NOVA YORK. O quadro partidário brasileiro é tão caótico que permite que se faça a análise que se quiser do resultado das eleições municipais. O presidente Lula, por exemplo, foi peremptório: PSDB, DEM e PPS foram os grandes derrotados, pois perderam prefeituras e número de votos, enquanto os partidos aliados do governo venceram, porque todos eles aumentaram a participação no bolo eleitoral. Parece verdadeiro, mas não corresponde à realidade política. O grande vencedor desta eleição foi o PMDB, que formalmente faz parte da base aliada do governo. Mas é possível dizer que em 2010, ou mesmo antes, o partido estará unido em torno da candidatura oficial do PT à sucessão de Lula?
Já ontem começaram as escaramuças, com o PMDB mais uma vez brandindo a ameaça de uma candidatura própria e o PT mostrando dentes para o “aliado”, anunciando pelo secretáriogeral Luiz Eduardo Cardozo que não abre mão de candidato próprio.
O presidente do PMDB de São Paulo, por sua vez, na qualidade de sócio da vitória de Gilberto Kassab na prefeitura da capital, já se colocou como parte “daquele PMDB que quer Serra como presidente do país”. Portanto, nada indica que a base política do governo poderá contar integralmente com as 1.201 prefeituras peemedebistas.
Embora tenha perdido prefeituras e eleitores nas estatísticas, o PSDB continua sendo o segundo partido em número de prefeituras — elegeu 786 prefeitos contra 861 em 2004 —, e, sobretudo, manteve sob sua órbita a capital paulista.
Os votos dados a Kassab não entraram na contagem oficial dos tucanos, o que mostra a distorção da estatística, que mascara o real poder político.
Assim como em Belo Horizonte, onde os votos contabilizados para o PSB de Márcio Lacerda devem-se muito mais ao PSDB de Aécio Neves e ao prestígio pessoal do prefeito Fernando Pimentel e à parte do PT que ficou com ele.
No Rio, por exemplo, a enxurrada de votos que o candidato Fernando Gabeira teve foi contabilizada na conta do Partido Verde, formalmente na base aliada do governo, o que é um equívoco político.
Os três partidos de oposição, PSDB, DEM e PPS, que são, segundo Lula, os grandes derrotados, têm somados 1.416 prefeituras, o que os torna a maior força política municipal saída desta eleição, já que nada indica que estarão separados nas eleições de 2010.
O mesmo não se pode dizer do chamado “bloco de esquerda”, que, teoricamente se aliará ao PT na eleição presidencial. PSB, PCdoB, PDT, PMN e PRB têm juntos 784 prefeituras, mas terão dificuldades em se aliar ao PT na sucessão de 2010.
O PP, outro partido teoricamente da base do governo, fez 555 prefeituras em todo o país, e não é sensato dizer-se que estará coligado ao PT na sucessão de Lula.
Como se vê, uma análise linear do resultado das urnas leva a confusões próprias de um quadro partidário que consegue fazer com que a extrema direita política esteja junta à extrema esquerda num mesmo governo, cujo projeto político só os une por ser indefinido, dando margem de manobra a todo tipo de atuação.
O fato de que os membros dessa estranha coalizão tenham crescido na distribuição de poder municipal é mais uma demonstração de que deu para cada um dos seus representantes no gigantesco Ministério do segundo governo de Lula usar seus poderes e suas verbas para alavancar seu partido, sem um projeto coletivo.
O Ministério das Cidades, ocupado pelo PP, certamente teve papel relevante para o aumento de prefeituras do partido, assim como o da Integração Nacional teve para a vitória do PMDB baiano, não apenas em Salvador como no interior do estado, consolidando o poder político do ministro Geddel Vieira Lima.
O que vai dificultar a negociação para a permanência no governo, ou facilitar a lenta e gradual mudança de rumo em direção aonde os ventos soprarão para 2010, é justamente a força política de cada um, revigorada na eleição em que ser do governo local representou uma força natural, fosse ele oposição ou situação a nível federal.
Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais o movimento para rever a legislação e acabar com a reeleição está perdendo fôlego. Quem estava no poder se reelegeu em uma média de 70%.
A mesma lógica impede que se faça uma reforma do quadro partidário, que a cada dia se mostra mais deformado.
Não há nenhum interesse das lideranças partidárias em mudar o que está dando certo para eles, embora esse seja um raciocínio que leva à decadência em que nos encontramos.
O novo prefeito do Rio, Eduardo Paes, terá que levar em conta a demonstração de metade do eleitorado da cidade em favor da mudança da maneira de se fazer política.
Sem máquina partidária, sem estrutura de campanha, sem reduto eleitoral, o deputado Fernando Gabeira transformouse no símbolo de um movimento que se alastrou pela cidade.
O governador Sérgio Cabral teve uma grande vitória política ao eleger seu candidato preferido, mas, diante do anseio de grande parte da cidade por uma nova postura no enfrentamento das dificuldades, ela foi ofuscada pela maneira nem sempre lisa com que a campanha oficial foi tocada, deixando antever que as alianças com representantes do atraso político que sempre dominou o estado estavam se sobrepondo aos propósitos declarados tanto do governador quanto do seu candidato, finalmente eleito.
As primeiras palavras de vitória do governador, exaltando Eduardo Paes como “o mais preparado”, pareceu mais um desabafo arrogante de um governante que foi surpreendentemente contestado em sua vontade por uma cidade dividida entre o velho e o novo.
O novo prefeito deu um passo adiante, afirmando que trabalhará para unir novamente a cidade. Para isso, terá que abrir mão da velha política que aprendeu quando preferido do prefeito Cesar Maia, e adotar novas posturas, mais de acordo com o futuro por que grande parte da população da cidade anseia.