sábado, janeiro 31, 2009

Dúvida, com Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman

CARIDADE DEMAIS

Dúvida, sobre uma freira que acusa um padre
de molestar um menino, só não é ainda melhor
porque seu diretor cede à tentação de perdoar


Isabela Boscov

Fotos Divulgação
IRMÃS SÓ NA APARÊNCIA
Amy e Meryl, como as freiras separadas pela fé: a ingenuidade a serviço da coação

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Filmes que conseguem sobreviver até sua forma final como projetos integralmente pessoais às vezes obtêm uma coesão que lhes é muito particular. Nesta temporada, essa tessitura específica se faz evidente em O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher, já em cartaz, e em Quem Quer Ser Milionário?, do inglês Danny Boyle, e Gran Torino, de Clint Eastwood, que só devem ser lançados aqui em março. Nenhum caso, porém, ilustra com mais clareza os resultados desse processo do que Dúvida (Doubt, Estados Unidos, 2008), que estreia nesta sexta-feira no país. Roteirizado e dirigido por John Patrick Shanley com base numa peça de sua própria autoria, esse drama econômico e contundente transmite o sentimento das coisas que se conhecem de muito perto. Shanley é irlandês-americano e cresceu na Nova York das décadas de 50 e 60. Tem, portanto, riqueza de experiência pessoal no que diz respeito à influência da Igreja em geral, e da paróquia em particular, na vida de uma comunidade católica praticante. Assim, desde o início do filme, quando o padre Flynn (Philip Seymour Hoffman) faz um sermão na missa de um domingo de 1964 sobre o peso e o valor da dúvida, o diretor ilumina todos os detalhes. A começar pela desaprovação que emana da irmã Aloysius (Meryl Streep), diretora da escola na qual Flynn ensina – mas que, na hierarquia clerical, é subalterna dele. Aloysius é um desses dragões capazes de marcar uma criança para sempre, uma freira com alma de inquisidora que vê a virtude não nas ações, mas nas recusas. Flynn é seu oposto espiritual. Desse modo, como decidir se é só na imaginação histericamente puritana de Aloysius que as atenções do padre Flynn ao único aluno negro da escola ultrapassam os limites da piedade cristã e caem na zona explosiva da sedução?

O SUSPEITO DE SEMPRE
Hoffman, como o padre Flynn: um defensor da dúvida – até que ela pesa sobre ele próprio

AS INDICAÇÕES
Atriz — Meryl Streep
Ator coadjuvante — Philip Seymour Hoffman
Atriz coadjuvante — Amy Adams
Atriz coadjuvante — Viola Davis
Roteiro adaptado
Caberá à mais ingênua freira do convento, a jovem irmã James (Amy Adams), fornecer à sua superiora indícios, ainda que tênues, de que ela pode estar certa – e então se arrepender de tê-lo feito. Um vetor de forças insustentáveis se forma entre os três personagens: Flynn oferece uma explicação convincente para sua conduta e afirma que ela nunca teve nada de impróprio; e a irmã James mergulha na dúvida da mesma maneira que a irmã Aloysius mergulha na certeza. Numa cena exemplar, Aloysius chama a mãe do menino negro para expor suas suspeitas. É a única cena da atriz Viola Davis, e é assoladora no abismo que descortina – e na recusa de Aloysius em espiar dentro dele e entender o que está em jogo. Viola, assim como os outros três protagonistas, concorre ao Oscar, e todos os quatro fazem muito por merecê-lo. Mas, claro, sempre há um porém. Exatamente no último minuto de Dúvida, John Patrick Shanley cede à tentação cristã de perdoar aqueles que não sabem o que fazem – o que, do ponto de vista dramatúrgico, constitui não uma virtude, mas um pecado mortal. Em questão de segundos, o filme ateia fogo a si mesmo. Não é o que basta para invalidar toda aquela ótima hora e meia anterior. Mas faz pensar quão mais marcante ainda Dúvida poderia ser com esse tanto de caridade a menos.

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