quarta-feira, dezembro 24, 2008

Foco é ilusão burguesa


Com tecnologia rudimentar e resultados imprevisíveis,
máquina que reproduz original da antiga União Soviética
vira brinquedo de modernos


Naiara Magalhães

Ana Paula Hiromi
Low-tech moderno
Imagem feita por câmera da linha Lomo: cores saturadas e ar retrô

Quando surgiram as câmeras digitais, modernos foram aqueles que aposentaram suas máquinas analógicas e passaram a tirar fotos com os braços esticados, tendo diante de si um horizonte ilimitado de cliques, já que o equipamento dispensa o uso de filmes. Velhos, velhíssimos tempos. Hoje em dia, moderno é quem carrega na mochila uma câmera com jeitão antiquado e funcionamento idem, que não só ressuscita o filme de 35 milímetros como produz imagens de cores saturadas e enquadramento pouco preciso. Compactas, baratas e rudimentares, as câmeras do tipo Lomo são o equipamento predileto de fotógrafos profissionais e amadores que buscam conferir um ar experimental a suas imagens – em geral, cenas do cotidiano, incluindo amigos na balada, animais de estimação e registros do próprio umbigo. Ou pé, no caso dos mais imaginativos.

As câmeras originais foram criadas nos anos 80 na antiga União Soviética. Eram produzidas num conglomerado de equipamentos ópticos para uso civil e militar que existe até hoje sob a mesma sigla, Lomo, em São Petersburgo, então Leningrado. Uma década depois, um grupo de jovens austríacos que viajavam pelo antigo bloco soviético descobriu a máquina e caiu de amores pelo ar retrô e pelas cores distorcidas de suas imagens. Eles resolveram produzir (na China, claro) suas próprias câmeras, igualmente compactas e baratas, mas agora inteiramente de plástico. São elas que os lomógrafos – sim, a máquina russa já virou epônimo – compram hoje a partir de 40 dólares (os felizes proprietários de uma Lomo original não se separam da relíquia por menos de 450 dólares). Mas o que faz com que gente tão moderna se interesse por um equipamento com tecnologia pré-diluviana e design zero? Num mundo saturado de produtos high-tech e cheios de estilo, a falta de ambos tem um apelo peculiar. "A câmera digital é muito certinha, não permite experimentar muito", diz a estudante de letras Larissa Ribeiro, do Recife. Já a máquina de ar retrô "é surpreendente e estimula você a criar vários efeitos; é cool", resume Larissa, dona de mais de vinte modelos da marca. Por essa os camaradas soviéticos jamais esperariam.