segunda-feira, março 30, 2009

Brancos e negros Carlos Alberto Sardenberg

O ESTADO DE S. PAULO

Quando o presidente Lula afirmou que a crise foi criada por brancos de olhos azuis não estava querendo dizer que todos os banqueiros do mundo rico são brancos de olhos azuis. Pelo menos parecia apenas uma figura de expressão.

Mas, cobrado, Lula acrescentou que não conhecia nenhum banqueiro negro. Aí é uma baita falta de informação, sobretudo porque um banqueirão negro, Stanley O?Neal, era uma das estrelas de Wall Street e foi considerado um dos principais responsáveis pela crise. Tanto que perdeu o emprego de presidente (CEO) do Merrill Lynch.

Além disso, está no cargo de presidente do Citigroup o indiano Vikram Pandit, que está longe de ser branco.

Mas deixemos isso de lado. Na verdade, o que importa é a tese sustentada por Lula e que pode ser assim resumida: os pobres são sempre vítimas da globalização; os ricos se beneficiaram da globalização e criaram a crise; e agora os ricos passam a conta para os pobres, fazendo com que a crise seja maior para estes lados - e a expressão "pobres" aqui resume países, pessoas, negros, índios e todas as minorias.

De tudo isso, a única coisa certa é que a crise começou no coração do sistema, em Wall Street, nos Estados Unidos, e no mundo rico. O resto é falso.

O Brasil, por exemplo, se beneficiou largamente da globalização recente.

Nossas exportações saltaram de US$ 60 bilhões em 2002 para quase US$ 200 bilhões no ano passado. No período 2006/08, as empresas brasileiras levantaram nada menos que R$ 430 bilhões com a emissão de ações, debêntures, notas promissórias e recebíveis.

A maior parte desse dinheiro veio de fora, lá da ciranda financeira, e foi aplicada em usinas de açúcar e álcool, exploração de petróleo, construção de casas, financiamento de automóveis e por aí foi, gerando renda e emprego.

De outro lado, a crise é muito mais severa no mundo desenvolvido. Praticamente todos os países ricos estão em recessão, há desemprego e perda de renda. Lá é tsunami, como disse o próprio Lula, acrescentando que a coisa por aqui seria uma "marolinha".

Naquele momento, quando se tratava de afastar o espectro da crise, Lula defendia tese exatamente contrária: a crise era dos ricos e lá ficaria. Agora que a crise chegou aqui e não é marolinha, e agora que os índices de popularidade dão os primeiros sinais de perda, a estratégia do presidente é corrigir essa mancada com um discurso que transfere toda a responsabilidade para os ricos.

Claro, portanto, que foi um discurso para fins internos. A mensagem: nós aqui fizemos e estamos fazendo tudo direitinho, mas esses brancos estão estragando tudo e querem nos impor um desastre. Ou seja, um culpado externo.

Funciona para fins de propaganda, mas não para governar. Mesmo que a crise venha de fora, o impacto aqui, maior ou menor, depende das ações do governo.

No que se refere à política externa, a acusação aos brancos de olhos azuis não ajuda em nada uma diplomacia que pretende firmar o Brasil como protagonista das medidas globais para a solução da crise.

Tudo considerado, é um mau sinal para a reunião do G-20 - grupo que reúne os países mais ricos do mundo e economias emergentes -, em Londres, no início de abril. Se esse é o discurso brasileiro, está claro que daí não sai nada.

Por exemplo: como combinar isso com o discurso contra o protecionismo e, pois, por mais globalização?

Perda de tempo - Discutir, neste momento, uma nova regulação para o sistema financeiro mundial, incluindo a criação de uma nova moeda para substituir o dólar, é um enorme desvio de tarefa.

Ouvi outro dia, não me lembro mais onde, uma ótima frase: é como dizer ao paciente que está na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) que ele precisa parar de fumar. Se o G-20 se concentrar nisso, pode esquecer.

Solução para os ricos - Um dos motores da economia mundial tem sido a relação entre Estados Unidos, o shopping center do mundo, e China, a fábrica do mundo. Alguns acrescentam: e a Índia, o call center.

Muitos economistas sustentam que se trata de um desequilíbrio fatal, pois exige que o país rico gaste mais do que tem para que o sistema funcione. Ao mesmo tempo, esse país rico fica endividado e acaba sendo financiado pelos países exportadores, especialmente a China, com os dólares que ganharam vendendo para os Estados Unidos.

Para desfazer esse sistema, é preciso que os ricos americanos gastem menos e poupem mais. Tudo bem. Já são ricos, cresceram bastante, o padrão de vida é elevado, o consumo de alimentos é alto e não custa nada apertar um pouco o cinto.

Mas e os outros que dependem de vender para os Estados Unidos e para os países ricos em geral?

Vão vender menos, claro, e, portanto, gerar menos empregos e renda. Mas esses países emergentes precisam crescer aceleradamente.

Bom, dizem os economistas, basta que esses países, hoje poupadores, passem a gastar mais internamente.

Mas são pobres, não há como substituir o consumidor americano. Ou seja, esse tipo de conversa leva a uma estabilização nos países ricos e perda de crescimento nos emergentes.

Digam, por favor - Do economista e ex-secretário do Trabalho do governo Clinton Robert Reich à revista Newsweek, de 13 de outubro do ano passado: "O que ainda existe são dois tipos de capitalismo: o capitalismo autoritário, como na China e em Cingapura; e o capitalismo democrático, como nos Estados Unidos e na Europa. Se alguém aí tem uma ideia melhor, estou certo de que o mundo adoraria ouvi-la."