sábado, novembro 29, 2008

Stephen Kanitz Administradores de esquerda


"Em 500 anos de história, nunca tivemos equipes de administradores elaborando programas de governo"

Quando elogiei uma declaração de Dilma Rousseff, em VEJA de 21 de março de 2007, usei a expressão "administradores de esquerda", que intrigou muita gente. Principalmente aqueles que pensam só existir administradores de direita. Achar que só existem administradores de direita no mundo é um preconceito e um insulto aos 2 milhões de administradores deste país. Para começar, administração é uma ciência neutra, como a engenharia e a medicina. O que não impede que haja administradores de direita, de esquerda e de centro-esquerda, como de fato acontece. Em segundo lugar, há tempos existe no Brasil a carreira de administração pública, que de direita não tem nada.

De fato, administradores de direita são encontrados em empresas controladas por empresários de direita. Mas a maioria dos administradores é de centro e centro-esquerda, embora nem todos se definam assim. São aqueles que administram empresas "sem dono", são aqueles que administram empresas de capital aberto e democrático, são os administradores socialmente responsáveis, que estão crescendo em número e poder. Foram eles que lutaram pela pulverização do capital, enfraquecendo assim o controlador capitalista, que foi a primeira ação da esquerda de fato vitoriosa. Foram os primeiros a criar fundos de aposentadoria para trabalhadores, que hoje controlam 40% do capital americano. Foram os primeiros a criar planos de saúde aos trabalhadores. Foram os precursores do movimento de responsabilidade social das empresas brasileiras.

Ilustração Atômica Studio


No 3° Congresso Internacional de Responsabilidade Social de 1998, havia somente três administradores representando o Brasil. Este seu colunista, o administrador Oded Grajew, criador do Instituto Ethos de Responsabilidade Social, e Henrique Meirelles, mais um desses administradores (do Coppead, Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Federal do Rio de Janeiro) injustamente tachados de ser de direita. Se Meirelles fosse de direita, não aceitaria um cargo no governo do PT, muito menos seria precursor de um movimento de humanização das empresas como esse.

Um dos grandes erros da Revolução Socialista de 1917 foi que ela eliminou, destituiu e expulsou todos os administradores da União Soviética. Dizimaram o segundo escalão da nação. Machiavel recomendava eliminar somente o primeiro escalão. "Em meados de abril de 1918 os administradores haviam sido totalmente eliminados", orgulha-se um historiador da revolução de 1917, já que eles eram considerados lacaios do capitalismo. Acabaram também com todos os gerentes, supervisores, chefes de seção, bem como contadores e auditores, considerados "espiões" do capitalismo. O restante fugiu a tempo.

Incentivaram a autogestão, o que supõe que administradores não acrescentam valor algum à sociedade. Destruíram os sistemas de avaliação de desempenho, e a produção despencou logo em seguida. Foi esse erro que deu início à desorganização e à corrupção que ainda persiste na Rússia. O erro foi esquecer que o socialismo precisa ser tão bem administrado quanto o capitalismo, algo que muitos intelectuais brasileiros também esqueceram. Muitos nem sequer conhecem um único administrador.

Nos Estados Unidos, a esquerda americana encabeçada por Harvard fazia justamente o contrário. Criava uma escola de administração em 1908 para formar e apoiar o "administrador socialmente responsável". Incentivaram e deram prestígio àqueles que fariam a oposição ao empresariado capitalista da época.

Infelizmente, o Brasil seguiu a linha da esquerda soviética e não a da esquerda americana. Nossos intelectuais, em vez de apoiar, demonizam o administrador nos seus textos, na mídia, nas novelas, retratando-os como fordistas, desumanos e "lacaios do capitalismo".

Movimentos sociais que alijam administradores do seu seio estão fadados ao fracasso. Por incrível que pareça, nunca tivemos equipes de administradores elaborando programas de governo, em 500 anos de história. A esquerda raramente coloca administradores de esquerda e centro-esquerda para ser ministros, para administrar este país. Algo que a esquerda brasileira, a mais moderna pelo menos, deveria seriamente repensar.