domingo, outubro 26, 2008

Miriam Leitão 79 anos, estes dias


Era quinta feira, 24 de outubro, quando ocorreu o primeiro estampido na bolsa de Nova York no famoso e temido 1929. Na história, ficou sendo “o dia”, aquela quinta-feira. A bolsa caiu 13%. Depois, vieram a segunda e a terça, em que as ações caíram outros 23%. No dia 11 de novembro de 29, tinha caído, ao todo, 40% desde o pico. O fundo do poço chegou só em julho de 1932. Balanço final: uma queda de 89%.

Naquele dia de 1929, a manchete do The New York Times lembrava as de hoje, com a atual crise. “Preços de ações implodem. Liquidação pesada. Queda total de bilhões.” (vejam reprodução no pé da coluna). Naquele 24 de outubro, havia analista dizendo, como registrado na primeira página do jornal americano, que aquela queda era temporária. Os analistas erram há muito tempo.

Antes da queda, houve o boom. Foi um tempo extraordinário de inovação tecnológica, que empurrava para a frente o otimismo, em todo o mundo, com as possibilidades dos novos tempos, do emprego, da renda, das ações. O rádio, os automóveis, a aviação comercial, os telefones, era o começo de todas essas novidades, dessa explosão que ia das comunicações ao novo conceito do transporte individual. Tudo parecia possível naqueles tempos que antecederam a crise. De 24 de agosto de 1921 a 3 de setembro de 1929, o índice Dow Jones saiu de 63,9 para 381,2. Multiplicou-se por seis.

Há tempos interessantes, em que a história da humanidade parece se acelerar. Devem ter sido assim aqueles dias. Nós podemos imaginar o que é essa aceleração da máquina do tempo. Dez anos atrás, a internet era tosca, mesmo em metrópoles como Nova York. Hoje, há cidades do interior do Brasil com cobertura wireless, de internet sem fio, em toda a área urbana. Os tempos em que a tecnologia nos faz atravessar fronteiras de mundos novos são realmente estimulantes.

Nos dias que se seguiram ao crash, a onda era culpar os “especuladores”, aumentar a intervenção do Estado e pedir uma nova, restritiva e curativa regulação econômica. Tudo tão familiar! Às vezes, vejo a cara sombria e impotente de Ben Bernanke, presidente do Fed, e fico imaginando seus pensamentos. Ele dedicou sua vida acadêmica a estudar a crise de 1929. Será que se acha prisioneiro da máquina do tempo? Vê com fatalismo? Já sabe qual será o inescapável passo seguinte? Por que nada pôde fazer para evitar a tragédia atual?

O professor de Berkeley J.Bradford Delong, num texto sobre a pior tragédia econômica do século XX, passa pelos vários motivos que deram excessiva confiança ao mercado. Um deles, a criação recente do Federal Reserve, o Fed, que iria estabilizar seu mercado. Quem sabe, no futuro, quando se estudar a crise de 2008, alguém vai ponderar que a confiança de que o antigo presidente do Fed, Alan Greenspan, tinha poderes quase divinos, e que conseguia levar o mercado para o lado que queria com apenas palavras e expressões do rosto, seja uma das explicações desta crise. O “Maestro” admitiu, nesta semana, que não teve ouvidos de ouvir o som desafinado da auto-regulação.

O recém-criado Fed errou na crise de 79 anos atrás, lembra hoje um diretor do Banco Central brasileiro. Ele confundiu taxa de juros nominais e reais. Quando os preços caíram tanto, com a queda da atividade econômica, os juros, mesmo baixos do ponto de visto nominal, ficaram altíssimos, porque juros de 1% numa economia em deflação é uma taxa alta demais. Isso aprofundou a recessão.

É desconcertante como os tempos se parecem. Mas aquela foi uma depressão pior que todas as outras, e não necessariamente vai se repetir com aquela gravidade. Segundo o professor DeLong, “não há explicação satisfatória do porque a depressão aconteceu”. Ele fala em “insanidade coletiva”. Houve outras recessões no mundo nas oito décadas que se seguiram. Mas a Grande Depressão foi um evento “que, na sua sombra, todas as outras depressões parecem insignificantes”.

Já se sabe que uma coisa que os atuais governantes dos Estados Unidos e Europa estão tentando fazer é o inverso do que foi feito naquela época. Eles, lá, deixaram as empresas quebrar; aqui, as socorrem até antes que quebrem. A nota desafinada foi o Lehman Brothers.

Os dois momentos têm semelhanças, mas são muito diferentes. O gráfico abaixo mostra que a recuperação, quando veio, foi poderosa. Naquela época, foram três anos muito dolorosos. Com o que o mundo já sabe, agora pode ser menos tempo e menos dor.