terça-feira, fevereiro 17, 2009

Em busca do prestígio perdido Merval Pereira


O Globo - 17/02/2009

Dois movimentos não ligados entre si, mas com objetivos semelhantes, realizados por políticos experientes acostumados a identificar o sentimento dos eleitores e dispostos a abrir o debate sobre temas delicados que ficam soterrados pelas conveniências imediatistas da pequena política, prometem sacudir a pasmaceira de um Congresso dominado pelo pensamento governista. De um lado, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) abriu seu coração para a revista "Veja", falando em público o que a imprensa denuncia regularmente, muitos políticos comentam em privado e ele próprio vinha dizendo reservadamente há bastante tempo: a angústia de ver o partido que ajudou a fundar e que foi sinônimo de excelência política, símbolo da resistência à ditadura, transformar-se num agrupamento político corrupto e fisiológico, movido a cargos e verbas públicas.

Do outro, o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), incomodado com o que chama de "partidocracia", buscando através de uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pode ser julgada já na próxima quinta-feira antes do carnaval, uma valorização dos parlamentares dentro dos partidos para que eles tenham um papel mais relevante no jogo político que não o de meros espectadores dos acordos da cúpula partidária.

Curiosamente, os dois fazem parte de partidos da chamada "base parlamentar" do governo Lula, uma coalizão tão grande quanto disforme de partidos de vários e conflitantes matizes ideológicos, que só têm o interesse eleitoreiro a uni-los, uma grande geléia-geral onde o debate político deu lugar ao fisiologismo e ao clientelismo, todos dependentes do grande líder carismático, que os anula, mas recompensa com fatias do Estado e expectativa de poder.

A entrevista de Jarbas Vasconcelos não parece ser o primeiro lance de uma série bem montada de ações do senador, como muitos chegaram a pensar, e muito menos deve ser tomada como um movimento político com vistas à sucessão presidencial.

Duas vezes governador de Pernambuco, um dos políticos mais importantes do Nordeste, região hoje amplamente dominada pelo lulismo, o senador Jarbas Vasconcelos é adepto da candidatura do governador de São Paulo José Serra, mas não precisaria dar uma entrevista bombástica para tentar dividir o PMDB, levando um pedaço dele para a candidatura tucana.

O incômodo com a atuação de seu partido o fez desabafar em público, na esperança, disse ontem, de que o debate aberto leve a uma revisão de comportamento.

Mesmo que não tenha a intenção de sair do PMDB, como reafirmou, o senador pode ter reacendido em muitos políticos a inquietação com a situação atual dos partidos. Seu desabafo pode ser o estopim para uma eventual reorganização partidária.

A consulta do deputado Miro Teixeira abre essa possibilidade, embora também não tenha sido feita com essa intenção. O que o deputado quer é dar mais dignidade aos políticos dentro de seus partidos, para que eles possam aspirar a posições mais relevantes do que simplesmente serem caudatários de acordos de cúpula que os transformam em moeda de troca.

A "partidocracia" consolidou-se, na opinião de Miro Teixeira, quando o TSE decidiu que os mandatos pertenciam aos partidos e não aos eleitos. Ele fez algumas perguntas diretas ao TSE que, espera, dará chance ao tribunal de rever aspectos da decisão anterior que produzirá, na sua visão, um mal muito grande à política brasileira no longo prazo, esterilizando o debate político e dando às direções dos partidos poder de vida e morte sobre seus parlamentares.

Miro se utiliza do voto do ministro Joaquim Barbosa, que perguntou: "(...) não deveria haver um mecanismo para examinar a percepção do eleitor quanto à fidelidade do partido político pelo qual se elegeu o candidato tido por insurgente às diretrizes fixadas por ocasião do pleito?" e lança uma dúvida, numa situação que ocorre com frequência nesse Congresso emasculado:

"(...) se, em tese, o partido "A" organizar Bloco Parlamentar, na Câmara dos Deputados, com os partidos "B" e "C" adversários da chapa ou coligação com que se apresentou ao povo, nas respectivas eleições parlamentares ou na eleição presidencial, está configurada a hipótese de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, que permite ao parlamentar deixar a sigla sem perder o mandato? E na hipótese de o partido ocupar cargos e integrar governo de coalizão, com o adversário vitorioso?".

O deputado pedetista também explora a possibilidade de criação de novos partidos e pergunta "em que momento os deputados que decidirem participar da fundação de partido político têm que deixar o partido pelo qual se elegeram, com a proteção da Resolução nº 22.610/2007 do TSE?".

Ele pergunta também se a resolução do TSE reconhece ao novo partido fundado por deputados federais "os mesmos direitos aplicáveis a novo partido resultante de fusão", prevista na legislação eleitoral brasileira.

E cita também o parágrafo 6º do Art. 29 da Lei 9.096, de 1995, que proporcionou a criação do PSDB como dissidência do PMDB, para saber se os partidos que eventualmente nascerem com base na resolução do TSE terão os mesmos direitos.

Importante em termos práticos, pergunta se os deputados que formarem um novo partido político levam com eles os votos para definir o tempo de televisão e a divisão do Fundo Partidário.

A consulta de Miro Teixeira dá ainda um toque de modernidade à formação de um novo partido, perguntando se o TSE aceitará o preenchimento da ficha partidária "meio eletrônico", isto é, o uso da internet na criação de partidos, o que daria abrangência muito maior à representação partidária.

Como se vê, alguma coisa se move abaixo da capa de subserviência com que o Poder Legislativo acerta sua convivência com o Poder Executivo.