sábado, fevereiro 28, 2009

A indústria brasileira de games

O Brasil entrou no jogo

Formada em universidades, a indústria brasileira
de games cresce, diversifica-se e atrai a atenção
de multinacionais do setor


Jacqueline Manfrin

Montagem sobre fotos de Eduardo Marques/Tempo Editorial e divulgação
CRIADOR E CRIATURA
Na montagem, Tarqüínio Teles, o idealizador do Taikodom, ao lado de personagem do jogo: o projeto teve parceria com uma empresa de capital de risco e com a IBM

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O empresário Tarqüínio Teles, de 38 anos, levou dez anos e superou barreiras consideráveis para abrir um negócio pouco usual no Brasil. Ele é o criador do Taikodom, jogo para computadores no qual os participantes – hoje perto de 10 000 – montam setenta variações de personagem virtual e usam quarenta modelos de nave para disputar uma ininterrupta batalha on-line. A criação pode ser definida como um misto de Second Life, o mundo dos avatares na internet, com a série Guerra nas Estrelas, do cineasta George Lucas. O significativo é que, para dar vida ao projeto, Teles conseguiu um aporte de 15 milhões de reais, feito por uma companhia de capital de risco, a Idee Tecnologia, com sede em São Paulo. Esse tipo de parceria movimenta há décadas a indústria americana de inovação tecnológica, mas é raríssimo por aqui. Paralelamente, o empresário associou-se à IBM e desenvolveu um sistema inédito de computação para o Taikodom. Em outros jogos on-line, mesmo em best-sellers como World of Warcraft, com 11 milhões de pessoas inscritas, os participantes são separados em grupos de até 500 000. Nunca todos os jogadores estão simultaneamente no mesmo ambiente on-line. É isto que o sistema desenvolvido para o Taikodom permite – o combate de todos contra todos, ainda que sejam milhões de participantes. "Agora, queremos popularizar o nosso jogo em outros países. Nosso maior alvo é a Ásia, onde as pessoas adoram esse tipo de game", diz Teles, um carioca radicado em Florianópolis.

O Taikodom é o jogo mais ambicioso já criado no Brasil, mas não se trata de um caso isolado. Embora incipiente, há um claro avanço de empresas nacionais sobre o mercado mundial de jogos eletrônicos, que movimenta 42 bilhões de dólares por ano em todo o mundo – no ramo do entretenimento, só perde para o cinema, com receita anual de 90 bilhões de dólares. Pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames), que reúne 42 companhias, indica que a produção nesse setor cresceu 14% no Brasil no ano passado. O faturamento passou de 76,7 milhões de reais, em 2007, para 87,4 milhões, em 2008. O avanço mais expressivo deu-se na exportação de softwares de jogos: somava 5,8 milhões de reais em 2007 e quase dobrou no ano seguinte, alcançando 11,3 milhões.

Mirian Fichtner
PARQUE DIGITAL
Estúdio da Southlogic, em Porto Alegre, comprado pela multinacional Ubisoft: doze pessoas criaram o Wedding Designer (à dir.), um sucesso com 700 000 cópias vendidas

A formação de uma indústria de jogos digitais está diretamente associada ao desenvolvimento de polos de pesquisa tecnológica no país. Esses centros, quase todos ligados a faculdades de prestígio, consolidaram-se a partir do ano 2000. Foram eles que forneceram a mão-de-obra necessária para a criação de games. Em muitos casos, também ofereceram a infraestrutura básica para a abertura dos negócios, nas chamadas "incubadoras" de empresas. Nesse esquema, a universidade cede o espaço físico, os computadores, as linhas telefônicas e as conexões com a internet até que a firma se mostre viável e possa seguir com as próprias pernas. Entre os polos de maior destaque estão os de São Paulo e Campinas, que cresceram à sombra da USP e da Unicamp, o Porto Digital de Recife, que abriga perto de 120 companhias de software, e outros espalhados por Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis e Belo Horizonte. "Quando as companhias se concentram em algumas áreas, fica mais fácil trocar informações e atrair investidores", diz André Penha, vice-presidente da Abragames. Guardadas as proporções, condições semelhantes formaram o Vale do Silício, na Califórnia, a área com maior concentração de mentes e companhias ligadas à tecnologia do planeta. A região abriga centros acadêmicos como Stanford, CalTech e a Universidade da Califórnia.

