O GLOBO
NOVA YORK. O diagnóstico feito pelo presidente Barack Obama em seu discurso de posse, de que a economia dos Estados Unidos "está gravemente enfraquecida" em consequência da "cobiça e da irresponsabilidade de alguns, mas também de nosso fracasso coletivo em fazer escolhas difíceis e preparar o país para uma nova era", pode ser traduzido por alguns números que mostram que a distribuição de renda na maior economia do mundo está piorando desde a década de 1970, situação que se agravou na era Bush que se encerra. Ao mesmo tempo, nunca o país produziu tantos milionários. Desde 1995, o número de milionários dobrou nos Estados Unidos, atingindo mais de oito milhões de pessoas ou grupos familiares.
Os 20% mais ricos detêm metade da renda nacional, enquanto cabem aos 20% mais pobres apenas 3,4% desse mesmo total. Os Estados Unidos hoje são o país que tem a pior distribuição de renda entre os integrantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 30 das maiores economias do mundo democrático: os 10% mais ricos da população têm uma renda média anual, calculada pela paridade do poder de compra, de US$87.257 enquanto os 10% mais pobres têm renda de US$5.819.
Embora a renda média mensal de US$4.017 seja a maior dos últimos cinco anos, as distorções são grandes. O grupo dos 1% mais ricos ganha 63 vezes mais que o dos 20% mais pobres. O grupo de "extrema pobreza", com pessoas que ganham até US$5 mil anuais cresceu 26% desde o ano 2000 e, mais grave, cresce mais do que o grupo de pobres.
Apesar de, na média, os americanos de maneira geral terem melhorado economicamente, a desigualdade também cresceu. Um levantamento feito pelo presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Ben Bernanke, mostra que, desde 1947, a hora do trabalhador americano aumentou mais de 200%. No mesmo período, a renda per capita aumentou 270%, e o consumo per capita outros 280%.
No entanto, reconheceu Bernanke, a desigualdade da distribuição de renda cresceu nas últimas três décadas. Em termos reais, o ganho médio da população cresceu cerca de 11% entre 1979 e 2006, mas, no mesmo período, o rendimento dos 10% mais pobres cresceu apenas 4%, e o dos 10% mais ricos cresceu 34%.
As razões para essa disparidade seriam o progresso tecnológico favorecendo o trabalho qualificado; o aumento de importações de bens intensivos em trabalho não-qualificado; a imigração de trabalhadores de baixa qualificação; e o enfraquecimento dos sindicatos. O fato é que a parcela da renda nacional para lucros corporativos cresceu mais que a renda do salário.
Ao fazer seu diagnóstico da situação da economia, o presidente Barack Obama ressaltou que "o sucesso de nossa economia sempre dependeu não apenas do tamanho de nosso Produto Interno Bruto, mas do alcance de nossa prosperidade", retomando princípios básicos da sociedade americana: oportunidade o mais igual possível para todos; resultados da economia não podem ser distribuídos igualmente, mas devem ser correspondentes à contribuição de cada pessoa; e cidadãos têm que ter um mínimo de garantia contra adversidades econômicas, especialmente as que surgem em consequência de eventos fora do controle dos cidadãos.
Obama destacou a importância do trabalho - "Nossa jornada nunca foi de tomar atalhos ou de nos conformar com menos. Não foi um caminho para os fracos de espírito, para os que preferem o lazer ao trabalho, ou buscam apenas os prazeres da riqueza e da fama" - e definiu os valores que, para ele, fazem o sucesso - "trabalho duro e honestidade, coragem e justiça, tolerância e curiosidade, lealdade e patriotismo" - como "coisas antigas, (...) coisas verdadeiras".
Quando falou mais diretamente na crise do mercado financeiro, Obama admitiu que seu "poder de gerar riqueza e expandir a liberdade é inigualável", mas alertou que "sem um olhar vigilante, o mercado pode sair do controle - e que uma nação não pode prosperar por muito tempo quando favorece apenas os prósperos".
O jornalista do "Wall Street Journal" Robert Frank, que detectou o surgimento nos Estados Unidos de uma classe dos super-ricos, resultante dos anos de euforia econômica, registrou em seu livro "Richistão", um país fictício que abrigaria os novos ricos, que "nunca antes tantos americanos ficaram tão ricos tão rapidamente".
Por volta de 2004, por exemplo, os 1% mais ricos acumulavam US$1,35 trilhões por ano, mais do que a renda nacional da França, da Itália ou do Canadá. Outro dado exemplar dessa fase de euforia e distorção: em 1985, existiam 13 bilionários nos Estados Unidos. Em 2006, eles eram 400 e, a partir de 2007, para entrar na lista dos 400 bilionários americanos da "Forbes", o mínimo é US$1,3 bilhão, o que significa que há mais pessoas ganhando entre US$1 e 3 bilhões. Fora os que não se identificam, que seriam cerca de mil pessoas.
A quebra do megainvestidor Bernard Madoff, num golpe avaliado em US$50 bilhões, levou a crise econômica para dentro do "Richistão", e até as condições em que se permitiu que ele permanecesse em prisão domiciliar em seu apartamento luxuoso do Upper East Side de Manhattan demonstram as regalias permitidas aos muito ricos: pagou uma fiança de US$10 milhões e custeia todo o sistema de segurança a que está submetido, desde os guardas até o monitoramento de televisão e a pulseira eletrônica de vigilância a distância.
O baque nos muito ricos já se faz sentir, embora de maneira seletiva. Nos últimos dias, várias reportagens mostram que os aluguéis de jatos particulares foram drasticamente reduzidos - os muito ricos estão viajando mais de primeira classe -, os lugares mais caros nos teatros e óperas estão sendo trocados por outros, menos visíveis, os melhores restaurantes continuam cheios, mas os vinhos mais caros já não são pedidos com tanta facilidade.
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