domingo, março 29, 2009

G20: em busca de uma nova ordem



Lucila Soares

Lefteris Pitarakis/AP

MÃOS À OBRA
O local onde se realizará a reunião do G-20, em Londres: reforma do FMI em pauta



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A duração da crise financeira internacional e a profundidade de seu impacto sobre a economia real ainda dividem opiniões. Mas é cada vez mais forte o consenso de que 2008 entrará para a história como o ano que pôs em xeque os pilares da ordem mundial instituída ao final da II Guerra Mundial. Esta crise, por ser a primeira verdadeiramente global, veio demonstrar cabalmente a precariedade dos poucos mecanismos internacionais de regulação financeira. E deixou claro que os organismos criados em meados do século XX para reconstruir um mundo arrasado pela guerra não dão conta das complexas necessidades do mundo globalizado deste século XXI. Essa constatação está no centro das discussões da reunião do G-20, que se realiza em Londres nesta semana. Os representantes das vinte maiores economias, que respondem por 85% do produto interno bruto mundial, já estabeleceram, em novembro, alguns princípios que deverão nortear as reformas necessárias. O desafio agora é transformar esses princípios em ações concretas.

A maior dificuldade reside no desenho de um mecanismo internacional de monitoramento financeiro e na construção de um arcabouço regulatório que impeça, ou pelo menos torne mais remoto, o risco de uma crise de proporções devastadoras como a que se iniciou no ano passado. A questão é de alta complexidade. No campo político ela foi enfrentada a sério, pela primeira vez na história da humanidade, depois da II Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). A missão principal da ONU era clara: evitar a eclosão de uma III Guerra Mundial. Sob esse exclusivo ponto de vista, a entidade foi bem-sucedida. A ideia de criar uma ONU das finanças que impeça a explosão de uma nova crise econômica mundial é, no entanto, inviável. O primeiro obstáculo deriva do fato de que uma entidade como essa teria de passar por cima da soberania das nações e ter poderes regulatórios sobre a política econômica e a atividade bancária de cada nação. Impedir uma crise econômica mundial é muito mais difícil do que impedir uma guerra mundial. Se a guerra é coisa séria demais para ser deixada a cargo dos generais, a verdade é que a economia continua a cargo dos economistas. Talvez por essa razão os grandes fóruns internacionais encarregados de assuntos econômicos sejam excelentes tecnicamente e, ao mesmo tempo, os mais fracos e os de menor poder deliberativo ou de persuasão. Caso emblemático é o da Organização Mundial do Comércio (OMC), que, apesar do sucesso em algumas pequenas arbitragens pontuais, nunca conseguiu colocar de pé um mecanismo consensual de trocas de amplitude planetária.

Andre Dusek/AE

DE QUEM É A CULPA?
Lula com o primeiro-ministro Gordon Brown: a crise foi feita pelos "homens brancos de olhos azuis"

As questões econômicas encontram obstáculos até em fóruns regionais. A União Europeia é um bom retrato do desafio. Tem 27 países em diferentes estágios de desenvolvimento, atingidos de forma desigual pela crise. E um banco central que enfrenta enorme dificuldade para fiscalizar e regular convenientemente esse conjunto. Isso num bloco que começou a ser organizado há mais de meio século, em 1957. Imagine-se no mundo inteiro, e num momento difícil como o atual. Ainda que fosse possível criar um mecanismo central tão poderoso, isso não seria desejável. O excesso de regulação tende a inibir a criatividade dos mercados, mas, ao longo da história, teve impactos positivos. O melhor exemplo é a criação do mercado de ações, que, apesar de ter como regra a instabilidade a curto prazo, viabilizou, a longo prazo, o crescimento das empresas e a distribuição de seus lucros.

A tendência predominante agora é fortalecer as instituições internacionais existentes – e não partir para a criação de um novo organismo. A regulação financeira mundial poderia ficar a cargo do Fórum de Estabilização Financeira, ligado ao BIS, que é o banco central dos bancos centrais. O fórum acaba de ter sua composição ampliada, para incorporar os países emergentes. A ideia é que, com essa configuração, ele ganhe legitimidade para recomendar aos chefes de estado dos países do G-20 a adoção conjunta de um arcabouço regulatório mínimo. Seriam estabelecidos princípios e acordos de adesão voluntária pelos países, porém sem mecanismos de intervenção em caso de descumprimento de acordos. Cogita-se também a adoção de instrumentos de incentivo para premiar com crédito mais abundante os países que demonstrarem maior adesão às normas gerais de governança do mercado financeiro.

Para o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas, com toda a certeza alguma regulação mundial nova haverá, mas ela será bem menos ambiciosa do que seus defensores imaginam. Diz Langoni: "Os princípios devem ser poucos e sólidos, sem a visão excessivamente ambiciosa que surge sempre em momentos de crise aguda". Em linhas gerais, esses princípios são dois:

• Abrangência: toda e qualquer instituição financeira – bancos, corretoras, fundos de investimentos – tem de estar sujeita ao mesmo marco regulatório.

• Transparência: toda e qualquer empresa ou instituição financeira tem a obrigação de informar claramente os investidores sobre seus produtos e sua situação financeira. Os balanços devem registrar todas as operações que possam significar risco às instituições.

Evaristo Sa/AFP

EXPECTATIVA POSITIVA
Henrique Meirelles espera avanços na reunião do G-20


A outra vertente fundamental da reunião do G-20 é a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI), para atender às necessidades de financiamento das nações emergentes. Existem poucas dúvidas de que, mesmo sendo considerado por seus críticos um órgão burocrático e pouco funcional, o Fundo é um organismo que foi aparelhado ao longo dos últimos cinquenta anos para financiar reformas mundo afora. Hoje ele está subdimensionado. Seus 250 bilhões de dólares são uma gota no oceano das necessidades dos momentos de crise mundial. A ideia é elevar seu poder de fogo para pelo menos 500 bilhões de dólares. Para muitos analistas, 1 trilhão de dólares ainda seria pouco. O mais provável é que se fique no meio do caminho, em 750 bilhões de dólares.

Mesmo nesse assunto, em que existe mais concordância do que divergência, no en-tanto, há dificuldades. O tema torna-se espinhoso quando a discussão entra no mérito de quem vai contribuir com quanto. Os países emergentes não aceitam discutir o desembolso sem que seja aprovada a mudança na estrutura de poder do FMI. Ainda assim, o presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, está otimista em relação à reunião do G-20. Ele disse a VEJA acreditar que este é um bom momento para avançar na construção de uma nova ordem financeira mundial: "Sempre se aprende algo nas grandes crises. Bom exemplo é o Brasil, que sofreu com a quebra de grandes bancos em 1995 e criou uma sólida estrutura de fiscalização a partir daí".