domingo, outubro 26, 2008

Gustavo Loyola,''Aqui a crise é de liquidez e localizada''

''Aqui a crise é de liquidez e localizada''

Gustavo Loyola, ex-presidente do BC, critica a MP 443 e os processos judiciais contra autoridades econômicas

Fernando Dantas

Principal mentor do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), quando foi presidente do Banco Central (BC) entre 1995 e 1997, o economista Gustavo Loyola considera que a Medida Provisória nº 443 trouxe confusão, não é necessária e dá sinais estatizantes. Para Loyola, o Brasil tem um mercado bancário sólido, e a crise é mais de liquidez e localizada no mercado de câmbio e nos bancos pequenos e médios.

A MP 443 permitiu que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal comprassem ações e o controle de bancos privados, de outras instituições financeiras e de alguns tipos de empresa (como da construção civil). O Proer foi o programa que facilitou a intervenção em bancos abalados pelo fim da inflação após o Plano Real, como Bamerindus e Nacional, que foram em parte vendidos para, respectivamente, HSBC e Unibanco.

Loyola, que é sócio da Tendências Consultoria Integrada, critica a ofensiva na Justiça contra ex-dirigentes do BC envolvidos em ações para evitar crises sistêmicas, seja durante sua gestão, seja na desvalorização de 1999. Para ele, esses riscos pessoais podem inibir as autoridades econômicas na hora de tomar decisões para evitar crises bancárias. O economista acha que isso pode ter influenciado a decisão de fazer do BB e da Caixa os responsáveis por comprar bancos em dificuldade, tirando do BC a responsabilidade. A seguir, a entrevista:

O sr. é muito identificado com o Proer, e foi muito criticado pela esquerda na época. Como o sr. avalia o programa à luz da atual crise?

É interessante observar, fora do Brasil, os volumes imensos de recursos que os governos estão colocando na mesa para evitar uma crise sistêmica. O que mostra que as críticas contra o Proer eram injustas é exatamente isto - o governo brasileiro na época fez o possível e conseguiu evitar uma crise sistêmica no Brasil, com um programa que foi reconhecido como eficiente e relativamente barato. E isso recebeu tratamento de muita gente como se tivesse sido uma maneira de passar dinheiro para banqueiro. Eu gostaria de acrescentar também o episódio da desvalorização que o Banco Central fez em 1999, quando o Chico Lopes era presidente do BC.

Mas esse caso foi considerado um escândalo na época.

Bem, o fundamental na história foi que o Banco Central procurou evitar que a crise cambial fosse acrescida de uma crise bancária sistêmica. E eles tinham razão para agir assim. Certamente, é uma injustiça que ex-dirigentes do BC até hoje estejam respondendo penalmente pelas decisões que tomaram para evitar uma crise sistêmica.

O temor desse tipo de conseqüência pode ter influenciado o BC atual a empurrar para o Banco do Brasil e a Caixa a tarefa de salvar eventuais bancos que tenham problemas?

Eu acho que sim, mas é claro que só os dirigentes do Banco Central poderiam responder a essa pergunta. O que posso dizer é que eu, se estivesse lá, faria exatamente isso. Me parece nítida a preocupação que os dirigentes hoje têm de minimizar o risco pessoal nesse tipo de ação. A experiência dos dirigentes anteriores aconselha esta prudência.

O sr. já foi processado por suas decisões como presidente do BC?

Graças a Deus, não tenho processos penais. Mas existem processos contra mim , e inclusive iniciados por dirigentes do PT, como o Ricardo Berzoini (presidente nacional do PT).

Este assédio legal em razão de decisões tomadas no BC podem atrapalhar na hora de lidar com riscos sistêmicos?

Sim, o fato de autoridades públicas ficarem sujeitas a processos muitas vezes por razões puramente políticas coloca um custo pessoal muito alto sobre o funcionário público, e isso pode levá-lo a não tomar decisões que precisaria tomar. Essa crise internacional, depois que deixaram o Lehman Brothers quebrar, deve estar finalmente mostrando a muita gente que risco sistêmico existe de verdade, não é invenção.

Deixar o Lehman Brothers quebrar foi um erro?

Foi um erro grosseiro. Uma das regras principais para se lidar com o risco de crises desse tipo é a não liquidar bancos com importância sistêmica, a não ser que se consiga mapear e isolar de forma adequada todos os reflexos que a quebra daquele banco possa ter sobre o restante do sistema.

Há risco de o Brasil ter uma crise bancária neste momento?


O Brasil tem um mercado bancário sólido. A crise é mais de liquidez e localizada, basicamente no mercado de câmbio e em bancos médios e pequenos.

Se os bancos brasileiros estão bem, por que há tanto nervosismo em relação a isso?

Está se criando um ambiente de muito ruído, que foi aumentado por algumas intervenções e declarações do governo que trouxeram mais apreensão do mercado. A Medida Provisória 443 trouxe incerteza. O governo insiste que há um problema só de liquidez, e depois lança uma medida que tem a ver com a aquisição de bancos. Se o problema é de liquidez, não tem que fazer aquisição de bancos ou de ações de bancos, como foi feito em outros países. Eu não vejo o sistema brasileiro precisando disso, e o governo, com essa medida, levantou essa possibilidade.

Então a 443 não é necessária?

Tudo indica que não. A medida causou mais rebuliço no mercado, mais desconfiança. Ela não teve objetivo muito claro e jogou uma suspeição sobre tudo e todos. Do jeito que foi divulgado, acenou-se para uma estatização maior do setor bancário, enquanto na Europa e nos Estados Unidos se fala de um aumento temporário da participação dos governos no setor como acionistas, mas vinculado à resolução da crise. A 443 acabou aparentando um viés ideológico de estatização que não é desejável.

O sr. é contra o aumento da presença do setor público no sistema bancário?

Não sei se é bom, a médio e longo prazos, concentrar mais o sistema nas mãos dos bancos públicos. Até porque, no programa de reestruturação do sistema financeiro de 1995 a 1998, se gastou muito mais com os bancos públicos do que com os bancos privados.