sábado, fevereiro 28, 2009

Real baixeza Dora Kramer

O ESTADO DE S. PAULO

A retirada da proposta de substituição de diretores da Fundação Real Grandeza abafa, mas não resolve esse obscuro caso do fundo de pensão dos funcionários de Furnas.

Por um triz não se deflagra uma greve inusitada e potencialmente explosiva para o governo Luiz Inácio da Silva: de um lado, os sindicalistas, a base social; de outro, o fisiologismo da base política.

O presidente interferiu em cima do laço. Como sempre, ao sentir o desagradável aroma do desgaste a rondar sua excelsa pessoa.

Mas, lamentavelmente, para o objetivo de transformar o dito em não dito, Lula não agiu a tempo de evitar que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, abrisse a O Globo o coração.

"Isso é uma bandidagem completa! Esse pessoal está revoltado porque não quer perder a boca. O que eles querem é fazer uma grande safadeza", disse ele ao jornal em defesa das mudanças na diretoria do fundo de pensão preconizadas pela direção de Furnas, empresa integrante do robusto patrimônio federal do PMDB.

Com aqueles argumentos, o ministro pretendia esclarecer que os funcionários de Furnas estavam equivocados ao enxergar motivações político/fisiológicas na pressão "de cima" para a troca de diretores.

A mudança vinha sendo tentada desde o fim de 2007, já provocara a renúncia de seis conselheiros da fundação, mas nunca tivera maior repercussão nem merecera atenção especial do Palácio do Planalto.

Tanto que, quando os funcionários marcaram protestos e paralisações para ontem, dia da decisão sobre as alterações, Lula chamou o ministro a fim de "entender melhor a situação".

Pela decisão do presidente de suspender a reunião do conselho, Edison Lobão não conseguiu convencê-lo de que se armava "uma grande safadeza".

O próprio Lobão ao sair do encontro com Lula já falava na necessidade de cotejar razões de parte a parte para "encaminhar a solução com tranquilidade".

Mas o presidente Lula preferiu a celeridade das decisões políticas e mandou informar os funcionários sobre a retirada da proposta ontem mesmo, antes da reunião do conselho deliberativo.

Suspenderam os protestos, o ministro calou-se, mas sobraram as acusações lançadas à ação do ventilador. Continuam lá, paradas no ar.

Da parte do ministro, a afirmação peremptória sobre a urdidura de uma "bandidagem completa".

Da parte da Associação dos Funcionários de Furnas, a convocação, por escrito, dos protestos contra "atos inescrupulosos que ameaçam o patrimônio da fundação em nome de interesses políticos para a campanha eleitoral de 2010".

Resumo do embate: o maior partido da coalizão governista, cogitado para compor a chapa da sucessão, é acusado de tentar tomar de assalto o fundo de pensão de Furnas para alimentar caixa 2 da campanha e, no revide, chama os controladores do fundo de safados defensores das respectivas sinecuras.

A interferência do presidente teve o poder de conter uma guerra de extermínio, mas não teve o condão de absolver autores de "atos inescrupulosos", não erradicou o foco da "bandidagem" nem fez os contendores se sentirem na obrigação de se retratar.

Ficou tudo como estava. Naquela nada santa obscuridade que até hoje deixa o respeitável, e pagante, público sem explicação sobre o que queria dizer exatamente o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ao apontar "ineficiência" e "corrupção" na Fundação Nacional de Saúde, também sob a gerência do PMDB.

O mesmo terreno sombrio por onde transitou o partido para obter a presidência de Furnas retardando nas mãos do deputado Eduardo Cunha o relatório da CPMF na comissão especial da Câmara, em 2007.

Pântano tão caudaloso quanto o descortinado pelo senador Jarbas Vasconcelos sob os pés do partido, atolado em suas contradições e, ainda assim, silencioso, temeroso, indefensável, mas protegido, cerimoniosamente reverenciado e, portanto, devidamente autorizado.

Essa maneira de resolver problemas imediatos varrendo as coisas para debaixo do tapete a médio e longo prazos vai banalizando as denúncias e firmando a convicção de que a "maracutaia" outrora condenada agora compensa.

Carta da mesa

Em março do ano passado, o então primeiro-secretário da Câmara, Osmar Serraglio, distribuiu aos companheiros de bancada do PMDB uma carta denunciando as ações dos deputados Eduardo Cunha e Leonardo Picciani, ambos da seção do Rio de Janeiro, na Comissão de Constituição e Justiça.

Segundo o relato feito por ele, Picciani e Cunha montaram um "balcão de negócios" a partir do comando da CCJ, onde se revezavam para "manipular relatórios de projetos de interesse do governo em troca de cargos no Executivo e de posições importantes do Legislativo".

Ninguém deu bola: nem partido, nem governo, nem direção da Casa, nem o governador Sérgio Cabral Filho nem parlamentares de outros partidos - notadamente do PT - que viviam reclamando da dupla pelos cantos.