tarefa de acertar com os partidos aliados a distribuição de cargos no futuro governo e de boladas de dinheiro em pagamento de despesas com a campanha.
Ora, se os partidos da base aliada continuam os mesmos fisiológicos que só falam o monocórdio idioma da vantagem e foram flagrados pelo mensalão trocando apoio político por dinheiro e cargos, teria agora Dirceu algo de diferente a oferecer? Curioso e sintomático é Delúbio Soares pressionar pela revogação de sua expulsão do PT justamente no momento em que é dada a Dirceu a autoridade para negociar acordos políticos, em clara indicação de que a ele estão reservados poder e liderança na futura campanha eleitoral de Dilma. Afinal, mais do que o perdão, Dirceu é premiado com a volta ao poder, passaporte para reprisar métodos usados em 2002. E a Delúbio, que ali teve o papel coadjuvante de mero executor de decisões, sobrou a implacável punição da expulsão irremediável, do ostracismo no PT? E se o PT decidir manter a expulsão e, em represália, Delúbio resolver aderir ao programa de delação premiada, como fez Marcos Valério, e revelar fatos ainda desconhecidos que compliquem a vida de Dirceu e de outros do PT?
Nem tanto a oposição, que parece ter abdicado de seu papel, mas o País e os eleitores veem em José Dirceu um telhado de vidro excessivamente comprometedor. Se vierem a ser confirmadas, sua presença e sua liderança no comando da campanha de Dilma têm tudo para levantar um longo rastro de suspeitas que pode prejudicar seriamente o desempenho eleitoral da candidata. E ela que não esqueça: se eleita for, os acordos de distribuição de cargos e dinheiro podem ser fechados por Dirceu, mas caberá a ela cumpri-los.
Quando se trata de corrupção e práticas ilícitas, o presidente Lula e o PT têm uma surpreendente tendência a repetir erros. Ignoram, desprezam o julgamento que a população faz dos fatos e cinicamente reabilitam companheiros suspeitos. Assim foi com os seus deputados "mensaleiros", com os "aloprados" do falso dossiê tucano, com os suspeitos de desvio de dinheiro das prefeituras do interior de São Paulo, com os fraudadores do Ministério da Saúde e com José Dirceu. E aí Delúbio Soares pergunta: por que só eu de bode expiatório?
Pacote de habitação - O programa de casas populares lançado pelo governo recebeu variadas críticas: é eleitoreiro, não tem compromisso de prazo, não ajuda a atravessar o pior momento da crise. Mas tem uma inédita qualidade: é focado na população pobre e não mais na classe média. Agora, se é viável e vai dar certo, o futuro dirá.