Com a volta de Sarney e cia. ao comando do Senado, Lula reafirma a continuidade do conservadorismo de coalizão
O SENADO é a nossa Câmara dos Lordes. Não vamos nos impressionar com a palavra "lordes" e suas associações fantasistas com as ideias de finura e primor. Basta-nos lembrar o caráter anacrônico da coisa. Mas de que modo o Senado estaria fora de seu tempo? Difícil dizer que a nossa Câmara Alta do Parlamento seja um resquício disfuncional porém inócuo, que sobrevive devido à inércia ou a uma tradição quase inofensiva. Se fosse assim irrelevante, a disputa pela sua direção não demandaria tantos recursos políticos (e outros) além de punhaladas morais nem o envolvimento dos mandantes de turno e futuros, presidentes e governadores.
A mais recente eleição para a presidência do Senado representa, porém, mais uma homenagem ao atraso, mas não à memória de caciques e coronéis. Não se trata de um ritual, mas da renovação do atraso -não de um tipo de dominação política que sobreviveu do passado, como se uma parte do país não tivesse superado um "estágio" da história, como se isso fizesse sentido. "Atraso", porém, é aqui uma espécie de julgamento político, para não dizer moral. O acordo que permite a reeleição contínua de oligarcas ou neoligarcas é um pacto nacional que permite relegar ao infortúnio da miséria e da ignorância partes enormes do país.
No momento em que era anunciada a eleição do novo presidente do Senado, o senador José Sarney, do PMDB do Amapá e do Maranhão, a seu lado estava o senador Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas, um dos articuladores da renovação do atraso. Desde 1995, da "era da modernidade do Real", até o final do presente mandato, 2011, Sarney e Calheiros terão governado o Senado em 10 de 16 anos. Os outros 6 anos ficaram a cargo do falecido senador Antonio Carlos Magalhães (então PFL, hoje DEM, da Bahia) e de Jader Barbalho, do PMDB do Pará.
Alagoas e Maranhão lideram os rankings nacionais do infortúnio social. Pará e Bahia não aparecem muito melhor na foto. A divisão desproporcional de cadeiras do Senado (em relação ao eleitorado) e o domínio político de Estados pobres poderiam significar uma tendência constitucional de redistribuição de poderes. O desequilíbrio econômico e social tenderia a ser compensado pela maior influência, no governo, dos representantes dos Estados pobres. Mas o resultado do equilíbrio é um pacto duplamente conservador.
As diretrizes maiores das políticas econômica e social são definidas por elites do Sudeste. Em troca, as caciquias ganham autonomia para manter infortunar seus feudos e uma casquinha nas benesses estatais. De resto, os representantes maiores da caciquia ganham títulos de grandes eleitores (cabos eleitorais). Esses baronatos (ministérios, postos no Legislativo etc.), fornecem fundos para a aquisição de bases políticas, alugadas nas eleições presidenciais.
O governo Lula 2 começou com um pacto que reconheceu a importância do PMDB para a "estabilidade" -por instabilidade entenda-se o risco de crise política e até de impeachment, pois a maioria luliana de nada serviu para avançar leis importantes. Com o auxílio do governo ao maior partido da caciquia, completa-se a "pax luliana" e reforça-se o padrão de governo brasileiro: o conservadorismo de coalizão.
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