domingo, outubro 26, 2008
Augusto Nunes-SETE DIAS
Um palanque de dar medo
Nascido no PV, criado no PFL, crescido no PSDB e homiziado no PMDB sob a proteção de Sérgio Cabral, Eduardo Paes garantiu um asterisco nos livros que contarão a história política do Rio como o candidato em torno do qual se costurou a mais multifacetada, estranha e inquietante de todas as alianças. Não existem parcerias improváveis, acordos impossíveis ou inimizades definitivas, avisaram os sorrisos reunidos no mesmo palanque. Não pelo carisma que Paes nunca teve, mas pelo medo provocado por Fernando Gabeira. A anunciação do triunfo nas urnas de um homem decente operou o milagre da colagem de escombros assimétricos. "É hora de lamber as feridas e partir para a ofensiva", sugeriu José Dirceu. Apavorados com a aproximação do futuro, desafetos juramentados trataram de tirar a mão do coldre para trocar afagos. O primeiro a esquecer ressentimentos fora o próprio Paes. Em 2005, ele acusou o presidente Lula de chefe de quadrilha, insultou o Primeiro Filho, recomendou o indiciamento de Dirceu e pediu cadeia para os mensaleiros. Para obter o perdão de Lula e a compreensão dos pecadores de outros partidos, o candidato topara até rastejar. Por que os cabos eleitorais deixariam de seguir exemplo tão edificante? Horas mais tarde, dividiam tanto o palanque quanto o quartel-general da guerra suja pistoleiros que até ontem andavam trocando tiros. Roberto Jefferson com o seu PTB ficou logo ao lado dos mensaleiros do PP de Pedro Correia ou do PRB de Marcelo Crivella Na ala dos fora-da-lei, trocavam frases carinhosas Carminha Jerominho (PTdoB), os irmãos Babu (PT), psicopatas do MR-8 e chefões de milícias assassinas. Abraçados, Vladimir Palmeira e José Dirceu enterraram agravos miúdos. Para que ficar remoendo, por exemplo, acidentes de percurso como o ocorrido em 1998? Naquele ano, Vladimir foi proibido de disputar o governo do Rio por José Dirceu, então presidente nacional do PT. O veto foi exigido por Leonel Brizola, que condicionou o endosso à candidatura presidencial de Lula ao apoio do PT fluminense ao candidato do PDT a governador. Assim começou o longo mandarinato dos Garotinho. Garotinho trocou o PDT pelo PMDB, mas a aliança juntou o partido do ex-governador, que lançou Sérgio Cabral, e o espólio pedetista agora administrado pelo ministro Carlos Lupi. Se algum gaiato gritasse "Teje preso" na fila do gargarejo de uma apresentação do bando, poucos deixariam de sair em desabalada carreira. Como não ouviram o berro, os aliados agiram à vontade. Distribuíram panfletos que qualificavam Gabeira de ateu, usuário de drogas, homossexual, candidato dos ricos. Paes passou o segundo turno fingindo ignorar o que mandara fazer. Fez de conta que não sabia dos apedrejamentos de veículos em campanha pelo adversário, fez de conta que não houve ameaças anônimas às duas filhas de Gabeira. Sucessivamente afrontado, Gabeira mostrou como será o país no futuro. Não imprimiu panfletos ultrajantes, não fez nenhuma concessão eleitoreira, nem costurou acordos espertos. "Paes está empenhado em ganhar a qualquer preço", resumiu o jornalista Ricardo Noblat. É isso. Aos 38 anos, o candidato da aliança terminou a campanha de fraque, polainas e cartola. O sessentão Fernando Gabeira e seus muitos milhares de eleitores remoçaram a cara do Rio.
Uma dupla
do barulho
O prefeito Gilberto Kassab não pode deixar fora do discurso da vitória os melhores agradecimentos à participação do marqueteiro e do secretário do presidente Lula na campanha em São Paulo. João Santana cuidou dos programas eleitorais que garantiram a derrota de Marta no primeiro turno. No segundo, o marqueteiro contou com a preciosa ajuda de Gilberto Carvalho. Foi deles a idéia, aplaudida com entusiasmo por Marta, de perguntar se Kassab era casado e tinha filhos. O prefeito deve pedir-lhes que não se esqueçam de voltar a São Paulo nas próximas eleições.
O prefeito deve
ter a cara do Rio
Trecho da nota publicada nesta coluna em 19/12/2005:
Depois de tantos equívocos e desenganos, a cidade merece um prefeito que saiba amá-la, que capte a essência da alma carioca. Esta é a patriazinha da gente de bem com a vida, alegre, cordial, atrevida, inventiva, risonha, musical. Se o Rio não é isso, já pareceu assim. Só será de fato com um prefeito muito singular. Nada a a ver com um Cesar Maia ou com os Garotinho. Pouco importa onde tenham nascido: são forasteiros fundamentais. E nenhum tem a cara do Rio. Fernando Gabeira, esse tem.
Na hora do crepúsculo, saberemos se a aurora chegou.
Alguém precisa expulsar de campo o craque da tapioca
Na pátria da impunidade engravatada, o criminoso já não se limita a voltar ao local do crime: aproveita para pecar de novo e nem se dá ao trabalho de esconder pegadas. É o que acaba de fazer o ministro do Esporte, Orlando Silva, que transformou o Diário Ofi
cial da União no cenário predileto
de delinqüências em série. Na edição de 13 de outubro, uma certa Fields Comunicação foi contratada sem licitação "para prestação de serviços de publicidade visando à candidatura do Rio às Olimpíadas de 2016". Preço do serviço: R$ 6 milhões. Na edição do dia 21, o homem da tapioca voltou ao D.O. para doar aos parceiros do COB R$ exatamente R$ 3.644.398,09. Contas milionárias que incluem centavos ocultam gordas percentagens por trás de cada moeda. Outra prova do crime é a justificativa para a gastança. Sem correções: "custear a contratação de serviços de consultorias nacionais relacionados às áreas de Logística, Infra-estrutura portuária e Aeroportuária, operações de mídia, Preparação do Orçamento dos jogos e validação do orçamento dos jogos, Bloqueio de Mídia Externa, Educação e cultura, acomodação em navios, recrutamento e seleção de pessoal e análise do plano de cargos, assessoria de imprensa, simulação de demanda de público, voltados para a elaboração do dossiê da candidatura". O palavrório agride as normas que regem o uso de maiúsculas, espanca a sensatez e escancara ações ilegais. O que significa "Bloqueio de Mídia Externa"? Como reservar acomodações em navios de passageiros que não existem mais? O que tem a ver o COB com "Infra-estrutura portuária?" Em vez de iluminar as muitas zonas de sombra, o ministro foi à luta da edição de quinta-feira passada. Sem licitação, torrou R$ 595 mil para divulgar a candidatura do Rio no GP da F-1 em São Paulo. Silva e sua turma terão "espaço personalizado e exclusivo" até nos dias de treino. É muito cinismo. É pouca vergonha. É confiança demais na eterna impunidade.