sábado, janeiro 31, 2009

Estragos de um presidente ignorante Mauro Chaves

O ESTADO DE S PAULO
As consequências de um presidente ignorante exercer o supremo comando de uma nação por dois mandatos consecutivos - ou pelo longo período de oito anos - são, realmente, catastróficas. Entenda-se, porém, que nem sempre o volume dessa "herança de desinformação social" - forma como poderíamos designar o acervo geral de desentendimentos governamentais - é corretamente avaliado, seja quanto a sua intensidade ou durabilidade. Ou seja, nem sempre os efeitos dos atos ou omissões de um chefe de Estado e governo ignorante são perceptíveis de imediato - mas podem se estender por gerações. Às vezes só se vai descobrir depois a total falta de noção, de um governante, de como é o mundo e como agem ou interagem suas forças. E quando se descobre isso o tremendo estrago já pode ter sido feito - e custa uma enormidade consertá-lo. Pior é quando essa incompreensão de um chefe de Estado e governo leva a ações desastradas, no relacionamento com outros países, a ponto de causar um grave comprometimento da imagem externa do país, desfazendo um capital acumulado de valores - morais e institucionais.

É que a falta de conhecimento básico, geralmente acoplada a crenças rudimentares, faz com que governantes se tornem verdadeiras esponjas, prontas a absorver, indiscriminadamente, os pleitos dos lobbies de todos os gêneros. Então as decisões ou não-decisões governamentais derivam de pressões descontroladas de grupos de interesse de múltipla espécie, dada a inexistência de um filtro intelectual, provido da necessária massa crítica, que possa selecionar o que, de fato, seja a favor ou contra o verdadeiro interesse da coletividade. A bem da verdade, nada melhor para os defensores de determinados interesses - sejam legítimos ou escusos, representem vantagens pecuniárias ou apenas reproduzam preconceitos ideológicos - do que o vazio intelectual daquele que ocupa o mais elevado posto decisório de uma nação. Pois é, justamente, a vacuidade mental de conhecimento e cultura que dá ensejo à atração de ideias discutíveis ou inviáveis para a sociedade - embora palatáveis, quando não rentáveis, para determinados grupos.

No chefe de Estado e governo ignorante processa-se um tipo de "absorção aleatória" de influências, pelo que passa ele a conduzir-se - e, mais importante, decidir - com base no que lhe é "soprado ao ouvido". Às informações que lhe chegam à parte decisória do cérebro, tanto de forma desorganizada e espontânea quanto minuciosamente calculada, por parte de seus interlocutores - movidos estes por claros objetivos -, o governante desprovido de aparato gnoseológico pode reagir de uma forma ou de outra, conforme as circunstâncias, o momento psicológico em que esteja, o clima afetivo que viva, tudo isso apartado de uma análise racional que só o discernimento com base no real conhecimento é capaz de realizar. Em outros termos, o estado de vacuidade de informações - de um presidente ignorante - em relação à configuração do mundo e às características dos povos, ao acervo científico-tecnológico, cultural e tudo o mais que indique o estágio atingido pelo nível do conhecimento humano lhe cria receptáculos mentais escancarados, sem qualquer filtro seletivo, às influências de terceiros - que não dizem respeito aos interesses reais da sociedade. Antes pelo contrário.

A memória histórica aponta o anseio que sempre tiveram as sociedades de escolher, para a condução da coisa pública, os melhores e mais capazes de fazê-lo. A ruptura do processo hereditário, pela via das ideias republicanas, vai, justamente, nesse sentido, pelo menos desde que Platão, em seu A República - escrito entre 380 e 370 a.C. -, propôs o governo dos mais sábios e instruídos, pois estes, ao mesmo tempo que seriam menos "apressados em chegar ao poder", teriam melhores condições de distinguir o visível do inteligível, a imagem da realidade, o falso do verdadeiro. Assim, estes é que deveriam ser chamados para a regência suprema da sociedade, pois sua presença impediria as sedições e as intermináveis lutas civis internas travadas entre políticos ambiciosos.

A democracia moderna, cujo melhor modelo - goste-se ou não - ainda é o da sociedade que há 222 anos elaborou uma Constituição e chegou ao 44º presidente da República sem qualquer golpe de Estado, regime de exceção, sistema autoritário ou interrupção do processo democrático - mesmo tendo passado por uma guerra civil violenta -, sem dúvida, teve como esteio pessoas altissimamente qualificadas, como George Washington, Thomas Jefferson, James Madison, Abraham Lincoln, Franklin Roosevelt, John Kennedy e tantos mais.

É na escolha dos mais capazes para governá-las, quaisquer que tenham sido suas origens, mas que tenham revelado um esforço denodado pelo próprio aprendizado, que as sociedades se alicerçam, no decorrer de sua história, na valorização do mérito de todos e de cada um de seus cidadãos. É na eleição democrática daqueles que atingiram, além do talento da liderança, um nível de conhecimento pelo menos bem acima do da média da população que as sociedades adquirem condições de evoluir, politicamente, na direção de uma democracia plenamente desenvolvida. É por tudo isso, enfim, que, em razão da múltipla e profunda ignorância de seu presidente anterior, a exemplar democracia norte-americana vai ter de se esforçar muito, juntamente com seu novo presidente, para recuperar-se do tremendo estrago feito em sua imagem no mundo.