Retração da economia e seca no crédito mundial fazem
empresas cancelar projetos de investimento no Brasil
Benedito Sverberi e Cíntia Borsato
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O ritmo dos investimentos representa um indicador vital da perspectiva de um país crescer continuamente. É graças ao aumento na capacidade de fabricar mais mercadorias e aos ganhos de produtividade que uma economia consegue avançar, a longo prazo, de maneira sólida e sem inflação. Foi justamente a retomada dos investimentos, com uma expansão superior a 10% nos últimos dois anos, que permitiu a aceleração do crescimento brasileiro. Uma fração expressiva dos recursos aplicados em novos projetos, no entanto, foi financiada com dinheiro externo. Apenas em 2008 o Brasil recebeu 45 bilhões de dólares na forma de investimentos estrangeiros diretos, um recorde. Mas, depois que a crise financeira secou as linhas de crédito internacionais, os empreendedores passaram a ter dificuldades em encontrar os recursos para retirar da gaveta seus projetos. Desde outubro, várias empresas anunciaram o cancelamento de grandes obras, e uma série de outros planos ficará em banho-maria até que a economia mundial recupere seu passo.
Projetos bilionários anunciados com pompa no ano passado, a maior parte deles na área de commodities como minérios e aço, não sairão do papel tão cedo. Em praticamente todas as empresas, a palavra de ordem é cautela. Assim, inevitavelmente, a taxa de expansão dos investimentos recuará em 2009, diminuindo para algo em torno de 3%, preveem os analistas. Mais um sinal de que a economia no Brasil sofrerá uma freada forte neste ano. A Vale, por exemplo, anunciou recentemente o cancelamento da construção da Companhia Siderúrgica Vitória, orçada em 5 bilhões de dólares. A companhia de mineração informou ter acatado uma determinação do sócio majoritário no projeto, o grupo chinês Baosteel. Com a decisão, o país deixará de ganhar uma capacidade anual de 5 milhões de toneladas de placas de aço e 3 000 empregos não serão mais criados. A justificativa é que, como a maior parte da produção seria destinada ao exterior, o projeto deixou de ser atrativo neste momento.
O primeiro entre os grandes projetos suspensos, pelo menos por ora, em razão da virada na conjuntura externa foi o Porto Brasil, em Peruíbe, no Litoral Sul de São Paulo, abortado em outubro do ano passado. Trata-se de um empreendimento grandioso da LLX Logística, do empresário Eike Batista, que englobaria uma ilha artificial de 500.000 metros quadrados. Com a revogação, o país perde (ou ao menos adia) uma obra de infraestrutura que, quando pronta, terá capacidade de movimentar 50 milhões de toneladas por ano – cerca de 60% do volume no Porto de Santos. Outro setor bastante afetado pela crise foi o de produção de etanol e açúcar. Foram canceladas as obras de construção de duas dezenas de usinas, num valor total de 2 bilhões de dólares. Sentiram o impacto da crise também investimentos em celulose, petróleo e produção de carros (veja o quadro). Afirma o economista Edward Amadeo, ex-ministro do Trabalho e sócio da Gávea Investimentos: "O Brasil não está isolado do mundo. É claro que sofrerá consequências, ainda que existam fatores que nos ajudam bastante, como o fato de nosso sistema financeiro estar intacto. Mas haverá uma retração forte tanto no comércio internacional quanto nos fluxos de capitais estrangeiros".
Fotos Marcio Fernandes/AE e Filipe Araujo/AE |
O DRAMA DO EMPREGO A americana Caterpillar cortou 20 000 vagas no mundo, sendo 380 postos na unidade do Brasil (à esq.); ao lado, operários aprovam a redução da jornada na ƒábrica de autopeças Valeo |
Mas nem todos os grandes projetos de investimentos foram atingidos. Obras importantes não apenas seguem de pé como deverão ficar prontas dentro do cronograma. Esse é o caso da Companhia Siderúrgica do Atlântico, um empreendimento liderado pelo grupo alemão ThyssenKrupp, no bairro de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Estão sendo investidos ali 6 bilhões de dólares. Trabalham atualmente 22 000 pessoas no canteiro de obras do complexo, e a empresa tem contratado 100 pessoas por mês para fazer parte do time de 3 500 funcionários que serão necessários para a operação da usina de aço quando ela estiver pronta, no fim do ano. Já a montadora japonesa Toyota manteve seus planos de erguer uma fábrica em Sorocaba, no interior de São Paulo, apesar de a matriz ter decidido suspender projetos similares em outros países. Orçada em 1,2 bilhão de reais, a unidade produzirá a partir de 2011 cerca de 150 000 veículos ao ano, criando 5 000 empregos. A Petrobras, por sua vez, teve de deixar de lado alguns projetos, como a encomenda das plataformas P-61 e P-63. Mas a companhia decidiu ampliar, como um todo, seus planos de investimentos para os próximos cinco anos, que deverão totalizar 174 bilhões de dólares no período. A incógnita, aqui, é se a empresa conseguirá ter acesso ao financiamento internacional necessário à viabilização de suas metas, porque nem mesmo o previsto aumento de desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) será suficiente para fazer frente a esse plano ambicioso.
De qualquer maneira, o cancelamento de projetos e a desaceleração do aumento no consumo farão com que a economia brasileira cresça numa velocidade mais lenta em 2009. Um dos reflexos dessa realidade começa a ser sentido com mais intensidade no mercado de trabalho. Recentemente, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, informou que 655.000 vagas com carteira assinada foram fechadas em dezembro, o pior número desde 1999, quando o levantamento passou a ser feito. O setor mais afetado foi a indústria, que perdeu mais de 270.000 postos. Em seguida, vieram a agropecuária e a construção civil. "Os resultados negativos revelam uma queda nas contratações e também que poucos empregos temporários, tipicamente criados no fim do ano, foram efetivados", afirma Fábio Romão, da LCA Consultores. Uma pesquisa do economista faz uma análise das perspectivas para o emprego em 2009. Pelas projeções do analista, alguns dos setores que deverão continuar fechando vagas são os de mobiliário, calçados e construção civil. A saída, para certas empresas, tem sido negociar com os funcionários a redução temporária da jornada e dos salários, um mal menor diante da necessidade de ajuste aos novos tempos.
Uma maneira eficiente de o governo atenuar os efeitos internos da tragédia financeira que acontece lá fora seria incentivar os investimentos – não torrando dinheiro público, e sim reduzindo a burocracia e diminuindo o chamado custo Brasil. O país segue como um dos mais fechados do mundo e oferece um dos piores ambientes institucionais para fazer negócios. Até 2008, a despeito desses entraves, a economia brasileira conseguiu atrair níveis inéditos de investimentos internacionais. Mas isso é passado. A bolha financeira estourou, e os capitais tornaram-se escassos. A partir de agora, o jogo entra em uma nova fase, mais difícil e competitiva. Os recursos disponíveis serão disputados acirradamente. Ganharão aqueles países que apresentarem as melhores chances de rentabilidade. Em meio a essa disputa, no entanto, o governo transmitiu uma mensagem extremamente negativa na semana passada ao adotar uma norma protecionista e anacrônica, destinada a restringir as importações. Essa medida acabou suspensa por ordem do presidente Lula (leia a Carta ao Leitor, na pág. 14), mas não sem deixar um clima de insegurança entre as empresas. Não será com medidas retrógradas assim que os projetos de desenvolvimento voltarão a sair do papel.
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