O conhecimento técnico dos programadores nacionais tem muito a evoluir, mas chama a atenção de multinacionais. No país, existem perto de 600 profissionais atuando na criação de jogos eletrônicos. A francesa Ubisoft, uma das quatro maiores companhias do mundo em games, com títulos como Rayman e Assassin’s Creed, abriu uma filial no Brasil em julho de 2008. Em janeiro deste ano, comprou um estúdio de desenvolvimento de jogos eletrônicos localizado em Porto Alegre, o Southlogic. O valor do negócio não foi revelado, mas a empresa gaúcha se destacou ao criar um joguinho moldado para meninas, o Imagine: Wedding Designer. O game é usado no console portátil Nintendo DS. Com o software feito no sul do país, as meninas organizam todos os detalhes de um casamento. Escolhem a roupa da noiva, o tipo de cerimônia e planejam a festa. O Wedding Designer já vendeu 700.000 cópias. Está entre os 100 jogos mais comercializados no mundo para o DS da Nintendo. É um sucesso produzido por um grupo de doze pessoas. Em outros países, games semelhantes mobilizam equipes de até 200 pessoas.

No mundo dos jogos eletrônicos, é ampla a liderança da indústria americana, com pouco mais de um terço do mercado global. O Brasil (com menos de 1%) concorre diretamente com países do Leste Europeu, além da China e da Índia. "Nessa disputa, o fator cultural pode favorecer os brasileiros", diz o francês Bertrand Chaverot, diretor da filial nacional da Ubisoft. Explica-se: o conceito de um jogo internacional como o Wedding Designer é razoavelmente simples de ser desenvolvido no Brasil. Aqui, um casamento, em essência, é semelhante ao mesmo tipo de cerimônia realizada nos Estados Unidos e na Europa. "Tal similaridade não ocorre com chineses e indianos", acrescenta Chaverot. De acordo com o executivo, essa proximidade cultural e o número potencial de consumidores do país trouxeram a companhia francesa ao Brasil.

Divulgação

PRONTO PARA A BRIGA
O Zeebo, console brasileiro da Tectoy e da Qualcomm: além da concorrência, o desafio é vencer a pirataria

Entre os entraves para o crescimento da indústria brasileira de games, a pirataria é um fator de grande impacto. Nove em cada dez jogos e consoles vendidos no país são ilegais. Por meio da inovação, contudo, outra empresa brasileira, a Tectoy Digital, julga ter encontrado uma fórmula para escapar dessa dificuldade. A companhia com sede em Campinas, no interior de São Paulo, firmou uma parceria com a gigante americana Qualcomm, de telecomunicações, para a produção do Zeebo, console brasileiro de games. O aparelho foi apresentado no mês passado em Barcelona, numa das maiores feiras internacionais de tecnologia móvel, o Mobile World Congress 2009. Ele deve chegar às lojas no segundo semestre e custará 600 reais – no Brasil, um PlayStation 3 sai, em média, por 2 200 reais (ou 1 600 reais no mercado negro). O Zeebo não usará CDs. Os jogos serão baixados da internet por uma rede sem fio também usada por telefones celulares. O Zeebo embute uma boa ideia, tem um preço competitivo e uma tecnologia de downloads que até o momento se mostrou bastante segura. Mas ainda terá de passar por dois testes de fogo: os hackers fanáticos por games e a concorrência, que pode imitá-lo. Se vencer esses desafios, tenderá a se transformar num novo e importante impulso para a indústria de games no Brasil.

Barbárie é pouco

Divulgação
INDIGNAÇÃO
Cena do RapeLay com as personagens que devem ser estupradas

Há poucos adjetivos para expressar a indignação com a qual foi recebido no mês passado o jogo RapeLay, criado pela produtora japonesa Illusion, de Yokohama. No game, a tarefa dos jogadores é estuprar uma mulher e suas duas filhas adolescentes numa estação de metrô. As meninas são descritas como estudantes virgens. Alguns efeitos tecnológicos, como lágrimas nos olhos das meninas, acrescentam requintes de crueldade às cenas. E ainda ganha pontos quem induzir as personagens a um aborto. Lançado em 2006 e restrito a consumidores japoneses, o jogo sobreviveu incólume no limbo das perversões do mundo digital. Ganhou destaque quando o jornal Belfast Telegraph denunciou a venda do RapeLay pela Amazon. Depois disso, vieram os protestos e a loja on-line anunciou que banira o jogo do site. A Illusion é especialista – ou reincidente – nesse ramo. No game Biko 3, de 2004, o personagem principal deveria conquistar uma garota. Se não conseguisse, poderia estuprá-la.