A se considerar que a política, nos tempos modernos, passa a se guiar mais por critérios técnicos, impostos por um ordenamento mercadológico, e menos pela intuição de seus atores, o que emerge do pleito municipal é um conjunto de posições e conceitos alinhados à meta principal: preencher as necessidades do eleitor e conquistar seu voto. Para tanto o ideário composto abrigou não mais que meia dúzia de conceitos, com destaque para a práxis, que é o motor da vida política, a capacidade do candidato de fazer acontecer, de pôr em prática as promessas e, ainda, de realizar melhor do que o outro as ações propostas. O obreirismo assumiu, portanto, posição prioritária na planilha eleitoral, sendo o porte dos empreendimentos e o tempo de execução os fatores que diferenciaram as visões de cada proponente. Nessa direção, o feijão-com-arroz da administração - obras pontuais nas áreas da saúde, educação, habitação, melhoramentos no trânsito - conseguiu ter mais força junto a um eleitorado atento e desconfiado de obras faraônicas ou promessas do tipo "toda a cidade vai ganhar, vai ser tudo de graça".
Em torno das ações do candidato outros valores ganharam peso, como o da verdade. Quem tentou usar essa arma o fez, de um lado, para desconstruir o perfil do adversário e comprovar o ambiente de mentiras que o cerca e, de outro, aparecer como o legítimo e autêntico. Acontece que o fio a separar o falso do verdadeiro em matéria de política brasileira é muito tênue. A sucessão de escândalos e denúncias envolvendo grupos, representantes e partidos os torna praticamente muito próximos. Para o eleitor, a verdade usada contra o opositor causa suspeição no meio de um mar de engodo. O que avulta é a canibalização recíproca. Brecht já ensinava que há cinco maneiras de dizer a verdade. Vale lembrar, portanto, que este valor tem que ver com a condição do emissor (credibilidade do candidato), do momento e das circunstâncias (uso político em campanha), da situação do receptor (eleitores vacinados contra o oportunismo) e dos meios usados (programas eleitorais). Se a verdade não abriu as comportas da adesão eleitoral, da mesma forma a ligação de um candidato a personagens críticos do passado também não funcionou a contento para desequilibrar o jogo. As figuras mudam tanto de posição e de cores quanto um caleidoscópio. O político demonizado de hoje foi o anjo de ontem e vice-versa. O PT, partido que se posiciona à esquerda e procura proteger limites partidários, faz aliança com figurões da mais empedernida direita em alguns Estados.
O que, então, impactou o eleitor e corroborou sua decisão de votar em determinado candidato? Vejamos. A proximidade, por exemplo. Os cidadãos se conscientizaram da necessidade de instrumentalizar a política. Preferem vê-la como ferramenta para construir casas, escolas, postos de saúde, praças de lazer, perto de seus lares, a aceitá-la como fórum de discussão de temas nacionais. Eis a razão por que a federalização das campanhas não pega ou, ainda, por que padrinhos federais, como o presidente Luiz Inácio, não conseguiram influenciar o eleitor a votar em seus candidatos. Essa, aliás, foi a característica mais evidente da campanha. A micropolítica se sobrepôs à macropolítica. Os ganhos municipais do eleitor venceram o blablablá federal. Chamou a atenção, ainda, a agressividade exibida por candidatos na reta final da campanha, sugerindo a hipótese de o País ter caminhado para trás. Não se trata de retrocesso. O que vimos foi a mudança de instrumento de mobilização das massas.
A batalha eleitoral entrou no terreno tecnológico das mídias eletrônicas e estas passaram a substituir a concentração de multidões em praças públicas por comícios eletrônicos, capazes de atingir indistintamente classes sociais e categorias profissionais. Nem se pode dizer que as campanhas se tornaram mais pesadas. Capítulos inteiros do passado eleitoral foram escritos a ferro e fogo, deixando rastros de violência no campo e nas cidades, com tiroteios em palanques e o assassinato de candidatos. O que se pode dizer é que o discurso debochado, cheio de graça, ou a verve eleitoral cederam lugar a um palavrório cáustico e mesmo sórdido. Imaginemos um tipo como Antônio Luvizaro, candidato ao governo da Guanabara nos idos de 60, freqüentando o palanque da metrópole paulistana. Fosse indagado sobre a questão que provoca dores de cabeça no cidadão, o trânsito, poderia disparar a resposta que deu na época. "Tenho um programa com soluções rápidas e práticas. Vejam que solução barata: carro novo vai pelo túnel novo, carro velho só entra no túnel velho."
É evidente que as campanhas perderam o ar de festa e de informalidade do passado. A improvisação na arte da política cedeu lugar à profissionalização, com a estandardização de campanhas e performances, a pasteurização de perfis e discursos e a homogeneização da estética eleitoral. Tudo é medido, controlado, monitorado. Até os debates são acompanhados por grupos de ressonância. Como seria engraçado ouvir um Jânio Quadros, com suas tiradas sarcásticas, histórias ferinas, sacadas imprevisíveis, respondendo sobre suas ligações com A, B ou C, ou mesmo abordando o fato de ser um sorvedouro de vinho do Porto. Mais do que lembrar a conhecida historinha de bebedor insaciável daquele líquido, "porque, se fosse sólido, comê-lo-ia", o jeito histriônico da inesquecível figura poderia deixar o interlocutor em maus lençóis. Ou rubro de raiva.
Não tenhamos ilusões. Aqui e alhures, o processo eleitoral é a cabeça de um corpo político que se afastou do ideal de cidadania arquitetado pelos gregos. A política deixou de ser missão para se transformar em profissão. Menos idealista e mais utilitarista.