O argumento da suposta infalibilidade dos mercados em bases científicas e a pretensão de transformar economia e finanças em ciências exatas produzem perigosa mistificação: confundir brilhantes construções mentais para entender a realidade com a própria realidade. O problema dessa percepção ingênua dos fenômenos de mercado, como a crença nos mercados perfeitos, é que ela fornece exatamente o que seus mais ignorantes críticos utilizam como munição nos momentos de crise e descontinuidade.
Os mercados são instituições sociais evolucionárias.
São poderosos instrumentos de coordenação econômica em busca permanente de eficiência. Mas são também o espelho de nossos humores e nossos equívocos, refletindo nossa falibilidade nas avaliações.
São contaminados por excesso de otimismo e de pessimismo. São humanos, demasiado humanos, jamais serão “perfeitos”. Mas, se a idéia de “mercados eficientes” é apenas uma hipótese operacional do mundo acadêmico, o que dizer de sua desinformada antítese, a idéia da “perversidade intrínseca aos mercados”, evocação nostálgica de ideologias obsoletas? Os mercados, assim como a linguagem, são meros instrumentos de comunicação e coordenação social, muito aquém do bem e do mal.
Ao longo das últimas duas décadas, as economias de mercado ocidentais tiveram de absorver ondas sucessivas de inovações tecnológicas, integrar 3,5 bilhões de eurasianos a seus mercados de trabalho, acomodando seu excesso de poupança e sua demanda por recursos naturais. Tudo isso em meio ao formidável “big bang” da liquidez global promovido em grande parte pelo Federal Reserve, o banco central americano. O ritmo extraordinário da criação de riqueza durante o período de globalização acelerada é irrefutável. Mas não há instituições humanas perfeitas, muito menos mercados financeiros.
O crédito é pró-cíclico, como uma sanfona que se expande e se contrai no mesmo ritmo da economia.
Essa elasticidade do sistema financeiro aumenta a oferta de fundos em resposta às novas oportunidades de investimento durante as fases de crescimento mais rápido, mas depois encurta o crédito abruptamente, quando há uma reversão de expectativas. A atual liquidação forçada de ativos e as enormes perdas de capital decorrentes são digitais inequívocas do excesso de alavancagem do sistema financeiro.
No Brasil, temos, como sempre, um banco central hiperativo, isolado no enfrentamento da crise.
A melhor resposta do governo seria um apoio decisivo da política fiscal. Zerar o déficit nominal daria contornos estratégicos à necessária ampliação da liquidez e à interrupção imediata da alta dos juros.
A maior dose de esforço fiscal daria consistência a uma nova política de juros mais baixos e câmbio mais alto, armas a que recorrem os bancos centrais em todo o mundo na guerra mundial por empregos deflagrada pela grande contração.