O governo americano anunciou que está salvando o Citigroup, um dos mais importantes ícones ameaçados dos Estados Unidos.
É um projeto radical que envolve US$ 306 bilhões em empréstimos e garantias e outros US$ 20 bilhões em injeção de capital. Há algumas semanas, o Citigroup já havia recebido US$ 25 bilhões em recursos previstos pelo pacote de US$ 700 bilhões destinados a resgatar ativos problemáticos do secretário do Tesouro Henry Paulson.
Esses US$ 306 bilhões correspondem aos tais créditos podres, num universo de US$ 2 trilhões em ativos que a instituição administra em cerca de 100 países. Por aí agora se viu que apenas o Citigroup tem pelo menos dois Bradescos em ativos podres.
Pelo trato feito, os primeiros US$ 29 bilhões em perdas serão assumidos pelo Citigroup e os restantes ficarão 90% com o governo e 10% com a empresa.
Depois da dramática implosão do Lehman Brothers em meados de setembro, ficou informalmente entendido que, pelo seu alto poder de destruição sistêmica (quebra em cadeia), banco de alguma importância não pode falir.
A economia é salva do pandemônio, mas não de outras forças lesivas. Levada à última conseqüência, essa regra deverá induzir os bancos com algum problema a se escorarem em suporte oficial em vez de tentarem sair da entalada por esforço próprio.
O projeto de salvação do Citibank empurra o governo ao terceiro estágio de intervenção. O primeiro se restringiu à ação do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que fez inúmeros empréstimos a toda rede bancária. O segundo foi a decisão de comprar ativos tóxicos dos bancos com o pacote aprovado pelo Congresso, que levou o nome de Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês). O terceiro é a mudança de foco do Tarp pelo próprio secretário, tal como anunciado semana passada. Para ele, ficou impraticável a compra pelo Tesouro de ativos que não podem ser corretamente avaliados.
A deterioração das condições do Citigroup se acentuou sexta-feira. Há dois anos, suas ações eram negociadas na Bolsa de Nova York a US$ 48. Há um ano haviam desabado para US$ 30, mas sexta-feira afundaram para US$ 3,77. Ontem, depois de anunciado o plano de resgate, abriram com valorização de 62% e fecharam a US$ 5,95, alta de 58%. Na semana passada, a diretoria do banco anunciava a demissão de 52 mil funcionários entre os 352 mil que emprega atualmente.
É provável que operação semelhante tenha de ser estendida a instituições cujas condições de saúde não devem estar muito diferentes. E há outras demandas de magnitude semelhante ou até maior: o socorro às montadoras; a assistência financeira aos mutuários do sistema imobiliário para desestimulá-los à entrega do imóvel; e o novo plano de encorajamento ao consumo, em estudo pela equipe do presidente eleito Barack Obama, possivelmente de outros US$ 700 bilhões.
Nos Estados Unidos não se pergunta se haverá recursos suficientes para tanta demanda. É a aplicação do que está sendo ironicamente chamado de Doutrina Nike: Just do it... And clean up the mess later, que, numa versão livre, poderia ser assim enunciada: faça o que tem de ser feito e limpe a sujeira depois. (Veja ainda o Entenda.)
CONFIRA
Quem banca? De onde vêm tantos recursos para o resgate da economia americana?
Enquanto os bancos centrais estiverem empilhando reservas trilionárias e o restante do mundo continuar correndo para o dólar e para os títulos do Tesouro americano...
... O resto do mundo, que antes financiava o consumo americano, continuará financiando o resgate americano.
E de onde vem a confiança na moeda de um país encrencado? Da própria força econômica e política dos Estados Unidos. Nenhum país ou bloco de países conseguiu tomar esse LUGAR.