Enquanto a Câmara discutia, ontem à tarde, a criação do Fundo Soberano, pensado para comprar o excesso de dólares no mercado, o Banco Central anunciou que estava recebendo US$ 30 bilhões do Fed. O Fundo foi criado para evitar a queda do dólar, e hoje o problema é evitar que ele dispare. Quando foi proposto, em maio, já não tinha cabimento; ontem, parecia idéia de um governo alienado.
O Fundo caducou completamente, e a operação com o Fed foi o atestado médico da maluquice. O FSB foi pensado para retirar do mercado o excesso de dólares e, agora, há escassez; foi pensado para um país com superávit em transações correntes, e o Brasil está com déficit que no ano deve superar US$ 30 bilhões e, em 2009, US$ 40 bi; foi pensado para um dólar fraco, e o dólar se fortalece aqui e no mundo; era para guardar o aumento de arrecadação, e haverá queda.
A proposta e a exposição de motivos, lidas ontem, pareciam escritas por um extraterrestre.
Para fazer um fundo soberano, é preciso ter superávit estrutural de conta corrente, superávit fiscal prolongado e dívida baixa. Em maio, quando foi proposto, o Brasil já estava com déficit em transações correntes, continuava com déficit fiscal nominal e uma dívida alta e cara.
Em maio, o governo achava que a entrada de dólar no Brasil, pelo comércio e pelo fluxo de capital, continuaria forte e derrubando a cotação do dólar, o que prejudicaria os exportadores. Achava que a arrecadação iria subir. Teve, então, a idéia do “cofrinho”: depositaria nele o “excesso” de superávit primário, para o Tesouro comprar dólares no mercado e financiar o crescimento das empresas brasileiras no exterior. Assim, evitaria a queda do dólar, além de beneficiar as multinacionais no exterior.
A situação agora é a seguinte: o Brasil vai crescer menos e a arrecadação será menor do que a prevista; o dólar virou mercadoria tão rara no mercado que o BC teve que vender reservas para reverter a disparada do câmbio, e ontem recebeu reforço da cavalaria americana através do swap de moedas; empresas brasileiras não conseguem nem financiar capital de giro, quanto mais investir no exterior. No mundo, as empresas estão cortando investimentos. A realidade fez picadinho dos pressupostos do Fundo.
O economista José Alfredo Lamy, da Cenário Investimentos, entende que a operação de swap com o Fed é um “empréstimo adicional”, mas sem muito efeito para quem tem US$ 200 bilhões de reservas.
Acha que esse reforço de dólares do Fed é bemvindo, mas não acha que isso interfere na tendência geral de desvalorização da moeda brasileira e fortalecimento do dólar.
— Tudo que manteve o real forte acabou ou se inverteu.
O Brasil vai exportar menos, a preços menores, haverá menos entrada de capital e o dólar está em alta contra todas as moedas — diz ele.
Lamy acredita que o dólar deve ficar, em 2009, entre R$ 2,50 e R$ 3.
Na MB Associados, o economista Sérgio Valle prevê uma cotação mais baixa para o dólar, entre R$ 1,90 e R$ 2 no ano que vem, mas concorda que esse é um momento de escassez da moeda americana, o que torna fora de sentido o Fundo Soberano. O primeiro gráfico mostra como os preços de produtos básicos exportados pelo Brasil subiram nos últimos anos, elevando a exportação. Agora, ficarão em queda. Abaixo, o quadro das contas externas, mostrando que o país saiu de um pequeno superávit para um déficit crescente na conta corrente.
— No ano que vem, o saldo comercial será de apenas US$ 5 bilhões e o país caminha para o déficit.
A restrição estrutural do dólar vai continuar — diz Sérgio.
A idéia de acumular excessos fiscais no Fundo também não faz sentido. O país não vai ter “excessos”, vai crescer menos e o governo arrecadará menos.