domingo, dezembro 28, 2008

A economia Madoff Paul Krugman


Tradução: Régis Machado e Mauricio Tonetto
New York Times News Service

ZERO HORA

A revelação de que Bernard Madoff brilhante investidor (ou, pelo menos, era o que quase todo mundo achava), filantropo e figura conhecida da comunidade era um impostor surpreendeu o mundo, e de forma compreensível. A dimensão do seu suposto esquema Ponzi de US$ 50 bilhões é que é difícil de compreender. Certamente, não sou a única pessoa a fazer essa pergunta óbvia: qual a diferença, na verdade, entre a mentira de Madoff e a história da indústria de investimentos como um todo?

A indústria de serviços financeiros reivindica participação na sempre crescente receita da nação ao longo das gerações passadas, tornando as pessoas que administram a indústria incrivelmente ricas. Neste ponto, parece que boa parte da indústria tem destruído valores, e não criado. E não é apenas uma questão de dinheiro: a vasta riqueza alcançada por aqueles que gerenciam o dinheiro de outras pessoas gerou um estímulo à corrupção em nossa sociedade como um todo.

Vamos começar com os salários. Ano passado, a média de salários daqueles que trabalhavam com “títulos, contratos de commodities e investimentos” era mais do que quatro vezes a média de salários do resto da economia. Ganhar US$ 1 milhão não era nada especial, e mesmo rendimentos de US$ 20 milhões ou mais eram razoavelmente comuns. Os rendimentos dos americanos mais ricos estouraram ao longo da última geração, mesmo salários de trabalhadores ordinários estagnaram, e os altos salários em Wall Street se tornaram a causa principal do problema.

Mas, com certeza, aqueles superstars financeiros devem ter ganhado seus milhões, certo? Não, não necessariamente. A abundância do sistema de pagamento em Wall Street recompensa a aparência de prosperidade, mesmo que mais tarde esta aparência se revele uma ilusão. Considerando um exemplo hipotético de um corretor que alavanca o dinheiro de seu cliente assumindo muitas dívidas, então investe em alta produtividade e ativos arriscados, tais como títulos de hipotecas. Por enquanto – diz, já que a euforia continua a inflar – ele fará grandes rendimentos e receberá grandes porcentagens. Quando a euforia estourar e seus investimentos se transformarem em resíduo tóxico, seus investidores perderão muito – mas ele irá manter seus bônus.

OK, depois de tudo, talvez meu exemplo não seja hipotético.

Então, qual a diferença do que fez Wall Street a partir do caso de Madoff? Bem, Madoff supostamente pulou algumas etapas, simplesmente roubando o dinheiro de seus clientes em vez de recolher os honorários, enquanto expunha investidores a riscos que eles não compreendiam. E, enquanto Madoff estava aparentemente auto-consciente da fraude, muitas pessoas em Wall Street acreditavam em suas próprias mentiras. E ainda, o resultado final foi o mesmo (exceto pela prisão domiciliar): os corretores ficaram ricos, os investidores viram seu dinheiro desaparecer.

Estamos falando de muito dinheiro. Em anos recentes, o setor financeiro contou com 8% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, acima dos menos de 5% da geração anterior. Se esse extra de três pontos percentuais foi dinheiro por nada – e isso provavelmente foi – estamos falando de US$ 400 bilhões por ano em desperdícios, fraudes e abusos.

Mas os custos da era Ponzi dos Estados Unidos foram além do desperdício direto de dólares e centavos. Nos níveis mais crus, os rendimentos ilícitos adquiridos em Wall Street corromperam e continuam corrompendo políticos, de forma bipartidária. Da administração de Bush com oficiais como Christopher Cox, presidente da Securities and Exchange Commission, que procurou outro caminho como evidência do esquema de fraude financeira, a democratas que ainda não fecharam a lacuna escandalosa de taxas que beneficiam executivos em fundos de investimentos e empresas privadas de equity, os políticos sempre vão onde está o dinheiro.

Entretanto, até que ponto o futuro da nossa nação tem sido prejudicado pelo impulso magnético ao rápido enriquecimento pessoal, que há anos tem atraído muitos dos nossos melhores e mais brilhantes jovens aos bancos de investimento, em detrimento da ciência, serviço público e sobre todo o resto?

Acima de tudo, a vasta riqueza que eles têm conquistado – ou talvez que eles deveriam ter “conquistado” – em nossa inchada indústria financeira minaram nosso senso de realidade e degradaram nossas análises. Pense como quase todo mundo importante ignorou os sinais de aviso de uma crise iminente. Como isto foi possível? Como, por exemplo, pode Alan Greenspan ter declarado, apenas há alguns anos, que “o sistema financeiro como um todo tornou-se mais resistente”, graças aos instrumentos derivados, e nada mais? A resposta, eu creio, é que há uma tendência inata por parte da mesma elite que idolatra os homens que estão fazendo um monte de dinheiro, a pensar que eles sabem o que estão fazendo.

Depois de tudo, é por isso que muitas pessoas confiavam em Madoff. Agora, quando analisamos os restos da crise e tentamos entender como as coisas podem ter ido tão mal, e rápido, a resposta é realmente muito simples: o que nós estamos olhando agora são as conseqüências de um mundo sem Madoff.