sábado, novembro 29, 2008

CLÓVIS ROSSI Nova Orleans tropical?

SÃO PAULO - Janio de Freitas já analisou, dias atrás, a incompetência (ou talvez coisa pior) do poder público para atuar na prevenção de desastres como o deste momento em Santa Catarina. Faltou falar de idêntica incompetência no pós-desastre, tema que é objeto de indignado e-mail enviado pela deputada Luciana Genro (PSOL-RS).
Luciana faz oposição tanto ao governo estadual como ao federal, mas suas observações parecem pertencer mais ao universo do sentido comum do que ao da militância oposicionista, pelo que acho justo dividi-las com o leitor.
Diz a deputada: "O que me indigna neste momento é que tenho a impressão de que estamos passando pela Nova Orleans brasileira. Tive um ataque de fúria ao ouvir que o governo vai dar uma linha de crédito especial para as pessoas que comprovem que perderam tudo.
Crédito? Não posso acreditar que diante daquele desastre o governo vai oferecer apenas crédito para quem perdeu tudo".
Prossegue: "Também me indignei ouvindo o coordenador da Defesa Civil pedir doações de barras de cereais ou alimentos prontos para as pessoas, pois as cestas básicas que têm chegado não são suficientes e em alguns lugares não há como cozinhar. Por que o governo não faz uma compra emergencial de quentinhas e manda os helicópteros do Exército distribuírem para as pessoas? Por que não envia galões de água potável?".
A deputada concede que "o governo tem dado respostas, é verdade. Depois de vários dias, finalmente Lula foi lá, baixou uma MP liberando recursos. Mas me parece pouco. Principalmente comparando com a reação rápida do governo em queimar dólares para saciar o apetite dos mercados. Dólares para o mercado jorram com rapidez e facilidade, mas e água e comida para flagelados diante de uma tragédia destas dimensões? Demora, não tem, tem pouco".


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JANIO DE FREITAS
27 de novembro de 2008

Desastres conservados

Já falam nos bilhões do prejuízo com a atual calamidade. Mas o que valem em comparação com uma casa perdida?

HÁ EXATOS 25 anos, um dos governadores recém-vitoriosos na primeira eleição sem restrições, ao apagar da ditadura, irrompeu na notoriedade nacional com o espetáculo de sua ação em uma calamidade feroz. Era a nova figura de Esperidião Amin, que se deparou, mal estreara, com os horrores da enchente gigantesca no mesmo Vale do Itajaí e cercanias agora vitimados. As providências de engenharia, para prevenir o desastre das vazantes excessivas, começaram a ser definidas ainda antes de baixadas as águas e logo asseguradas pelo governo federal (Santa Catarina não teria recursos para tanto).
No quarto de século decorrido desde então, as enchentes cumpriram com regularidade a sua programação anual, concedendo apenas na intensidade variável das suas perversidades. Mas, sempre, cada uma delas configurando a advertência do que poderia vir no ano seguinte. Assim atravessaram os dois anos finais da ditadura com Figueiredo, os dois anos de Collor, o mesmo de Itamar, cinco de Sarney, oito de Fernando Henrique e, já se pode dizer, seis de Lula.
Os ministérios incumbidos das obras mudaram de nome, cresceram nos bilhões das moedas que mudaram de nome, o regime mudou de nome, mudaram dezenas de nomes de ministros como se não houvesse nem um. E o legado de tudo isso foi manter em perfeitas condições as características topográficas, geológicas, fluviais e habitacionais adequadas a novas calamidades.
Já falam, por aí, nos imaginados bilhões do prejuízo com a atual calamidade. Mas o que valem esses bilhões em comparação com a casa perdida por uma família que dedicou tanto da vida a consegui-la, a dar-lhe os bens simplórios que nunca se completam? O custo da orfandade daquela criança, de qualquer criança, cabe nos bilhões do prejuízo citados pelos técnicos e pelos governantes? E os filhos esmagados, sufocados na lama, sumidos nas águas, que valor os técnicos e governantes dão à sua perda pela mãe, pelo pai? Ou não pensaram nisso?
Em proporções que só representam calamidade para os atingidos, e apenas um registro rápido nos noticiários, os desatinos da natureza repetem-se pelo país todo, o ano inteiro. Grande parte seria evitável ou poderia ser atenuada, muitos são objeto de velhos projetos preventivos, mas seguem se repetindo como se fossem uma fatalidade acima do poder humano. É que estão abaixo do poder dos interesses. Eleitorais, comissionais, negociais. Lidam com vidas irreconhecíveis, por não terem presença social, como classe.
No atual desastre catarinense, duas ilustrações resumem o governo. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, a quem caberia rápida reação já aos primeiros sinais da calamidade, foi de uma lerdeza muito expressiva, digna de um garçom baiano como ele. É até improvável que soubesse o que é e onde é o Vale do Itajaí. Lula, por sua vez, só ontem se dispôs ao esforço de dar um pulo em Santa Catarina. E assim mesmo porque também ontem recebeu duras críticas por sua distância apática. Críticas acompanhadas da observação de que essa é a sua conduta costumeira nas calamidades e tragédias.