Em esforço para unificar os católicos, o
papa perdoa bispos ultraconservadores.
Seria um problema interno da Igreja, não
fosse um deles abertamente antissemita
Duda Teixeira
Fotos DPA/Zuma Press e Andreas Solaro/AFP |
DA VELHA ESCOLA Williamson, que nega o holocausto: ele ainda terá de se submeter à autoridade do papa (à dir.) |
João Paulo II é lembrado como o papa que olhou além de seu rebanho e encantou pessoas de todas as fés e latitudes. Bento XVI talvez venha a ser citado pelos historiadores pelo comportamento oposto. O papa não liga muito para os sentimentos de pessoas de fora da comunidade católica. No sábado 24, ele cancelou a excomunhão de quatro bispos de um grupo ultraconservador, a Sociedade São Pio X. Eles tinham sido excomungados por João Paulo II em 1988, depois de ordenados bispos por Marcel Lefebvre. Também excomungado, esse arcebispo francês foi o chefe da reação tradicionalista à modernização promovida pelo Concílio Vaticano II, nos anos 60. Seria um assunto interno da Igreja, não fosse um desses bispos, o inglês Richard Williamson, um notório antissemita. Em novembro, em uma entrevista pela televisão, ele negou a existência do holocausto e, de quebra, sugeriu que os Estados Unidos teriam orquestrado os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Os protestos entre os judeus foram imediatos, ameaçando o futuro de meio século de diálogo judaico-católico. Os rabinatos de Israel e da Alemanha suspenderam encontros agendados com o Vaticano. Bento XVI demorou quatro dias até expressar "completa e indiscutível solidariedade" com o povo judeu. O intrigante é a aparente despreocupação do papa em relação ao impacto de suas ações. Não é a primeira vez que ele percebe tarde demais que poderia ter sido mais cuidadoso em assuntos que envolvem outras confissões religiosas. Em 2006, enfureceu os muçulmanos citando críticas ao Islã feitas por um teólogo medieval. Um ano depois, reintroduziu a missa em latim, incluindo a prece pela conversão dos judeus.
A controvérsia da semana passada demonstra as prioridades do papa. Ele está mais focado na doutrina interna do que nas relações com o mundo. O ramo de oliveira estendido aos bispos tradicionalistas é um esforço teológico para superar o único cisma na Igreja Católica no século XX e reunificar seu rebanho. Os quatro bispos (o quinto excomungado, Lefebvre, morreu em 1991) ainda passarão por uma sabatina antes de ser completamente integrados à Igreja Católica. Terão de declarar sua fé e reconhecer a autoridade do papa. Caso não torne mais discreto seu antissemitismo, Williamson poderá sofrer sanções ou ser afastado. Mas, de muitas formas, trata-se de uma vitória da ala mais conservadora do catolicismo. Até agora, a Sociedade São Pio X não deu sinal público de que pretenda rever sua rejeição ao Vaticano II. Reabilitar os lefebvristas pode fazer sentido na estratégia pastoral de Bento XVI. Mas, ao tentar arrumar a própria casa, o papa acabou incomodando os vizinhos.
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