O conflito que é latente no governo Lula desde a posse não arrefece. Mesmo com os primeiros impactos de uma crise mundial com lugar reservado nos compêndios de História, e diante da qual mais ainda as heterodoxias precisam ser deixadas de lado, continuam as pressões para mudanças na postura do Banco Central. A mais recente investida é contra a política de metas de inflação, adotada na era FH. Junto com o câmbio flutuante, em vigor a partir da crise de 1999, o modelo de metas tem sido capaz de atenuar pressões inflacionárias.
Como a inflação está em alta e tende a subir por causa da desvalorização brusca do câmbio, pessoas próximas a Lula o estariam aconselhando a ampliar a meta anual de 4,5%, com margem de variação de dois pontos para cima ou para baixo - aliás, o limite superior, de 6,5%, acaba de ser ultrapassado pelo IPCA-15. Reaparece, dessa forma, a velha idéia de que, para preservar o crescimento, vale a pena deixar os preços serem mais lépidos. Está provado que a meta de inflação, perseguida por um BC com credibilidade - a qual Lula teve o bom senso de preservar, ao dar-lhe autonomia operacional -, funciona como balizador para os formadores de preços. Ora, se a meta for alterada para cima, imediatamente esses formadores de preços, de setores oligopolizados, passarão a mirar o novo alvo. Com isso, a inflação subirá e, mais uma vez, as faixas de renda mais baixas perderão poder aquisitivo - como já vêm perdendo.
O BC tem de continuar a perseguir o centro da meta de 4,5%. Com equilíbrio, por óbvio. Há um choque inflacionário produzido pela brusca desvalorização cambial, mas que é contraposto a uma tendência de esfriamento da economia. Qual a força preponderante, ainda não sabe. Portanto, o momento aconselha estreito acompanhamento dos indicadores vitais da economia, e não alterações num parâmetro fundamental como a meta de inflação. Imaginar que dar mais espaço para os preços subirem sem reação do BC se materializará em mais crescimento, enquanto o mundo entra em recessão, é no mínimo uma simplificação da vida real.
O sistema econômico não é composto apenas por PIB e preços. Há outras peças vitais no organismo da economia, como as contas do balanço de pagamentos. Chega a ser bizarro defender que o país deva manter uma taxa relativamente alta de expansão enquanto preços de matérias-primas importantes de exportação desabam, puxados pelo arrefecimento mundial. Pode-se estar engendrando a fórmula que levará o Brasil de volta aos pesadelos da década de 80: inflação e insolvência externa. |