NOVA YORK. Na geografia peculiar dos atuais ocupantes do Palácio do Planalto, parece que somente agora as más notícias cruzaram o Atlântico aqui para o nosso lado e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já admite que a crise será longa e deixará seqüelas.
Também o presidente do PT, Ricardo Berzoini, pede juízo ao PMDB e lembra que a base aliada do governo tem uma crise econômica para enfrentar no próximo ano. Os resultados das eleições municipais, mesmo que não tenham uma ligação direta com as eleições nacionais, serviram para expor alguns fatos que certamente terão conseqüências no arranjo futuro das alianças políticas.
O presidente Lula, que pretendia usar as eleições para fortalecer sua base aliada, mostrou que acredita mais em alianças políticas do que o PT. Deu espaço para todos crescerem, não tentou interferir nos locais em que partidos da base disputavam o mesmo espaço e tentou ajudar os aliados onde o partido se batia contra a oposição.
Talvez convencido de que sua popularidade de 80% seria o bastante para eleger quem ele quisesse, se deixou levar pela disputa pessoal com o líder do DEM, senador José Agripino, e foi a Natal tentar derrotar Micarla de Souza, a candidata do PV que tinha o apoio do DEM.
Tão desatento à possibilidade de colocar em xeque sua capacidade de transferir votos, disse expressamente que estava ali para derrotar Agripino e, como não conseguiu eleger a candidata do PT, acabou tendo que engolir uma vitória de seu inimigo preferencial, transformando Agripino em um vitorioso emblemático.
O caso de Marta Suplicy em São Paulo era inevitável, o presidente não tinha como não entrar de cabeça na eleição da capital. Mas podia ter evitado falar demais, e nem precisava garantir que a candidata do PT venceria mesmo quando já estavam dadas as condições para uma vitória acachapante do prefeito do DEM.
Nesses dois locais, o presidente Lula transformou o DEM em seu adversário principal, e perdeu. A partir dessa crise econômica que relutou em aceitar como realidade nossa, o presidente Lula estará enfrentando sua verdadeira prova de fogo.
Tendo assumido com uma aprovação de 75%, registrados em abril de 2003, Lula amargou durante seu primeiro governo duas crises graves de popularidade, sempre com questões ligadas à corrupção: a primeira em 2004, devido ao caso Waldomiro, e a segunda um ano depois, no “mensalão”.
Em ambas as ocasiões, a avaliação de seu governo caiu a cerca de 20% na soma “ótimo+ bom”, mas a situação econômica era diferente. Em 2004, a economia cresceu 5,7% e os efeitos da crise se dissiparam logo.
O caso do mensalão, além de ter sido mais grave, ocorreu em um ano em que a economia caiu para um crescimento de apenas 2,9% do PIB, e sintomaticamente a crise levou seis meses para se dissipar, e quase afeta a capacidade de Lula concorrer à reeleição.
O percentual dos que não confiavam em Lula oscilou negativamente, de 52% em agosto para 51% em setembro, enquanto o daqueles que nele confiam passou de 43% para 44%. Há relatos recentes que revelam que os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, chegaram a propor a Lula que fizesse um acordo com a oposição, se comprometendo a não se candidatar à reeleição para não arriscar perder o mandato.
A recuperação da popularidade de Lula mostra quão resiliente ele é, mas se ocorrer uma queda do crescimento do PIB como está sendo previsto devido à crise internacional, de uma média acima de 5% nos dois últimos anos para cerca de 2% a 3% nos próximos anos, será um teste para sua liderança carismática mas, sobretudo, para seu ego.
Será preciso ver para crer Lula com sangue frio para resistir à tentação de manter o crescimento econômico através de medidas de incentivo ao consumo interno, e se contentar em encerrar seu segundo mandato com a economia declinante.
Se, mesmo com esse cenário, o presidente Lula ainda tiver força política para conseguir eleger seu sucessor, sem que seja um político de luz própria, será o caso de a oposição desistir de se opor a esse fenômeno político.
O presidente Lula tem no momento 81% de aprovação, o mesmo índice de aprovação que o ex-presidente José Sarney atingiu em abril de 1986, e em julho do mesmo ano chegou a atingir pelo Ibope a inacreditável marca de 97,5%, no auge do Plano Cruzado. Mas amargou raquíticos 9% de apoio no final de 1988.
O Plano Cruzado, lançado em fevereiro de 1986, teve a breve duração de 9 meses, mas ajudou o governo a ter a maior vitória eleitoral da história da República, no dia 15 de novembro daquele ano: o PMDB elegeu a totalidade dos governadores, e quase dois terços da Câmara e do Senado e das Assembléias Legislativas.
O jogo virou logo depois da eleição, com a edição do Plano Cruzado II, que trouxe aumentos brutais como 60% no preço da gasolina; 120% dos telefones e energia; 100% das bebidas; 80% dos automóveis; 45% a 100% dos cigarros.
Já a popularidade de Fernando Henrique Cardoso chegou a 75% no ano da posse do primeiro mandato, em 1995, e girou sempre em torno de 40%, permitindo que se reelegesse no primeiro turno. Mas, logo após a posse, em 1999, a desvalorização do real e os problemas econômicos levaram a uma queda de seu prestígio popular que permaneceu até o final.
A avaliação do desempenho de Fernando Henrique Cardoso piorou em agosto de 2002, em plena campanha eleitoral para a sua sucessão, com 49,6% desaprovando o seu desempenho. A economia é determinante na política em qualquer país. O expresidente George Bush pai chegou a ter mais de 80% de aprovação depois da Guerra do Golfo, e perdeu a reeleição para Bill Clinton por causa da economia, estúpido.