SÃO PAULO - Um artigo nesta Folha, na quarta, e uma entrevista, ontem, instigantes no atacado, cometem, no varejo, o perigoso ato da condescendência com o crime -quando não da sua justificação.
Começo pelo artigo de Dagmar Maria Leopoldi Zibas, mestre em psicologia da educação pela PUC-SP. Para ela, a depredação da Escola Estadual Amadeu Amaral pelos próprios alunos é um ato de revolta contra a má qualidade do ensino.
Ressalve-se que o diagnóstico sobre a qualidade do ensino feito por Dagmar é corretíssimo. Daí, no entanto, a justificar a violência vai uma distância que não deve ser percorrida alegremente. Se a má qualidade do serviço público justifica respostas violentas, então o PCC (Primeiro Comando da Capital) está absolvido liminarmente, porque seus protestos, supostamente contra as condições carcerárias, também seriam adequados, posto que as condições carcerárias são realmente ruins.
Se os alunos de todas as escolas públicas lessem o artigo, sentir-se-iam estimulados a sair por aí quebrando tudo, já que, com raras exceções, a escola pública é ruim.
Joel Birman, professor de teoria psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aplica raciocínio parecido aos saques em Santa Catarina. Diz: "Há um pressuposto de que serei protegido [pelo Estado]. Se não sou, eu vou protestar contra a não-proteção pelo saque, por exemplo."
De novo, é um convite a destruir postos de saúde, delegacias de polícia etc. etc. etc. porque, no geral, deixam o cidadão desprotegido.
Não seria melhor dar uma segunda olhada e pensar se é mesmo a desproteção do Estado que levou os saqueadores a roubar até o vaso sanitário da costureira Cleuza Hentz, tão vítima de desproteção quanto os saqueadores?
Tratar os violentos como "coitadinhos" e vítimas não é desproteger as verdadeiras vítimas?